Ninguém está longe de coisa alguma

Portugal pode ser um alvo de Putin. Um míssil no nosso território significaria atingir um país europeu com longa história.

por Rodolfo Begonha
Gestor, Doutorado em Sociologia Económica e das Organizações

Afirmar que estamos ‘perto das mãos’ de Putin não é desenrolar a teoria da conspiração, não é ficção, é um cenário entre muitos outros.

Sob certas circunstâncias especiais, um míssil russo em Lisboa (por exemplo) ou numa zona militar dos Açores, teria um resultado interessante. Disse: «Sob certas circunstâncias especiais.»

E a primeira circunstância – ainda que não altamente provável – teria de ser a certeza de envolvimento direto da NATO e de um país completamente fora da geografia de influência ‘natural’ da Rússia, como o nosso. Porventura improvável. Claro que há outras prioridades geográficas estratégicas da Rússia, claro que o esforço de guerra não deve ser excessivamente disperso. Mas vejamos.

Portugal não é um alvo privilegiado se atendermos ao nível imediato de ameaça para a Rússia, visto que não somos uma potência realmente armada e não nos podemos comparar em matéria de defesa com a maioria dos países ocidentais, já em si ‘adormecidos’ nesta matéria. Todavia, outros aspetos podem contribuir para o tornar atrativo, como é precisamente o caso de pertencer à NATO, e, não estar preparado a nenhum nível para um ataque dessa natureza. Não creio que existam armas nucleares guardadas em Tancos (felizmente!).

Um míssil no nosso território significaria atingir um alvo simbólico de um país com longa história – Putin admira o antigo poder imperial de um país com a nossa pequena dimensão –, seria mostrar na prática capacidade para atingir uma área periférica do continente europeu, neste caso sem reação própria imediata, o que por sua vez implicaria externamente um planeamento de meios e uma mobilização relativamente imprevistos. Obrigaria então a olhar para Portugal no Atlântico, de peito virado para o mundo, para a América também… um pouco mais do que as sombras de oliveiras e de sobreiros captadas via satélite.

Essa carga simbólica teria impacte relevante nas grandes potências NATO, em termos práticos e em termos teóricos.

Quanto a nós… podemos imaginar as consequências?

Quais seriam os níveis de impreparação, de medo (aposta da Rússia), de paralisação, de escassez e penúria na eventualidade de tal ataque?

O desinvestimento crónico, ‘fácil’ e eleitoralista na defesa nacional, tem hoje como consequência que os governantes assobiem para o lado quando se tenta abordar o tema com maior profundidade. E para isso ajuda muito a mentalidade popularmente assumida de que aqui não se passa nada, aqui não chega nada, por estarmos ‘longe’, por isso não precisamos de defesa… alguém o fará por ‘nós’.

O que está em jogo? Não se trataria de o ratinho se empertigar irracional e intempestivamente para enfrentar a raposa, mas ao invés de assegurar a existência de um mínimo de defesa digno! É praticável?

Admito que algumas pessoas conscientes gostariam de ter uma ideia sobre as capacidades e operacionalidade do nosso sistema de defesa, da proteção antiaérea (existe?), por exemplo. E também de saberem que alguém profissional equaciona os vários cenários, com seriedade.

Mas o quadro não se afigura animador. Pensar? Planear? Antecipar cenários?

Lembro-me sempre que há diversos anos tive a oportunidade de questionar, numa conversa informal face a face, o principal responsável pela defesa nacional (ao mais alto nível) acerca do nível de preparação de Portugal para o cenário de uma mudança brusca de regime em Marrocos, caso ali se instalasse um governo fundamentalista e bélico. O que então me respondeu? Nada em concreto!

É factual que nas milhentas conversas públicas russas (mesmo caricaturando) já foi abordado o cenário de um ataque a Portugal e já foi mostrado um mapa da Europa ‘libertada’, desde o nosso país até ao extremo da Ásia Russa.

Será sensato precisarmos de óculos e não os termos?

Será prudente termos óculos, precisarmos deles e não os usarmos?

E será inteligente precisarmos de óculos e acreditarmos que afinal não precisamos mesmo deles?

Acredite-se no que se quiser. Continuo a achar que (pelo menos) devemos ter arroz, massa, latas de atum e de salsichas, pois podem ser úteis enquanto não houver uma desgraça nuclear.