O estranho caso dos livros do Brasil

Pode-se mandar vir livros dos Estados Unidos com a maior das facilidades. Mas os do Brasil, vá-se lá saber porquê, estão-nos praticamente vedados.

A primeira crónica que escrevi nesta rubrica, já lá vão uns sete ou oito anos, tinha por título ‘Como troquei um livro por uma garrafa de vinho’. Contava uma história um pouco complicada que tentarei resumir. Eu andava desesperadamente à procura da biografia de Sigmund Freud por Peter Gay, que tinha sido publicada no Brasil em 1989. Não conseguindo encontrá-la em Portugal – pelo menos a um preço razoável -, lembrei-me de pedir ajuda a uma amiga que vivia então no Rio de Janeiro. Lá era facílimo encontrar num dos muitos ‘sebos’ (como os brasileiros chamam aos alfarrabistas) um bom exemplar a um bom preço. Por sorte, um amigo dela, psicanalista, ia a Paris dali a pouco tempo e eu tinha familiares que viviam na capital francesa. Assim, passei os respetivos contactos e combinaram a entrega. A contrapartida foi uma garrafa de vinho português, que no Brasil era estupidamente caro.

 

Que trabalheira para obter um simples livro, poderão pensar! Mas o facto é que as obras publicadas no Brasil continuam a ser difíceis de encontrar por cá. E é uma pena, porque há excelentes editoras no Brasil, em especial a Martins Fontes e a Companhia das Letras.

Se pesquisarmos por estes livros no Google, o mais certo é sermos remetidos para o Marketplace da Fnac (vendedores ‘externos’ que colocam os seus produtos à venda naquela plataforma). Três exemplos: Jane Jacobs, Morte e Vida de Grandes Cidades: €90,34 («vendido por CulturaBrasil»); Werner Jaeger, Paideia – A formação do homem grego: €87,78 (idem); Daniel-Rops, A Igreja das Catedrais e das Cruzadas: €132 (mais uma vez, cortesia da CulturaBrasil).

Curiosamente, quando procuramos estes títulos em sítios brasileiros, o preço cai a pique. O último que referi, de Daniel-Rops, encontra-se por 150 reais (cerca de €27) na Amazon Brasil. Uma diferença abissal, ainda para mais se tivermos em conta que esta História da Igreja é composta por dez volumes.

Face a essa enorme discrepância, lá fui eu, mais uma vez, tentar fintar os obstáculos com uma manobra de contrabando. Fiz login na Amazon Brasil e coloquei o livro no carrinho de compras. Novo mistério: quando ia, muito satisfeito, finalizar a encomenda, foi-me solicitando o que suponho ser um número de identificação brasileiro. «Digite seu CPF – Cadastro de Pessoas Físicas». Algo que obviamente não tenho.

Vá-se lá perceber! Pode-se encomendar livros dos Estados Unidos da América com a maior das facilidades. Da Alemanha. De França, de Inglaterra e de Espanha nem se fala. Mas os do Brasil, com quem partilhamos a língua, estão-nos praticamente vedados. Ou se aparecem é quase sempre a preços proibitivos. 

Existe certamente algum mistério que me está a escapar. Não haveria maneira de reduzir os custos da importação? É que, lamentavelmente, já não tenho nenhuma amiga  no Rio com quem trocar garrafas de vinho oprtuguês por livros brasileiros.