Banca treme mas não cai para já

O colapso do Silicon Valley Bank e a necessidade de capital do Credit Suisse fizeram soar alarmes e trouxeram à memória a crise do subprime, em 2008. Depois de Medina, também economistas ouvidos pelo Nascer do SOL deram sinal de tranquilidade, mas ainda não é possível suspirar de alívio.

O sistema financeiro tremeu no início da semana com o colapso do Silicon Valley Bank (SVB) nos EUA e tremeu ainda mais com o anúncio de que o Credit Suisse precisava de novas injeções de capital – acabando por receber um empréstimo de até 50 mil milhões de francos suíços (50,7 mil milhões de euros) do banco central da Suíça para «fortalecer» as suas contas – fazendo soar alarmes sobre uma nova crise, tal como a que assistimos em 2008 com o subprime. Os economistas contactados pelo Nascer do SOL afirmam que não estamos perante o mesmo risco, mas mostram alguma preocupação. Ainda assim, reconhecem que o sistema financeira está mais robusto.

Uma avaliação que vai ao encontro do que tinha sido defendido pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, ao referir que o sistema bancário europeu estava «sólido» e que em relação ao banco norte-americano estávamos perante «um caso de um banco regional, muito especializado», adiantando que as autoridades americanas «lidaram rapidamente com a situação e em força».

O mesmo discurso tinha sido feito pelo presidente do Eurogrupo, Paschal Donohoe, salientando que «não há exposição direta» do sistema bancário europeu a esta falência, acrescentando, todavia, que o colapso do banco californiano é «um lembrete» para a necessidade de garantir a resiliência dos bancos.

Ao Nascer do SOL, António Bagão Félix diz que «a crise do subprime teve subjacente aspetos que não são os que agora estiveram na base da falência do banco californiano», afirmando que a «anterior crise alastrou impulsionada pela vertiginosa e artificiosa constituição de derivados financeiros sem suporte real e ligada a uma bolha especulativa do imobiliário».

Menos otimista está Eugénio Rosa, ao acenar com o facto de não ser apenas o Silicon Valey Bank a ter colapsado, tendo sido seguida a queda de outras duas instituições bancárias americanas – o Silvergate Bank e o Signature Bank. Ainda assim, refere que a primeira instituição financeira, apesar de ter média dimensão, tinha um ativo de 209 mil milhões de dólares (cerca de 199 mil milhões de euros) e 175. 400 milhões de dólares (167.048 milhões de euros) de depósitos. Feitas as contas, nota o economista, estamos perante uma dimensão maior do que a Caixa Geral de Depósitos, que, no final de 2022, contava com um ativo de 104.018 milhões de euros, enquanto os recursos de clientes, que incluem os depósitos, eram de 83.503 milhões.

«O SVB tinha praticamente o dobro da dimensão da CGD. E um banco desta dimensão tem ramificações em muitos outros bancos, não só nos EUA, mas também na Europa e na Ásia, até porque era um banco que financiava startups, logo prometia rentabilidades mais elevadas e, por isso, atraía investimentos de outros bancos», refere ao nosso jornal.

Daí considerar natural a subsidiária do SLV no Reino Unido ter sido comprada pelo HSBC, o maior banco da Europa, por 1,13 euros para que não contaminasse a banca inglesa. E chama a atenção para o facto de também o Credit Suisse estar a enfrentar dificuldades. «A confirmar estas ramificações fora dos EUA está a queda nas bolsas em todas as praças, incluindo a bolsa de Lisboa. Portanto, o risco de contágio é elevado, até porque não se conhecem as ramificações do SVB em outros bancos e destes em outros».

Já Ricardo Evangelista, diretor-executivo da ActivTrades Europe, admite que «neste momento a crise já está controlada». E justifica a sua posição. «Por outro lado, os bancos considerados sistemicamente importantes, como o JP Morgan, CITI, ou Bank of America, estão melhor capitalizados e com uma gestão de risco mais apropriada, do que acontecia antes da crise do subprime».

Também Filipe Garcia, economista da IMF – Informação de Mercados Financeiros, refere que a atual situação é muito diferente e que nem sequer é comparável com a crise vivida em 2008. «A regulamentação está mais forte. Há mais mecanismos de controlo e há mais conhecimento sobre as coisas. Por outro lado, foram tomadas medidas imediatas para tentar conter esta corrida aos bancos. E durante o fim de semana assistimos nos Estados Unidos a uma proteção dos depósitos, através de uma linha de crédito concedida pela Reserva Federal aos bancos».

E acrescenta: «Em 2008 as instituições estavam cheias de títulos que não valiam nada, daí a famosa história do subprime. Hoje isso não acontece. Mesmo o SVB, que encerrou, tinha uma carteira de investimento que não era feita de lixo. Era feita de títulos até bastante respeitáveis e numa parte grande de obrigações do tesouro americano».

Uma maior dor de cabeça poderá ser, de acordo com o economista, o que se passa com o Credit Suisse. «Não é bom que um banco tão grande esteja constantemente a renovar mínimos históricos em termos de ações. E um banco que tem uma dimensão tão grande também representa um risco sistémico. A única coisa boa é que estão todos a olhar para isso, ao nível dos supervisores, reguladores. Mas preocupa-me mais esta situação», refere ao nosso jornal.

 

Sistema financeiro preparado

Para evitar novas crises, como a que assistimos com a falência do Lehman Brothers e que despoletou uma verdadeira crise financeira – a que Portugal não escapou­ – as malhas da regulação ficaram mais apertadas e, por isso mesmo, as surpresas são mais controladas.

«Embora esse risco não possa ser completamente descartado, penso que o sistema financeiro está agora mais bem preparado para ultrapassar globalmente fatores de instabilidade do que estava na crise desencadeada em 2008 pela falência do Lehman Brothers», diz Bagão Félix.

 Mas acrescenta: «A situação vulnerável entretanto conhecida num importante banco suíço traz acrescidas preocupações de hipotético efeito-rastilho. Estes dias de instabilidade terão de ser ponderados no contexto dos anunciados aumentos de taxas diretoras da Reserva Federal Americana e do Banco Central Europeu».

Já em relação à ‘saúde’ do sistema financeiro reconhece que está «melhor», sobretudo o europeu, em que as exigências regulatórias e prudenciais são mais sólidas e acompanhadas com testes de stress. No entanto, lembra que «é preciso acautelar as situações de balanço dos bancos, quer quanto a créditos hipotecários, quer quanto a carteiras de títulos soberanos com acentuada desvalorização por força da subida das taxas de juro. Por outro lado, as taxas nulas ou baixíssimas, que vinham a vigorar durante anos, poderão ter gerado passivos da banca quase ‘à borla’ com a sua aplicação em ativos menos cuidada».

Também Ricardo Evangelista está convencido de que o colapso do Silicon Valley Bank não irá pôr em causa a estabilidade do sistema financeiro, acenando com a rapidez com que as autoridades norte-americanas reagiram durante o fim de semana e criaram um plano, que passa por garantir a totalidade dos depósitos de todos os clientes. «Esta reação evitou que se instalasse o pânico e houvesse uma corrida aos bancos na segunda-feira. Entretanto, temos assistido a subidas no valor das ações de bancos americanos de menor dimensão, o que pode ser interpretado como um voto de confiança dos mercados na estabilidade do sistema financeiro».

Já quanto ao Credit Suisse lembra que «o apertar da regulação, sobretudo no que diz respeito às instituições sistemicamente importantes, significa que os rácios de capital e gestão de risco a que ficam obrigadas oferecem mais garantias».

Mas nem todos estão convencidos. Eugénio Rosa afirma que as declarações de Fernando Medina ao garantir a estabilidade do sistema financeiro e que está mais robusto desde 2008 lembram as declarações de Cavaco Silva, antes da queda do Banco Espírito Santo (BES) de que os portugueses podiam confiar no banco. «A afirmação do presidente da Associação Portuguesa de Bancos, Vítor Bento, na Assembleia da República, de que há categorias de investimentos da banca ‘que consomem a base de capital e só uma parte das perdas não realizadas não estão devidamente refletidas’ nas contas dos bancos não nos dá segurança», refere ao nosso jornal.

E faz um comparação com a realidade portuguesa. Em dezembro do ano passado, a CGD tinha aplicado em títulos 18.689 milhões (18,2% do seu ativo total), o BCP 13.035,5 milhões (14,5% do ativo total), o Novo Banco 8.183,2 milhões (17,8% do ativo total), o Santander Totta 8.235 milhões (13,9% do ativo total), o BPI 5.123 milhões (12,8% do ativo total) e o Banco Montepio 4.119 milhões (21,6% do ativo total). «Somando obtém-se 57.385 milhões. Se calcularmos os juros anuais com base na taxa média do stock de dívida pública do IGCP (1,8%), obtém-se para este montante de dívida pública um rendimento (juros) de 1.033 milhões de euros por ano. No entanto, o IGCP tem pago atualmente nas emissões a 10 anos uma taxa de juro de 3%. Com uma taxa de juro de 3% são apenas necessários 33.4431 milhões para obter o mesmo rendimento que se obtém com os 57.385 milhões à taxa de 1,8%. Isto significa que, se este total de dívida fosse vendido no mercado regulado, os seus detentores teriam um prejuízo estimado em 22.954 milhões». Acrescenta que a «forma de evitar que tenha de registar já esses prejuízos nas suas contas de resultados é transferir os títulos das contas onde estão nos balanços para uma outra conta denominada ‘ativos financeiros ao custo amortizado’».

O economista diz também que está afastada a ideia de que Portugal não enfrenta riscos. Essa ideia, defende, «revela ignorância ou então está a tentar iludir». Dá, como exemplo, as dificuldades que enfrenta o Credit Suisse e a compra da subsidiária do SVB por outro banco na Inglaterra para evitar a contaminação dos restantes bancos ingleses.

E deixa um recado: «O SVB e o Credit Suisse podem ter ramificações em muitos bancos europeus, que não foram reveladas e uma eventual contaminação de outros bancos por estes poderá efeitos graves. Como se sabe, um banco normalmente colapsa não é pela via dos prejuízos, mas sim pela falta de liquidez que, muitas vezes, sucede quando os depositantes perdem a confiança e acorrem em massa a levantar os seus depósito e o banco não tem liquidez suficiente para fazer face esses levantamentos e vende os ativos que tem com enormes prejuízos. Foi isso que aconteceu no SVB e, em Portugal, com o Banif».

Já Filipe Garcia refere que «uma coisa é dizer que o sistema está sólido, outra coisa é valorizar» e, neste caso, admite que «talvez se tenha desvalorizado um bocadinho a questão. Para já não se desvalorizou e bem porque a possibilidades de contagiar o resto do setor bancário era evidente».

 

O que correu mal

Apesar de reconhecer que assistimos a melhorias ao nível do papel regulatório, Bagão Félix afirma que «visto de fora, não deixa de ser surpreendente como situações destas são apenas conhecidas ‘do dia para a noite’, gerando reações nem sempre racionais nas bolsas internacionais, com repercussões globais – alguma coisa estará a falhar a nível dos alertas de supervisão».

No entanto, salienta que mais importante é a questão da confiança. «Este ‘ativo imaterial’ da banca que precisa de tempo e boa gestão para se robustecer, pode falhar de um momento para o outro, com corrida aos depósitos e indesejáveis efeito-dominó».

Já o diretor-executivo da ActivTrades Europe afirma que, mesmo sendo o SVB um banco de dimensão considerável, dentro da realidade americana, não era considerado sistemicamente importante e, por isso, escapou a uma supervisão prudencial mais apertada. «O problema surgiu devido a uma gestão de risco deficiente, com o investimento de depósitos de clientes em títulos do tesouro americano de longa duração. Este instrumento é considerado muito seguro, no entanto quando a Fed começou a subir os juros o valor nominal destes títulos caiu», acrescentando que «quando confrontado com pedidos de levantamento por parte dos clientes, o banco teve que vender as obrigações com perdas devido à já mencionada desvalorização. Este processo acabou por gerar problemas de tesouraria, que rapidamente deram lugar a pânico de clientes, com uma corrida ao banco, levando à insolvência do SVB».

Já quanto ao facto de estar direcionado para o negócios das startups, o responsável acredita que não haverá contágio para este segmento, depois da garantia dada pelas autoridades americanas, logo podem continuar a poder cumprir com as suas obrigações, como salários e pagamentos a fornecedores.

Também para Mário Martins, analista da ActivTrades, o colapso deve-se «fundamentalmente de erro de gestão, tal como costuma ocorrer com todas as quedas de instituições bancárias». E diz que, neste caso específico, também como habitualmente, «deriva da exposição excessiva a um determinado ativo, que por um evento inesperado perde valor, sendo que de novo por incompetência da gestão, o reajustamento do risco para acautelar um desenvolvimento inesperado deixou muito a desejar, isto porque com a subida dos juros por parte da Fed, que não obstante ter sido muito célere, mas ainda assim agora com cerca de um ano de duração, os clientes do banco começaram a necessitar de maior liquidez, o que os levou a retirar capital do banco».

Uma opinião partilhada por Filipe Garcia. «Um banco tem que ter a capacidade de honrar uma parte grande dos seus depósitos num tempo relativamente curto. E isso implica ter em carteira muitos títulos de curto prazo, ou seja, de maturidade curta que possa vender sem perdas de capital. Bilhetes de tesouro, por exemplo. Se tiver obrigações de longo prazo e se houver uma subida da taxa de juro, o que foi o que aconteceu, o valor de mercado desses títulos cai e se tiver de os vender já não valem 100, valem 90 ou 80, ou uma coisa do género. E foi isso que aconteceu. E, por outro lado, associado a essa exposição, ao que se sabe, não foi feita a cobertura do risco de subida de juro que faria precisamente variar o valor de mercado desses títulos em baixa. Na prática, o que quiseram fazer foi aplicar no longo prazo uma taxa um bocadinho mais alta e gerir a liquidez dessa maneira. Mas isso foi um erro da gestão», conclui.