Um Estado pouco direito e às vezes democrático

Vai sendo notícia que a falha do Governo paralisa o julgamento do ex-primeiro-ministro José Sócrates e há crimes que começam a prescrever em 2024…

Por Nuno Melo 

Combater a corrupção e o crime organizado, em sociedades crescentemente tecnológicas e num mundo com paraísos fiscais e fronteiras soberanas, implica grande cooperação internacional e um corajoso investimento em meios técnicos e humanos na Justiça.

A este respeito, Portugal é um caso preocupante,  que só pode preocupar as instituições europeias.

O que se tem de perguntar é: que razões podem levar um Governo a permitir a prescrição de crimes e a anulação de processos a beneficio de possíveis criminosos, em vez de legislar como lhe compete para o evitar e de atribuir à Justiça os meios necessários para apurar factos, julgar e punir os prevaricadores?

Em Portugal o Estado de Direito está a ser violado todos os dias, de forma incompreensível e inaceitável.

São inúmeros os processos relacionados com crimes graves que estão a ser anulados, porque a propósito da recolha de meios de prova com recurso a metadados, o Governo socialista, ao contrário do que sucedeu noutros países, se recusou a alterar uma lei que assentava na Diretiva 2006/24/CE, que o Tribunal de Justiça da UE julgara inválida e depois, como tantas vezes se antecipou, foi considerada inconstitucional.

Simultaneamente, são também muitos os processos que estão a ser objecto de recursos, porque a regulamentação de duas leis  (55/2021, de 13 agosto e 56/2021, de 16 agosto) relacionadas com a distribuição electrónica de processos judiciais e o  sorteio e  nomeação de juízes, que teria de ser feita pelo governo num prazo de 30 dias, passados 1 ano e 7 meses continua na gaveta.

 

Para que se perceba o alcance das consequências, vai sendo notícia que a  falha do Governo paralisa o  julgamento do ex- primeiro-ministro socialista José Sócrates e há crimes que começam a prescrever em 2024.

Por seu lado, no que tem que ver com os metadados, sabe-se que há milhares de crimes que ficarão sem punição. Aliás, o  diretor do Gabinete  que coordena a actividade do Ministério Público na área da cibercriminalidade, avisa que já foram destruídos dezenas de casos de pornografia infantil, tanto durante a investigação,  como na fase de julgamento e fica em causa a investigação de  burlas ou bullying feitos através da internet.

Só num país totalmente anestesiado é que se poderá conviver com  circunstâncias tão graves, que fragilizam a eficácia da Justiça e atentam contra obrigações internacionais, comuns a todos os países da União Europeia.

A justiça, por definição é cega. Não pode ser diferente em razão da riqueza e tem de ser imune a intromissões, por acção ou omissão, do poder político.  Imagine-se, de resto, que o que sucede em Portugal, acontecia na Hungria ou na Polónia? Quantos debates não teriam sido pedidos no Parlamento Europeu e quantas sanções não teriam reclamado as esquerdas ? 

 

Acontece que um Estado não é de Direito e democrático, consoante o alinhamento à direita, ou à esquerda dos governos. E é por isso mesmo que acabo de pedir a intervenção da Comissão Europeia, na defesa do Estado de Direito em Portugal.