No país da justiça no direto, do aqui e agora

Por fim, a lista da Comissão Independente que estudou os casos de abusos sexuais na Igreja. Como foi possível apresentarem o estudo com tantos mortos? 

Já há programas de televisão sobre quase tudo – ainda não percebi por que razão não há um sobre funerais, e estou a gozar, como é óbvio – e a vida é mesmo feita em direto. É como se decidíssemos tudo em frente a uma câmara, sem pensarmos muito. Marinheiros recusam cumprir ordens? O Presidente da República, chefe máximo das Forças Armadas, logo responde que é preciso falar do desinvestimento que houve, mas não condena um ato de rebelião dos seus subordinados. Os comentadores que duas horas antes estiveram a perorar sobre o plano Mais Habitação ou sobre os perigos da derrocada de um banco americano, logo ditam sentenças de que as Forças Armadas portuguesas são uma nódoa e que perderam prestígio internacional – deviam ir dizer isso à República Centro Africana, por exemplo. 

Nélson Évora e Pedro Pichardo alimentam uma discussão de um nível confrangedor, com mais culpas para o primeiro, e logo temos sentenças como se estivéssemos num Sporting-Benfica. O Chega aproveita a boleia e toca de tocar o bombo. Não há tempo para ver se há atletas portugueses que já correram com as cores de outros países e que só o fazem com a camisola portuguesa por interesse – no futebol qualquer jogador que represente a sua seleção principal por duas vezes já não o poderá fazer por outro país, ao contrário de muitas modalidades olímpicas onde os atletas podem mudar de país como quem muda de camisola.

Portugal abre as portas a todas as pessoas da CPLP e o problema é discutido da mesma forma. Como defensor dos países de língua portuguesa, acho que ninguém fez o trabalho de casa. Onde é que vão ficar a viver os largos milhares, há quem acredite que o número poderá chegar ao milhão rapidamente, a que serviços de saúde conseguirão ir, em que profissões serão úteis e sentir-se-ão bem, e por aí fora. Os jornalistas, e não me ponho de parte, como é óbvio, nunca leram tão pouco como agora. Ainda tento ler todos os jornais diariamente e ouvir os diferentes telejornais, mas acho que devia ver ainda mais, antes de escrever sobre determinadas matérias. Mas vejo cada vez mais jornalistas falarem de diferentes assuntos sem saberem o que já foi escrito e dito. Cada vez mais procuram os sound bites, as graçolas, os trocadilhos, há um que é o verdadeiro campeão, e pouco se importam com o resto. É o país dos diretos e dos pensamentos rápidos.

A propósito de pensamentos rápidos, vi dezenas de peças sobre a fiscalização da ASAE nas grandes superfícies, mas não vi nenhuma sobre os esquemas que muitos consumidores inventam para conseguirem produtos mais baratos, já não falando nos roubos. Até parece que os donos das grandes superfícies, dos maiores empregadores do país, são todos uma cambada de ladrões! Ah! E só agora é que acordaram para a diferença de preços entre as feiras e os supermercados? Genial.

Por fim, a lista da Comissão Independente que estudou os casos de abusos sexuais na Igreja. Como foi possível apresentarem o estudo com tantos mortos? Como foi possível entrarem em contradição tantas vezes? Não deviam ter estudado um pouco melhor e forçado a Igreja a fazer uma conferência de imprensa conjunta? Em que todos sabiam o que se estava a discutir e não havia culpas para ambos os lados? Qual a necessidade de terem feito conferências de imprensa separadas? Não estavam ambos interessados em combater o flagelo da pedofilia? Se a Igreja pagou o estudo, que razões teria para não aceitar estar ao lado dos autores do trabalho? Enfim, a gripe deve ter-me tornado mais azedo, devido aos vários chás de limão que bebi, apesar do mel.Para a semana teremos notícias mais felizes!

vitor.rainho@nascerdosol.pt