Igreja alemã aprova mudanças radicais

A Conferência Episcopal alemã aprovou o acesso das mulheres ao diaconado, a cerimónia de bênção para casais recasados e para homossexuais e, agora, vai ter de se entender com o Vaticano. Ninguém sabe como irá acabar esta história. Se em cisão ou em comunhão.

Falar, nesta altura, de Igreja Católica é o mesmo que colocar um membro dos Super Dragões com um sócio dos No Name Boys a discutirem as peripécias de um clássico entre o Benfica e o FC Porto. O melhor exemplo foi dado pela Igreja Católica alemã, que decidiu concluir o seu Caminho Sinodal, tendo aprovado a bênção para casais homossexuais e para casais recasados, o fim do celibato obrigatório para os padres, além do acesso ao diaconado por parte das mulheres.

Apesar da Conferência Episcopal Alemã garantir que não vai haver uma cisão com o Vaticano, certo é que nos próximos anos vão tentar impor algumas das decisões que agora foram aprovadas, como noticiou a Ecclesia. O que está em causa – e há questões como a hierarquia da Igreja e a ordenação das mulheres que ficaram de fora – terá de ter a aprovação do Vaticano, que só se pronunciará quando o Sínodo dos Bispos estiver terminado, em 2024. Até lá, assistiremos a uma guerra permanente com o Vaticano, que não quer ter uma Igreja que não respeita os princípios de Roma. 

«Eu subscrevo completamente as decisões tomadas pela Igreja alemã e não vai haver cisma nenhum», diz ao Nascer do SOL o padre Anselmo Borges. «O próprio presidente da Conferência Episcopal alemã já o garantiu e diz que tudo será feito de acordo com o o processo sinodal em curso nas Igrejas todas».  

Do outro lado da barricada estão os chamados de conservadores. «Estou muito curioso para saber o que vai fazer o Papa, pois é impossível que uma Igreja decida impor regras contrárias às que estão aprovados pelo Vaticano. Sinceramente não sei onde isto vai acabar». 

A mesma fonte acrescenta que o que poderá estar em causa «é uma diminuição brutal das receitas da Igreja alemã. Na Alemanha só é católico quem ao preencher a declaração de impostos declara que é católico. A partir desse momento desconta uma percentagem do seu ordenado e só assim poderá ter acesso a todos os serviços da Igreja alemã. Se deixar de pagar a contribuição nem se pode comungar». Dá ainda conta que no último ano a Igreja Católica alemã perdeu mais de 200 mil fiéis e que isso representa uma enormidade em termos financeiros. «Pensando que têm de abrir-se ao mundo, estão a fazer as mudanças que acham necessárias para não perderem esses católicos, mas a experiência diz-nos o contrário. Onde se foi atrás das modas acabou por se perder muitos mais fiéis».  Segundo a imprensa especializada europeia, os alemães descontam nove por cento dos seus ordenados para a religião que escolhem. São também o terceiro maior empregador do país, entre igrejas, escolas, hospitais e institutos, e muita dessa riqueza dá-lhes liberdade para pretenderem mudar as regras do jogo, segundo os conservadores.

As questões que o Caminho Sinodal da Igreja Católica da Alemanha aprovou estão a ser discutidas em todo o mundo católico, havendo quem defenda uma abertura total e outros que defendem que o que está na Bíblia não pode ser contrariado. 

Um dos exemplos aprovados pela Igreja alemã diz respeito às mulheres terem acesso ao diaconado – para simplificar, diga-se que é um pré-estágio para o presbítero, ou seja, chegarem a sacerdotes. 

«Isso é um disparate total, pois nunca a Igreja teve mulheres diáconas, apesar de estar na Bíblia, segundo S. Paulo, a verdade é que nunca houve mulheres a desempenharem essas funções. Só houve homens diáconos», defende um padre da capital.

Como seria de esperar, o padre Anselmo Borges faz uma leitura completamente diferente e relembra o que disse ao Nascer do SOL há pouco tempo: «Não é tolerável esta discriminação das mulheres. As mulheres têm de ter igualdade de direitos com os homens. Jesus tinha discípulos e discípulas. Foi Maria Madalena a primeira que teve aquela experiência avassaladora de fé de que o Jesus crucificado está vivo e lhe disse para o ir anunciar aos outros, de tal modo que ela é conhecida como a Apóstola dos Apóstolos».    

Já o fim do celibato obrigatório para todos os padres parece ser consensual, pois progressistas e conservadores concordam que na própria Igreja Católica já existem muitos casos, como os dos padres católicos do Leste europeu. Anselmo Borges recorda mais uma vez o que afirmou ao SOL: «Até o S. Pedro era casado, pelo menos tinha uma sogra. Depois, nas cartas mais tardias fala-se na necessidade de haver uma autoridade na Igreja e diz-se que o bispo seja casado e tenha dado o exemplo na educação dos filhos. Está lá claramente. Não se exige o celibato».  

Já se percebeu que a questão das mulheres é das mais fraturantes, assim como a questão dos casais recasados e dos homossexuais terem direito a receber a bênção. 

E é aí que muitos acreditam que está o perigo de haver uma cisão na Igreja Católica, pois não é tolerável para uns que a definição de pecado seja alterada ao sabor dos tempos. 

Ao Nascer do SOL,  o capelão de Sua Santidade, Duarte da Cunha, tinha avançado que «a Igreja diz que a prática da sexualidade é para ser feita entre homem e mulher dentro do casamento. Portanto, é tanto pecado um homem com homem como um homem com uma mulher fora do casamento. São pecados diferentes, mas são pecados. Pecados no sentido de que são coisas que são contrárias àquilo para que Deus nos fez, como Deus nos fez. Não são a forma como nos realizamos como pessoas, são coisas que no fim – o pecado não só ofende a Deus, de certeza, mas, porque Deus quer o nosso bem – pecar tem como consequência fazermos mal a nós mesmos. Por isso, a Igreja recebe toda a gente, mas pede a toda a gente que, com a graça de Deus, se esforcem, e cá estamos nós para nos ajudarmos, a viver um caminho que não nos faz seguir só os instintos, os apetites de cada momento. Isto não tem nada a ver com ser homossexual ou heterossexual. Tem a ver com o ser humano, ser uma pessoa que é capaz de viver a sua humanidade, em que a razão, a inteligência, a vontade são mais fortes do que os apetites, as pressões sociais, as modas, etc.». 

A Igreja alemã apenas destapou a panela da ebulição em que está o mundo católico. 

Nos próximos meses se verá se a Igreja alemã consegue manter-se nos cânones do Vaticano ou se fará uma Igreja própria, que não poderá usar o nome de católica, à semelhança da anglicana.

Os próprios alemães dizem que o seu trabalho não está finalizado e que precisam de mais encontros até chegarem à verdade. Isto para os próximos três anos. 

Já o Papa, que tem dado mostras de abertura, decidirá, se ainda estiver no cargo, em finais de 2024, qual o rumo que a Igreja Católica seguirá: se com padres casados e mulheres ordenadas, e com os recasados e homossexuais com os mesmos direitos dos católicos que vivem uma vida em comunhão e sem cometerem pecados.

«Tudo vai ser dialogado e vai chegar-se a uma conclusão de que ninguém pode ser excluído da vida católica», termina Anselmo Borges. 

Ver-se-á se é assim ou se os caminhos para chegar a Deus não irão separar os católicos.