Greves na escola: quem se trama é o mexilhão

Numa escola em que confiamos, que é um prolongamento de casa, onde temos uma relação próxima e afetuosa com todos, em que somos solidários com as condições que reivindicam, não podemos pelo menos ser avisados?

O filho de uma amiga andou toda a semana entusiasmadíssimo com a festa do Dia do Pai na escola. Não falava de outra coisa. Qual não foi o espanto da minha amiga quando, na véspera do grande dia, encontrou um pré-aviso de greve à porta da escola. Ainda por cima a creche é uma IPSS onde a mensalidade não é propriamente baixa. Tal como nessa escola, em muitas outras já havia um dia diferente preparado que agora ficou em suspenso. 

Sou solidária com as causas dos profissionais de educação, mas acho que já é demais. Esta é uma greve da Função Pública à qual os professores e educadores se juntaram e que vem no seguimento de tantas, tantas outras. Entristece-me como o protesto tem sido feito, durante meses a fio, com pouca consideração pelas crianças ou pelos pais, que são alheios a estas injustiças. E o que mais me choca é quando dizem que as greves são mesmo para perturbar e fazer mossa, para serem sentidas por todos, para nos transtornarem a vida, a nós que não fizemos mal a ninguém! Tem de haver outra forma de as pessoas se fazerem ouvir, de reivindicarem os direitos, de comunicarem de forma mais civilizada, em que não se prejudique intencionalmente inocentes para atingir os próprios fins. Não é com estes ideais que me identifico e não são estes os ideais que quero que sejam passados aos meus filhos pela escola ou pela sociedade. Na verdade, são precisamente os opostos!

Desconcerta-me também este secretismo, este efeito surpresa, esta malícia, as greves feitas quase com requintes de malvadez. Ainda me lembro quando há uns anos vi pela primeira vez um pré-aviso de greve à porta da escola de um dos meus filhos e na minha inocência perguntei à diretora o que é que aquilo queria dizer, se efetivamente havia ou não havia greve, e ela olhou para mim perplexa como se eu lhe tivesse feito uma pergunta absolutamente proibida.

As crianças tiveram uma escola péssima durante os últimos anos. Agora que nos conseguimos livrar finalmente da pandemia, não basta volta e meia ficarem sem aulas, ainda têm de ficar sem saber se terão escola ou não no dia seguinte. A previsibilidade, o compromisso, a confiança no outro, tudo isto me parece essencial e cai por terra com estas atitudes. Como se para os pais, muitos deles com vidas complicadíssimas, já não fosse suficientemente problemático terem de faltar ao trabalho ou arranjar alternativa para os filhos, ainda têm de esperar pelas 9 horas da manhã do próprio dia para planear a sua vida. Muitos nem sequer podem faltar ao trabalho, arriscam perder o emprego com faltas consecutivas, outros mesmo que quisessem não podiam fazer greves, e todos têm de pagar pela insatisfação dos outros quando eles não incomodam ninguém com a sua. É triste. É imoral. E o filho da minha amiga, e tantos outros que ansiavam pela festa do Dia do Pai, acordaram no próprio dia sem saber se se irá realizar.

Numa escola em que confiamos, que é um prolongamento de casa, onde temos uma relação próxima e afetuosa com todos, em que somos solidários com as condições que reivindicam, não podemos pelo menos ser avisados? Numa destas intermináveis greves, o marido dessa amiga perguntou à porta se a escola iria abrir no dia seguinte: ‘Não posso dizer’.

‘Não pode como?’. ‘Se estivesse aqui um polícia podia multar-me por dizer’. ‘Mas vê aqui algum polícia?’. ‘Não, mas podia estar’. Em que mundo vivemos? Onde ficam as ligações entre as pessoas, a solidariedade, a empatia, o bom senso, a razoabilidade, a racionalidade? Supostamente também não se pode dizer que as professoras dessa escola avisam sempre que fazem greve… mas pode-se dizer que isso sim, é um comportamento louvável e adequado de alguém próximo a quem confiamos durante o dia os nossos filhos. Devia ser esse o caminho e a mentalidade, de facilitarmos a vida aos outros, de ajudarmos se pudermos, até porque não são só os funcionários públicos que têm direito a estar insatisfeitos.