A animalização ocidental

Os animais transformaram-se numa das mais importantes indústrias emocionais no Ocidente.

por João Maurício Brás

Um cão no Ocidente tem a possibilidade de viver melhor, comer melhor, ter melhores cuidados de saúde e vidas mais dignas que biliões de seres humanos no planeta.

Relações sensatas com a natureza e com os animais deviam ser já um património básico do nosso comportamento. O animal é um companheiro fundamental do humano desde tempos imemoriais e já vivemos em outras eras numa coexistência harmoniosa e de benefício mútuo. Os animais eram tratados como tal e respeitados na sua natureza. Não é preciso recuar muitas décadas. O animal é uma companhia, um elemento de trabalho, mas também um alimento do humano e foi crucial para o nosso desenvolvimento, sem a proteína animal teríamos desaparecido ou seriamos uma amiba qualquer.

Nas últimas décadas com o aumento da solidão, o vazio emocional e atomização das sociedades contemporâneas, passamos, muitos de nós, a tratar melhor os animais que os humanos. Perdemos a esperança em nós mesmos e com motivos até justificados. Uma sociedade hiperliberal é muito dura.

Hoje há lares para cães idosos, coleção de roupas de modo primavera / verão e outono / inverno para animais, estatuto jurídico de elemento da família, luta radical contra o abate de animais e proibição destes em funções de entretenimento. Em muitos países ocidentais já há licença parental para cuidar de animais de estimação, levar ao médico, acompanhamento por doença, etc.. Podemos matar fetos, velhos e doentes, animais não. Os animais estão nas praias, nos restaurantes, nos transportes. Há psicólogas para cães, há manicures, cabeleireiros, astrólogos, e até há cães migrantes.

Abandonar um animal é mais grave que abandonar um humano.

Em 2019 os portugueses gastaram cerca de 500 milhões de euros em comida para cães e gatos domésticos, segundo dados da Associação Portuguesa de Comerciantes de Produtos para Animais de Companhia. Os direitos dos animais aumentam a par do seu valor mercantil. Existem cerca de 2.5 milhões de cães e, 1.5 milhões de gatos em Portugal nas habitações. Segundo os censos de 2021, Portugal tem menos 250 mil portugueses. Segundo a OCDE Portugal é dos países que mais abandona e mal trata os idosos. Em 2019 havia 330 mil crianças em risco de pobreza em Portugal.

Os animais transformaram-se numa das mais importantes indústrias emocionais no Ocidente. As Crianças preferem animais a irmãos, diz-nos um estudo da Universidade de Cambridge de 2017. Há pessoas que tratam os animais por ‘filho’ por ‘meu amor’ que podem mesmo odiar alguém por causa de uma animal. Facilmente argumentarão que os animais são mais limpos que os humanos e até melhores seres que estes. Os animais estão a substituir os humanos para muitos humanos.

 Em dezembro de 2022 a líder do PAN propôs no Parlamento o conceito de família multiespécie, mas os animais não são pessoas. A renovada antropomorfização dos animais resulta de causas dramáticas e já sem solução. As sociedades liberais são um fracasso existencial completo.

Uma nota que seria desnecessária numa sociedade sensata. É uma obrigação humana básica não infligir maus tratos aos animais, nem submetê-los a atos de crueldade ou a qualquer sofrimento desnecessário. Os animais não têm culpa da neurose de transferência de sentimentos humanos projetados nos animais, mas devemos pensar nas nossas prioridades e no tipo de laços que estabelecemos. Um animal é um animal, um humano é um humano.