Portugal e habitação: ausências de geopolítica!

Será a habitação carente de uma governação multinível que envolva Estado, municípios e organizações privadas? Terá terminado o tempo das cooperativas? E das associações locais de base territorial?

Os anúncios do Governo despertaram Portugal. Habitação é uma área de resistência irredutível de cada ser humano. A projeção intima do desenvolvimento da sua personalidade. Um direito fundamental, de dignidade e ponto de partida da geopolítica como referenciação a um território de indivíduos, comunidades e populações. Pressuposto de direito ao trabalho. 

Sem geopolítica, o oportunismo instala-se. Imigração ilegal, disparidade de custos, juros e rendas altas, falta de apoios à construção. Ditam-se medidas extravagantes como arrendamentos coercivos, controles de aumento de renda à moda antiga, proibição de licenças num mundo irreal de vãs promessas políticas onde os mercados ditam suas leis.
Em geopolítica, casas, solos ou cidades não são abstrações. E suas finalidades ou funcionalidades. Como ciência, explora os modos pelos quais os seres humanos são orientados e suas ações e entendimentos se enquadram em forças superiores. Acessos, mobilidades, ruas, parques ou monumentalidades são vistos como instrumentos da terra, tecnologias de organização das relações sociais e económicas de cada unidade, fogo ou habitação, criando ou inabilitando possibilidades, condicionando ou determinando largamente a configuração que as sociedades humanas adotarão.

Convida-se o leitor a uma reflexão. Afinal, uma casa é um produto de tecnologias. De fornecimento, designadamente, de energia, comunicações, água, gás, domótica e muitas outras nos materiais construtivos essenciais para a habitação. Dando este mercado suporte e alimento a estas tecnologias, porque razão estes setores não contribuem, através de fundos, quotas ou contribuições, a habitação nova ou reabilitada, minorando preços dos terrenos, licenças emitidas ou taxas de infraestruturas? Os fundos de investimento imobiliário na sua quotização de investimentos devem ser envolvidos nestas equações.

Para a geopolítica, o solo é um recurso essencial e deve estar ao serviço de uma finalidade de interesse geral. Uma casa em ruínas ou severamente degradada é uma insuficiência a ser extirpada. Uma desorganização política. Deve ser compensada através de organizações, sistemas de informação e registos de controlo consequentes a opções prévias de planeamento, ordenamento e financiamento territorial. Faltando estas, o território torna-se mercadoria, valor de troca flutuante, erodido ou valorizado consoante oscilações de mercado. 

O papel obsoleto dos planos diretores municipais, carentes de revisão e atualização orientada e dirigida há muitos anos e ao sabor de lógicas de investimento privadas, em regra, avulsas contribuiu para a decadência da habitação, enquanto direito fundamental e político. O sistema tornou-se geoeconómico, baseado numa oferta alavancada de construção, com empréstimos a baixos juros prestados pelo sistema financeiro global encapotando massas monetárias aviltadas e elevadas taxas de inflação futuras. Ausências de geopolítica! 

Será a habitação carente de uma governação multinível que envolva Estado, municípios e organizações privadas? Terá terminado o tempo das cooperativas? E das associações locais de base territorial? Recomendo uma leitura do papel fundamental de organizações privadas sem fim lucrativo com as Housing associations no Reino Unido ou Estados Unidos ou as associações locais arrendatários-proprietários, espécies de cooperativas territoriais locais-nacionais com as bostadsrattsforeningar na Suécia. Se alguma validade se retiram destas práticas geopolíticas, é a que qualquer intervenção do Estado na habitação sem apoio da sociedade e de dinâmicas locais de desenvolvimento está condenada ao insucesso.

E que dizer da equação turismo/habitação? Tornar o alojamento turístico, num país de turismo, um patinho feio da habitação é condenar a prazo o controlo político e desenvolvimento nos dois setores. Iníquo pelas contribuições impostas a só uma parte. O local. É injustiça distributiva com mais carga fiscal para alojamento local até nove unidades sem equivalente para os fundos imobiliário-turísticos e grupos económicos de cadeias hoteleiras ou aldeamentos turísticos.

A geopolítica propõe outras soluções. A distribuição consignada de receitas fiscais do turismo a favor de territórios locais para equipamentos de saúde, transportes, segurança e habitação. A obrigação dos promotores turísticos em investirem na reabilitação. Ou o enquadramento do alojamento local num sistema de informação fiscalmente valorizado de qualificação de habitação temporária nas cidades com requisitos de sustentabilidade.

A geopolítica não é uma arritmia ou tensão. É sim uma pauta que responsabiliza os políticos a fazer mais e melhor. E a consagrar o parâmetro constitucional de subordinação do poder económico ao poder político. A sua ausência constitui um grave problema para a sociedade. E sua habitação.