O mediático Almirante

Gouveia e Melo cometeu dois pecados capitais, cuja gravidade me impede de me poder vir a considerar ser por ele representado, num futuro que se prevê próximo.

Quando, há poucos meses, Gouveia e Melo foi nomeado Chefe do Estado-Maior da Armada, ficou no ar a ideia de que as suas aspirações em suceder ao actual inquilino de Belém teriam ficado comprometidas, atendendo a que a discrição do cargo que assumiu teria que implicar, necessariamente, um afastamento da exposição mediática a que, até então, esteve bastante exposto.

Puro engano!

O homem a quem o governo confiou a tarefa de dirigir o plano de vacinação obrigatória de toda a população, não tem perdido uma única oportunidade para continuar a aparecer em frente às câmaras de televisão, promovendo, assim, a sua imagem e permitindo-se, desse modo, manter-se no topo das sondagens que têm como alvo os chamados presidenciáveis.

Mesmo perante a adversidade, consegue tirar partido das agruras do momento e daí retirar vantagens promocionais.

Foi precisamente isso que pudemos presenciar com o triste episódio da recusa de metade da tripulação de uma fragata em embarcar para o cumprimento de uma missão de serviço.

O Almirante foi lesto em reagir, conforme lhe compete, deslocando-se pessoalmente ao navio em questão e repreendendo veemente os insubordinados que, para o efeito, se reuniram em formatura junto com os restantes  militares da guarnição.

A rapidez na tomada de uma decisão e a autoridade que demonstrou face a um acto intolerável de indisciplina, vieram-lhe somar, sem sombra de dúvidas, mais uns preciosos pontos na caminhada rumo à mais alta magistratura da Nação!

Para muitos, certamente, este exemplo de frontalidade serviu como uma tomada de consciência para a irreversibilidade de lhe conceder a necessária cruz no boletim de voto, quando, para esse peditório, forem chamados.

Para outros, não sei se tantos, mas nos quais me incluo, muito pelo contrário, se dúvidas ainda as tivesse quanto à ausência de atributos que o qualifiquem para o cargo que almeja, ficaram, definitivamente, dissipadas!

Gouveia e Melo cometeu dois pecados capitais, cuja gravidade me impede de me poder vir a considerar ser por ele representado, num futuro que se prevê próximo.

O primeiro, foi o circo que montou à volta da palestra que dirigiu aos militares revoltosos.

Permitiu-se fazê-la em frente à imprensa e com a populaça a assistir, quebrando, assim, uma regra de ouro no meio castrense, a de que se louva em público e repreende-se em privado.

Ficou a impressão de estarmos a testemunhar uma liça numa tropa de um qualquer país terceiro-mundista, e não um acto solene num Estado civilizado e moderno.

O argumento em que se refugiou, expondo-o em mais uma aparição televisiva, esta para se justificar da modalidade que escolheu para lidar com os insubordinados, o de que as suas palavras teriam que ter eco em toda a Marinha, prevenindo, dessa maneira, eventuais aventuras de âmbito semelhante, pecam por leviandade.

O Almirante Chefe do Estado-Maior tem à sua disposição os meios necessários para fazer chegar ao efectivo completo do qual é o primeiro responsável todas as suas directivas, sem que, para o efeito, se veja na contingência de ter público e imprensa a presenciar as suas palavras.

Admito, no entanto, que poderia ter razão ao optar por se dirigir à sua tropa nos termos em que o fez, caso tivesse ido mais longe e apontasse o dedo aos verdadeiros responsáveis pelo gesto de revolta dos seus homens.

Estes insubordinaram-se, e têm consciência de que terão de responder criminalmente pela atitude assumida, porque o poder político insiste em tornar a Marinha portuguesa inoperacional, suprimindo-a dos meios humanos e materiais fundamentais para o cumprimento das missões que lhe estão atribuídas.

Ou seja, aqueles militares denunciaram uma situação intolerável da qual toda a culpa deve ser imputada à tutela política, mas ao não arrastarem consigo os restantes camaradas de armas, constituíram-se nos autores de um motim e não num movimento reivindicativo de parte considerável de um ramo das Forças Armadas.

E aqui, o Almirante das vacinas cometeu o seu segundo pecado, o de ao recriminar os militares desobedientes perante uma assistência inusitada, não se ter, de imediato, comprometido a ser o porta-voz das suas legítimas queixas e dar a conhecer as inúmeras deficiências que põem em perigo a segurança física das tripulações das várias embarcações da Armada.

Acusava os seus homens da prática de um crime, pelo qual teriam que aceitar as consequências, mas, em simultâneo, punha a nu os verdadeiros culpados pelo acto desesperado em que aqueles se deixaram envolver, tomando, assim, as suas dores e, com esse corajoso gesto, ganho o seu respeito e consideração.

Mas, ao invés, acabou por desvalorizar as evidentes lacunas que levam os marinheiros a recear pela sua vida sempre que embarcam, desculpando, com essa atitude cobarde, os políticos que se têm entretido a destruir a Instituição Militar e deixando os seus subordinados sem defesa possível.

Gouveia e Melo mostrou que a exclusiva preocupação que o norteia é a sua imagem junto da opinião publicada, porque outros voos mais altos a isso o impelem, querendo, para o efeito, manter-se agradecido pelos favores com que foi presenteado pelos governantes que o catapultaram para as funções que desempenha.

E esta é a triste sina da nossa tropa nos dias que correm. Os oficiais generais  alcançam esse patamar por nomeação exclusiva do poder político, sem interferência dos seus pares, como outrora fora costume, e sabem que somente se encostando a esse poder podem vir a ser premiados com o mais alto posto da carreira que abraçaram e aí se manterem.

Por essa razão, perderam a coragem de enfrentar a tutela política a que estão subjugados.

Poucos oficiais generais ousaram partir a loiça e criticar abertamente os responsáveis civis de quem dependem, mas mesmo esses apenas se deram a esse trabalho quando já se encontravam de saída.

Longe vão os tempos em que verdadeiros generais punham em sentido ministros ignorantes e incompetentes. Hoje, os que lhes sucederam baixam a cabeça a qualquer badameco feito ministro!