Foi você que pediu um sindicato? É fácil fazer um…

Há sindicatos para todos os gostos e havia mesmo alguns que só tinham os membros como associados. Na PSP chegava a “parecer um campo de férias”, e há líderes noutros setores que se perpetuam no cargo, ao contrário de outros países onde tal não é possível.

Foi você que pediu um sindicato? É fácil fazer um…

Portugal é um verdadeiro paraíso sindicalista, havendo sindicatos para todos os gostos e feitios, com a agravante de alguns, apesar da fraca representatividade, conseguirem bloquear setores inteiros. O caso mais gritante tem sido protagonizado pela CP, onde os trabalhadores de diferentes setores da companhia conseguem paralisar por completo os comboios. Um dia fazem greve os revisores, noutro os funcionários das bilheteiras, depois os maquinistas e por aí fora. Resultado: comboios parados e o país virado do avesso, com filas intermináveis de trânsito e milhares de pessoas a faltarem ao trabalho ou a chegarem tarde. O Governo, no ano passado, teve de negociar com pelo menos 15 sindicatos afetos à CP, sendo noticiou a Lusa, o que revela bem a complexidade do problema.

Se há sindicatos que existem para defender os seus ‘associados’ outros há que apenas servem os interesses dos membros dessa organização. Vejamos o que se passava na PSP até o Governo decidir rever a lei sindical. Em 2017 havia 15 sindicatos e alguns representavam quase exclusivamente os seus membros. Paulo Rodrigues, que foi líder da ASPP, a maior associação sócio-profissional da PSP, contava então ao i que a ministra Maria Constança Dias Urbano de Sousa lhe revelou dados surpreendentes: “De acordo com a ex-MAI, houve 31 mil horas de polícias ausentes do serviço em trabalho sindical, o que acabou por ser em prejuízo dos próprios profissionais, porque há muitos a fazer turnos que não fariam se o elemento não tivesse metido o crédito sindical. E depois temos elementos a meter o crédito sindical no Natal, no dia da Páscoa, à noite…”, dizia então ao i, acrescentando: “Há tempos foi criado um sindicato que representa 20 pessoas e 19 são dirigentes – isto faz sentido?”. Não, não fazia e o Governo tratou, entretanto, de alterar a lei sindical da PSP, dando as regalias correspondentes à representatividade de cada sindicato. “Isto era quase um campo de férias para os elementos desses sindicatos”, sentencia fonte do Comando de Lisboa, que relembra que havia polícias que faziam parte de três sindicatos: um a nível nacional, outro regional e ainda o local. “Felizmente acabou-se com esse forrobodó”.

Mas este não é caso isolado. Só a CP tem 15 estruturas sindicais. A Carris é mais modesta e tem cinco, enquanto a aviação conta com nove e os casos vão-se multiplicando. Mas porquê esta diversidade? Ao i, um responsável ligado ao movimento sindical diz que “um sindicato é uma coisa muito simples de fazer” e acrescenta: “Basta junta meia dúzia de amigos e pode fazer um, já que não é obrigatório ter um número mínimo de sócios”. A partir daí, é só preciso fazer uma assembleia-geral constituinte”. No entanto, reconhece que isso é “das piores coisas que existe, no que diz respeito à lei sindical”, lembrando que logo a seguir ao 25 de Abril discutiu-se muito a questão se a lei iria permitir um sindicato por setor, mas prevaleceu a liberdade sindical.

Já quanto ao facto de os seus membros poderem ser dispensados do horário de trabalho refere que isso está previsto na contratação coletiva e geralmente está indexado ao número de sócios que cada sindicato tem na empresa. Já se for pela lei sindical é necessário respeitar o código de trabalho, uma vez que, define o número de dirigentes que podem estar dispensados da carga horária. Ainda assim, reconhece “que é um número irrisório e que a maioria dos sindicalistas são dispensados quando há reuniões. Mas isso é resultado da última revisão do código de trabalho em 2009, no Governo de José Sócrates, quando o ministro Vieira da Silva tinha a pasta do Trabalho”.

E, neste segundo caso, a lei prevê que o número máximo de delegados sindicais varia consoante o número de trabalhadores: uma empresa com menos de 50 trabalhadores sindicalizados está contabilizado um, entre 50 a 99 trabalhadores sindicalizados: dois, entre 100 a 199 trabalhadores sindicalizados: três; entre 200 a 499 trabalhadores sindicalizados: seis, já a partir daí é aplicada uma fórmula.

A legislação também prevê que, para o exercício das suas funções, o membro de direção de associação sindical tem direito a crédito de horas correspondente a quatro dias de trabalho por mês e a faltas justificadas até ao limite de 33 por ano. E diz ainda que o trabalhador que seja membro de direção de mais de uma associação sindical não tem direito a cumulação de crédito de horas.

A mesma fonte ligada à estrutura sindical diz que também é por isso que “alguns secretários-gerais se eternizam no poder”.

Portugueses cada vez mais desligados De acordo com o boletim estatístico do Gabinete de Estratégia e Planeamento, do Ministério do Trabalho, publicado em dezembro de 2022, atualmente, apenas 7,6% dos trabalhadores em Portugal estão filiados em algum sindicato. As empresas maiores – com mais de 250 pessoas –, concentram a esmagadora maioria dos sindicalizados, com um total de 71%. Já as atividades financeiras e de seguros são aquelas em que os funcionários mais procuram representação na defesa dos seus direitos. Além disso, a representação de trabalhadores sindicalizados tem diminuído nos últimos anos: em 2010, tinham um peso de 10,6%. Em 2019, a taxa de sindicalização fixou o mínimo de 7,2%.

Tal como descreve o boletim, segundo o estudo ‘A evolução da representação de interesses sociais na última década em Portugal’, da autoria do professor e investigador do ISCTE, Paulo Marques Alves, na última década acentuou-se “a crise de representação dos interesses sociais”. Se do lado patronal a filiação associativa das empresas sempre foi baixa, do lado sindical verificou-se a continuação do recuo da taxa de sindicalização, principal indicador da crise do sindicalismo, a qual passou de 19,6% em 2010 para 15,3% em 2016 (derradeiro ano para o qual existem dados). Este último valor representa um decréscimo de 45,5 pontos percentuais face a 1978. “Estamos perante um dos decréscimos mais acentuados a nível mundial”, lê-se no documento.

De acordo com o especialista, o sistema sindical português – assim como o associativismo patronal – é “extremamente fragmentado”, tendo-se assistido na última década ao seu acentuar, a par do recuo da taxa de sindicalização. “Certamente que atualmente serão mais do que 300 sindicatos em Portugal, a que acrescerão as organizações de segundo nível (federações setoriais e uniões territoriais) e as de terceiro nível (confederações, que atualmente serão 5)”, explica o investigador ao i, acrescentando que é possível que o número tenha subido desde o ano para o qual apresenta os dados no texto, pois “tem-se verificado a constituição de novos sindicatos e não tem havido extinções”.

Interrogado sobre o poder destes grupos, Paulo Marques Alves, esclarece que os sindicatos possuem “vários recursos de poder”. “Eles têm vindo a ser erodidos desde a década de 70 do século passado. Hoje a força sindical que resta está muito restringida à administração pública e às empresas públicas, embora historicamente essa também seja uma tendência”, aponta. “Nos últimos tempos temos assistido a um crescendo da atividade sindical e dos conflitos de trabalho, pois há inúmeros problemas que continuam por resolver”, frisa.

Num outro artigo, apelidado ‘Sindicalismo: um passado portador de futuro’, Paulo Marques Alves, escreve que a crise do sindicalismo também tem muito de endógeno ao movimento sindical. Ou seja, “existem fatores relativos ao modo como os sindicatos se organizam e às suas políticas que contribuem para a sua existência, os quais se fazem sentir com mais acuidade em

alguns países”.

Tal como na França. “Vários trabalhos do autor francês Labbé partem do questionamento das razões que estão na base de uma hemorragia de efetivos que não tem paralelo na Europa, isto apesar da submissão do movimento sindical francês às mesmas forças económicas e a semelhantes mudanças sociais e culturais e até atendendo a que não conheceu uma evolução tão desfavorável do quadro legal que regula a ação sindical, como a que ocorreu nos países anglo-saxónicos”, lê-se no artigo.

“Coloca o acento tónico no domínio organizativo, em particular em dois aspetos, o abandono do que apelidam de “sindicalismo à francesa” e a politização sindical”: “O deixar de cobrar as quotas, o ninguém atender o telefone ou abrir a porta na sede local do sindicato ou a desativação de estruturas sindicais nas empresas, o que provoca um sentimento de desamparo junto dos trabalhadores, são expressões do abandono de um sindicalismo de base que se alicerçava numa rede de militantes benévolos eleitos nos locais de trabalho, em detrimento do aprofundamento da centralização, da burocratização e da oligarquização das organizações”, explica o autor.

Por estas razões, os sindicatos passaram a confundir-se com uma “elite gestionária” composta por um pequeno grupo de permanentes, que reforçam o seu poder, a cujo estatuto se acede por cooptação e que mantém relações de distanciamento com os trabalhadores, enfatizando os mecanismos de representação”.

Apesar disso, frisa o artigo, existem outras causas internas que levaram ao afastamento dos trabalhadores dos sindicatos em França ou noutras sociedades.

“Entre elas conta-se um profundo défice de capacidade de adaptação e de inovação dos sindicatos e dos seus dirigentes”, defende o texto.

Contudo, de acordo com o investigador, alguns dos sindicatos, que têm sido criados em Portugal, adotam regras estatutárias inovadoras, como, por exemplo, a limitação de mandatos dos corpos sociais, mas são poucos os que o fazem. “Ao contrário de alguns sistemas sindicais, como o austríaco, que são bastante concentrados, o português é bastante fragmentado e o nível de filiação dos sindicatos nas confederações sindicais é baixo, ainda que a maioria dos trabalhadores sindicalizados pertença a sindicatos que estão filiados em confederações”, explicou, comparando.

Aqui, para que um sindicato seja considerado válido, não existe um número mínimo de sócios, ao contrário do que sucede em alguns países, como a Austrália. “Um grupo de trabalhadores convoca uma assembleia constituinte, debatem-se os estatutos e outros documentos relevantes e procede-se ao registo no Ministério”, revelou, acrescentando que os estatutos são depois publicados no BTE – Boletim do Trabalho e Emprego.

Questionado sobre as regalias que lhes podem ser inerentes em alguns setores, Paulo Machado Alves, garante que os sindicatos e os militantes sindicais não têm as têm. “Têm direitos, que lhes são conferidos pela Constituição da República Portuguesa, pelo Código do Trabalho e pelas convenções coletivas de trabalho”, afirma.

*Com Vítor Rainho