PJ pede a Pedro Strecht mais informações sobre alegados abusadores

Ministério Público alega que informações constantes do relatório da Comissão Independente, em relação a alguns dos casos ainda não arquivados, são insuficientes para viabilizar procedimentos criminais.

Felícia Cabrita com Vítor Rainho

O pedopsiquiatra Pedro Strecht foi chamado ao departamento central da Polícia Judiciária, em Lisboa, que está a reunir as denúncias de abusos sexuais na Igreja: ou entrega mais elementos sobre os casos denunciados ou os inquéritos serão arquivados. Trata-se de denúncias que, segundo informação oficial da própria Procuradoria-Geral da República, têm «informação demasiado vaga» para se poder fazer qualquer investigação.

Após a Comissão Independente (CI) liderada por Pedro Strecht ter alardeado que os mais de cem nomes de sacerdotes, ou leigos ligados à Igreja, estão ainda no ativo, na PJ começa a sentir-se algum incómodo: «Após o alvoroço público que estas declarações provocaram, as pessoas ficaram com a noção de que o relatório da CI servia para ajudar a Justiça quando não passa de um mero estudo sociológico», diz fonte policial ao Nascer do SOL.

A mesma fonte adianta: «Os casos que nos chegaram, para além de não terem os nomes das alegadas vítimas, são muito pouco claros em relação aos abusos que terão sido praticados. Temos aqui dois grandes problemas: a CI, em termos jurídicos, não soube tipificar os crimes e as declarações que temos são muito vagas nesta matéria; depois, houve uma falha terrível no inquérito online. Parece que partiram do princípio que as vítimas não queriam falar e não colocaram qualquer opção para que elas se identificassem, se o desejassem. Nunca se sabe se, entre tantas pessoas, não haveria quem quisesse dar o nome. O que complica tudo porque, sem vítima identificada e com tão poucos pormenores sobre o crime, é muito difícil isto ter pés para andar».

Aliás, a triagem feita pela PGR, em meados de fevereiro, já indiciava um longo e tortuoso destino para as denúncias recebidas.

Dos 25 casos denunciados pela CI, com base na seleção feita por Álvaro Laborinho Lúcio, ex-ministro da Justiça, e por haver a hipótese de os crimes ainda não estarem prescritos, apenas seis estão a ser investigados.

E as explicações adiantadas pela PGR não são diferentes das que têm sido apresentadas pelos dioceses: um dos casos foi arquivado porque um dos alegados abusadores já faleceu, dois por não terem sido apuradas quaisquer situações de abuso sexual, outros porque já foram julgados, nestas situações até mesmo por não ter sido apurada qualquer situação de abuso sexual.

Já a tão badalada lista dos cem padres e leigos ligados à igreja não esta sujeita a procedimento judicial, uma vez que se reporta a casos cujos crimes, a existirem, já estâo prescritos. Apesar de terem deixado o país à toa, têm apenas um valor histórico.

A somar a estes dados juntam-se os que a Comissão de Proteção de Menores e Pessoas Vulneráveis do Patriarcado de Lisboa fez também chegar à PGR: quatro denúncias que deram origem a sete inquéritos. Destes, apenas dois estão em andamento. Os restantes foram arquivados pelas mesmas razões descritas em cima: cujo conteúdo é idêntico com quatro denúncia que deram origem a sete inquéritos. Apenas dois deles estão em andamento. Os restantes foram arquivados pelas mesmas razões já descritas; os alegados abusadores já faleceram, noutros casos os crimes estão prescritos e noutros não há  factos que se possa considerar crime.

 

Vem ai mais uma lista

O Nascer do SOL apurou, entretanto, que a Comissão Independente está a finalizar os seus trabalhos e vai entregar no inicio da semana que vem mais uma lista de alegados abusadores sexuais: trata-se de religiosos pertencentes a diversas congregações que também estão sujeitas ao direito canónico.

Segundo Pedro Strecht, em relação a estes «podem vir a dar mais processos canónicos mas não penais».

 

Cardeal-patriarca recorre às diretrizes do Papa

Esta semana ficou marcada pelo anúncio do cardeal-patriarca de Lisboa do afastamento de quatro sacerdotes, a pedido da Comissão Diocesana, embora D. Manuel Clemente pudesse ter tomado essa decisão com base nas diretrizes do Papa sobre a Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis, que entrou em vigor em 2021, anulando as diretrizes de 2012. E aqui convém mais uma vez explicar que há uma grande diferença entre ‘suspensão’ e ‘afastamento’. No primeiro caso, só o Vaticano o pode determinar, já no segundo, qualquer bispo o pode fazer. E não foi ao acaso que o comunicado do Patriarcado de Lisboa escolheu as palavras. «O Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, determinou o afastamento preventivo, também designado como proibição do exercício público do ministério, de quatro sacerdotes no ativo, recomendado pela Comissão Diocesana».

Já as diretrizes do Papa dizem o seguinte: «Antes de mais nada, diga-se que uma medida cautelar não é uma pena (as penas só se impõem no final de um processo penal), mas um ato administrativo, cujos objetivos são descritos pelos citados cân. 1722 CIC e 1473 CCEO. O aspeto não penal da medida deve ser bem esclarecido ao interessado, para evitar que ele pense ter sido julgado ou punido antes do tempo. Além disso, há que se destacar que as medidas cautelares devem ser revogadas se o motivo que as sugeriu se extinguir, e cessam quando terminar o possível processo penal. Além do mais, podem ser modificadas (agravando-as ou atenuando-as), se as circunstâncias o exigirem. Entretanto, recomenda-se particular prudência e discernimento ao julgar a extinção do motivo que sugeriu as medidas; e não se exclui que as mesmas – uma vez revogadas – possam ser novamente impostas».

As diretrizes são ainda muito claras quanto ao uso da palavra ‘suspensão’, que tanta dor de cabeça deu a D. Manuel Clemente: «Observa-se frequentemente que ainda está em uso a antiga terminologia da suspensão a divinis para indicar a proibição de exercer o ministério, imposta como medida cautelar a um clérigo. É bom evitar tal designação, bem como a de suspensão ad cautelam, porque na legislação em vigor a suspensão é uma pena e, nesta fase, ainda não pode ser imposta. A forma correta para designar tal disposição será, por exemplo, afastamento ou proibição de exercício do ministério».

E  foi por isso que o comunicado do Patriarcado deixou claro: «Sublinha-se que não existe uma acusação formal a nenhum destes sacerdotes que, contudo, ficam assim afastados do exercício público do seu ministério, enquanto decorrem todas as diligências dos seus processos». D. Manuel Clemente deixou ainda claro que «os sacerdotes solicitaram a rápida busca da verdade e da justiça, abrindo-se agora a investigação prévia de cada um dos casos, que posteriormente será enviada ao Dicastério para a Doutrina da Fé».

As diretrizes do Vaticano em vigor determinam que se aceite como verosímil  tudo «aquilo que não pareça impossível de ter acontecido». Isto é: qualquer denúncia, mesmo anónima, tem de ser investigada para que não restem dúvidas da culpabilidade ou da inocência dos acusados. Por esse facto, o afastamento temporário de padres obedece a quatro regras fundamentais: 1.º Para proteção dos menores, não vá o acusado cometer eventualmente outros crimes. 2.º Proteção do próprio suspeito, já que uma população enfurecida pode querer fazer justiça pelas próprias mãos. 3.º Preservação do meio de provas, pois se o sacerdote continuasse no ativo podia fazer desaparecer documentos que o comprometessem. 4.º Evitar o escândalo, para defender a liberdade das testemunhas e garantir o curso da justiça, e porque a opinião pública, que está muito sensível, pode pensar que a Igreja está a ser cúmplice.

Assim, quando o processo de averiguações estiver concluído será enviado para o Vaticano, onde uma equipa de especialistas decidirá que pena será aplicada ao acusado. Se o afastamento se o regresso aos seus trabalhos. Tudo o que fez o Patriarcado e outras dioceses, de afastarem padres suspeitos, terá uma conclusão em Roma, já que só o Vaticano tem poderes para afastar padres.

 

Número 2 do Papa em Fátima

Numa altura em que a Igreja Católica portuguesa está nas bocas do mundo, o Vaticano emite um  sinal claro de que não entra em «julgamentos populares», como refere fonte eclesiástica: ao enviar o seu secretário de Estado, Pietro Parolin, para presidir à Peregrinação Aniversária Internacional, nas cerimónias do 13 de maio, em Fátima. Se aproveitará a sua vinda a Portugal para debater a questão dos abusos sexuais, ainda é uma incógnita, mas a sua presença no país, não deixa de ser emblemática, em ano de Jornada Mundial da Juventude, que ocorrerá de 1 a 6 de agosto, em Lisboa, Loures e Oeiras.