Não lhes tirem o teto, não nos tirem o chão

É hora de agir e no que de nós, município, depende, temos vindo não só a comprar terrenos com capacidade construtiva, inseridos no perímetro urbano, como também aprovámos uma consulta ao mercado para aquisição de fogos já construídos.

por Carlos Carreiras

Já aqui escrevi que os vários governos descuraram o cumprimento do direito constitucional a uma habitação condigna, consignado na Constituição da República Portuguesa (CRP) de 1976. Na verdade, em 47 anos, só o Governo liderado por Aníbal Cavaco Silva aprovou um pacote, o Programa Especial de Realojamento (PER), para a resolução do grave problema da Habitação, com especial incidência nas duas áreas metropolitanas, e ainda assim demorou mais de 10 anos a estar concluído. Agora, trinta anos depois, voltamos a ter uma oportunidade com o ‘Mais Habitação’ do Governo liderado por António Costa. Ambos os pacotes correram ao ritmo da disponibilidade de fundos europeus.

A dimensão do problema da falta de habitação tem fortes impactos sociais, económicos e ambientais na vida dos cidadãos, razão pela qual decidimos em Cascais desenvolver um estudo fundamentado sobre ‘Quanto custa não ter casa’, solicitado ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Quanto custa ter casa é fácil de calcular, mas não ter é muito mais caro, porque acabámos de pagar com falta de desenvolvimento, com impacto nos custos com saúde e educação, em resumo, com falta de condições de vida.

Assim, é de saudar a oportunidade de afetação de meios financeiros avultados pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e a decisão do Governo de avançar com propostas para resolver este problema.

Não podemos perder esta oportunidade.

Como presidente de Câmara de um Concelho da Área Metropolitana de Lisboa, nunca senti como agora a gravidade deste problema tal como todos os meus outros colegas metropolitanos certamente. Dia após dia, somos confrontados com situações extremas de forte impacto social e sentimo-nos impotentes em apresentar soluções para problemas reais de pessoas e famílias concretas.

As diversas crises que se têm acumulado e perpetuado só acentuam as dificuldades, com os baixos rendimentos que Portugal verifica, com o aumento de custos por via da inflação e com o défice de terrenos que os municípios dispõem. O problema tem-se tornado explosivo e promotor de uma forte degradação e desagregação social.

Se a tudo isto juntarmos o facto de termos desenvolvido uma estratégia de contenção dos perímetros urbanos e de redução de licenciamentos para construção habitacional e, em simultâneo, de nos confrontarmos com a complexidade e demora de desenvolver procedimentos legais, não nos podemos permitir a perder mais tempo com discussões que muitas vezes são tão fúteis como ineficazes para a sua resolução.

Daí a razão do título, da desunião que começa a evidenciar-se entre os vários níveis de poder, não é admissível que este barulho tire teto a quem precisa e nos tire, ao poder autárquico, o chão para que possamos contribuir para a resolução de um problema grave.

É hora de agir e no que de nós, município, depende, temos vindo não só a comprar terrenos com capacidade construtiva, inseridos no perímetro urbano, como também aprovámos uma consulta ao mercado para aquisição de fogos já construídos.

Para a urgência das ações torna-se urgente e absolutamente necessário seguir uma linha estratégica que passa por legislar, que passa por considerar o sector público, privado, cooperativo e social, ao fim e ao cabo, não legislar contra ninguém para não promover estropias. Para tal temos de abandonar qualquer complexo ideológico, não priorizar taticismo e muito mesmo aplicar truques.

Também se torna necessário não criar climas de conflitualidades legais, sejam elas constitucionais ou judiciais, que só irão atrasar mais a resolução do problema. Não podemos criar ilusões que irão resultar em desilusões e perda de esperança num futuro melhor. Temos de operacionalizar de forma simples as ações a desenvolver, não podendo passar por atacar o necessário desenvolvimento económico do país, porque só assim se cria cadeias de valor e com elas riqueza, promovendo postos de trabalho e uma redistribuição justa pelos mais vulneráveis, consolidando de forma efetiva a necessária coesão social.

Fica aqui o contributo para que os diplomas em discussão na Assembleia da República sejam analisados e avaliados de forma célere.

Eu acredito que por maior que sejam os obstáculos, a nossa vontade e capacidade têm de os ultrapassar e criar condições positivas para o desenvolvimento de todos nós, enquanto comunidade ativa e consciente do momento histórico que vivemos.

Passemos à ação, porque cada vez mais há cidadãos em grande sofrimento e desesperança.