Posfácio

Nem aliados eternos, nem inimigos perpétuos

Que melhor forma de enfrentar a realidade da ascensão das potências asiáticas do que assistir a este folclore de visitas com sentido inverso?

Nem aliados eternos, nem inimigos perpétuos

por Francisco Gonçalves

Depois de, no artigo anterior, ter escrito sobre a necessidade dos ocidentais saberem abordar, com naturalidade, a crescente influência das potências asiáticas no sistema internacional (sobretudo da China), eis que, na mesma semana, o presidente da China visita Moscovo e o primeiro-ministro do Japão visita Kiev.

Que melhor forma de enfrentar a realidade da ascensão das potências asiáticas do que assistir a este folclore de visitas com sentido inverso? No passado eram de ocidentais em direção à Ásia, agora são de asiáticos em direção à Europa. Não é um mundo ao contrário, é a dinâmica do sistema internacional em todo o seu esplendor.

China e Rússia estão condicionados a ser aliados de ocasião: perante a necessidade comum de quebrar o ascendente norte-americano que, sentem, lhes condiciona a ação, entendem ser esta a alternativa óbvia.

O Japão, que desde o final da II Guerra tem uma política externa sobretudo defensiva, é o aliado preferencial dos EUA na Ásia. Perante o crescimento do vizinho chinês (neste caso, leia-se das suas capacidades militares), o Japão está a alterar a forma como aborda a sua política de defesa – em forte proximidade com os EUA.

A estratégia norte-americana é conhecida: perante o crescimento de um (mais que provável) adversário, forja uma teia de alianças destinada à sua contenção. Não por acaso, na recente reunião da Aukus (a tríplice aliança entre EUA, Reino Unido e Austrália para a região do Indo-Pacífico), foram anunciados os novos submarinos nucleares, que garantirão a segurança no Pacífico.

Estas visitas, e estes anúncios conjuntos, são elementos de uma coreografia que denuncia os alinhamentos para uma reorganização sistémica aprofundada. Curiosamente, com um país europeu como teatro de uma outra ‘guerra por procuração’.

Esse novo sistema internacional está já à vista quando, sob o patrocínio da China, a Arábia Saudita e o Irão anunciam o retomar das suas relações diplomáticas. É este envolvimento chinês fora da sua região, particularmente em questões de segurança e defesa (matérias nas quais escolhia ficar de fora), que demonstra que há vontade de assumir a condição de potência global e influenciar a organização do sistema.

Todavia, conter a China será um desafio diferente do que foi a contenção da URSS, durante a Guerra Fria. Quer pela sua integração no comércio internacional, quer porque, politicamente, não estarmos perante um ator agressivo na exportação de um modelo político, é difícil ‘vender’ a China como um perigo para a generalidade dos Estados.

Para o mundo dito ‘em desenvolvimento’ a transformação económica e social chinesa é, aliás, um motivo de especial interesse e admiração, que os faz olhar a China como um parceiro benigno, o qual, de acordo com a história recente, é ‘um deles’.

Neste quadro, a grande dificuldade da equação do novo sistema internacional reside em saber como poderá sobreviver a globalização económica, leia-se como poderá o mundo manter-se aberto e cosmopolita, perante os novos alinhamentos políticos e o recrudescimento de tensões militares.

O fechamento do sistema internacional nunca é boa novidade para os povos.

Portugal tem sido historicamente exímio no estabelecimento de pontes, importa que se mantenha capaz de perceber estas alterações sistémicas, sabendo que os Estados não têm ‘aliados eternos, nem inimigos perpétuos’.

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