O ano perdido segundo Marcelo

A insólita atitude da política Luísa Salgueiro também é um exemplo da degradação crescente do nosso sistema democrático

O ano de 2022 foi um ano perdido pelo Governo afirmou o Sr. Presidente da República na última entrevista que concedeu à comunicação social. 

Não sr. Professor. O ano de 2022 não foi só um ano perdido. O ano de 2022 foi mais um ano perdido de um extenso período, iniciado em 2015, que, nalguns casos com a sua cumplicidade e noutros com a sua passividade, atirou a economia portuguesa para os lugares de fundo das democracias liberais europeias. 

Podemos sempre olhar (como o Sr. Presidente tanto gosta de lembrar!) para o copo meio cheio ou para o copo meio vazio. Mas qualquer que seja o nosso ângulo de visão, só podemos concluir por uma verdade insofismável: o completo falhanço da governação de António Costa, a partir de 2015. 

É certo que, em 2015, tínhamos as finanças públicas mais degradadas (o deficit orçamental era maior e a relação da dívida pública com o PIB também) mas esse ano foi o ano de saída do espartano plano imposto pela troika, que foi chamada para salvar o país da bancarrota. 

Mas também é o ano dos juros a dois dígitos, que contrastam com a, no mínimo discutível, política de juros negativos e liquidez sem limite, que o BCE serviu à gula dos governantes sem competência e sem estratégia. 

Infelizmente este autêntico ‘bodo aos pobres’ associado a transferências de fundos europeus de valor incalculável, só serviu em Portugal, e mesmo assim com o complemento de cativações orçamentais inexplicáveis e diminuição brutal do investimento público, para apresentar as chamadas ‘contas certas’ que a esquerda sistematicamente atirava à cara da direita como o supremo mal. 

Não é pois de espantar que durante este já longo período de ‘costismo’ e ao contrário do que sucedeu noutras paragens, com semelhante índice de desenvolvimento, Portugal tenha baixado em todos os rankings de desenvolvimento, seja através da medição do PIB per capita, da produtividade da economia, dos índices de pobreza, do enfraquecimento da classe média, do peso dos salários no rendimento nacional e da confiança dos portugueses com o futuro. 

Portugal tem sido sistematicamente ultrapassado por todos os nossos concorrentes diretos e na verdade, a não ser num ou noutro índice mais específico (o turismo, sempre o turismo), só já temos atrás de nós a Grécia e a Letónia. 
E tudo isto apesar de mantermos uma das cargas fiscais mais elevadas da Europa (suportada pelos suspeitos do costume) que ainda é mais grave se em vez do conceito ‘carga fiscal’ usarmos o índice ‘esforço fiscal’ que leva em conta os rendimentos reais dos portugueses. 

Onde reside, assim, o mérito da governação dos últimos sete anos? Sendo certo que em 2015, o crescimento foi de 1,5% enquanto em 2022 foi de 6% (quais as bases de partida?) e o desemprego foi em 2015 de 12,4% e agora está em 6,7% (2015 é o ano de saída do programa de ajustamento financeiro) também é verdade que o saldo da balança comercial era positivo no montante de 1,4 milhões de euros (0,5% do PIB) e hoje é negativo em 2,1 milhões de euros (1,7% do PIB) isto apesar do aumento brutal das receitas do turismo. 

Recentemente alguém perguntava, muito apropriadamente “O que é que podemos associar à longa governação de Costa” ? A reposta só pode ser: estagnação, reversões sem sentido e disparatadas, degradação global dos serviços públicos, paralisação do elevador social e, em especial, total ausência de um desígnio nacional e de um qualquer sentido estratégico para o futuro. 

Ora o Sr. Presidente da República sabe isto tudo e, por isso, está em condições e tem o dever de alertar os seus concidadãos para a situação. 

Não podendo, neste contexto, lembrar todas as situações ainda não esclarecidas (TAP, Hospital Militar, Transtejo, etc.) convém lembrar mais uma vez que o PR ainda não informou, como prometera, sobre as vantagens para o país que resultaram da reversão do horário de trabalho para as 35 horas e, sobre o aumento da despesa e a degradação dos serviços públicos (em especial na área da saúde) resultantes dessa medida. 

Como é natural e salutar as promessas de um Presidente da República são para respeitar e para cumprir. Aguardemos portanto. 

Fica, assim, claro que não foi só o ano de 2022 que foi um ano perdido para o país, porque o verdadeiro problema reside, afinal, na degradação política e social verificada durante a longa governação da responsabilidade de António Costa. 

Uma nota final sobre a intervenção recente do ex Presidente Cavaco Silva, num colóquio sobre a proposta de política de habitação apresentada pelo primeiro-ministro. 

Independentemente do juízo que cada um possa fazer sobre a qualidade e oportunidade da intervenção, que é correta sobretudo quando identifica a falta de credibilidade do executivo para cumprir compromissos, é totalmente inaceitável o comportamento da Presidente da Associação Nacional de Municípios. 

A democracia tem regras, que aparentemente a senhora desconhece ou não pratica, e os políticos com responsabilidade não podem transformar-se em meros funcionários das estruturas partidárias, com o único objetivo de agradar ao chefe de turno. 

A insólita atitude da política Luísa Salgueiro também é um exemplo da degradação crescente do nosso sistema democrático, matéria que deve ser também objeto da análise e da preocupação do Chefe de Estado.