De cem em cem!

 Eu não sou historiador, mas verifico que de cem em cem anos há um problema das autoridades com a Igreja Católica. 

Descia eu a Rua Augusta, em Lisboa, com um amigo que me costuma acompanhar, argentino de nascença e a estudar em Portugal, e ele mostrava-me como Lisboa é linda. Como é bonita: «As fachadas dos prédios e as varandas, são lindas!». 

Este rapaz, de vinte e quatro anos, vive apaixonado pela nossa cidade. Eu explicava-lhe que Lisboa tinha sido construída depois do terramoto de 1755 pelo Marquês de Pombal, que quis fazer uma cidade moderna – naquele tempo – com uma esquadria absolutamente elementar e inovadora. E assim foi! Lisboa é hoje uma peça única na Europa, com um rio lindíssimo a seus pés, com pequenos bairros de ruas estreitas à sua volta.

Na altura em que lhe explicava o mapa da cidade de Lisboa fiz-lhe uma pergunta que o padre João Seabra costumava fazer: «Se começares no Rio Tejo, seguires pelas ruas principais – Rua Augusta, do Ouro ou da Prata, seguires pelo Rossio e os Restauradores; se subires a Avenida da Liberdade, a Fontes Pereira de Melo e a Avenida da República, até à Segunda Circular, há uma coisa que não vais encontrar! O que é?».

O meu amigo, ficou intrigado com a pergunta e fazia-me várias possibilidades de resposta, mas errou em todas. Então, para eu fazer uma boa figura, enchi o peito e disse-lhe: «Uma igreja!». Quer nas vias delineadas na Baixa Pombalina, quer nas Avenidas Novas, não conseguimos, nunca encontrar uma igreja que apareça, porque o grande objetivo em Lisboa era relegar a Igreja para o domínio do privado e retirá-la, como refere a doutrina iluminista, da esfera pública. 

Ele ficou espantado e começou a perceber por que todas as igrejas estão voltadas para ruas secundárias, como é o caso da Igreja de São Nicolau ou da Vitória, ou o caso da Igreja de São José ou mesmo do Sagrado Coração de Jesus, e, ainda, o caso da Igreja de São Domingos, que, estando numa praça pública, se encontra escondida atrás dos prédios.

Aliás, vergonhosamente, há vinte anos metemos lá um memorial a dizer que andámos a matar judeus, pela qual os católicos pagaram mais de vinte mil euros naquele tempo. Digo vergonhosamente, não porque não seja verdade, mas porque me parece que devemos meter marcos e memoriais a lembrar as alianças e o amor entre os povos e não tanto o marco dos momentos em que andámos à porrada!

Este meu amigo estava encantado com toda esta história. Eu não sou historiador, mas verifico que de cem em cem anos há um problema das autoridades com a Igreja Católica. Talvez porque sejamos uma comunidade estranha… não sei, não faço a mínima ideia…

De facto, a Baixa Pombalina foi delineada por um Marquês – de Pombal – que teve como grande mérito o de, em meados do século XVIII, expulsar os Jesuítas do país… esses malandros que andavam a ensinar as ciências e a instruir o país e os portugueses… Depois, mais tarde, no século XIX, em 1834, os liberais lembraram-se de expulsar do país os malandros de todos os religiosos que estavam a importunar a vida portuguesa e que tinham muitos edifícios – ‘dinheirinho’ – que eram essenciais para fazer hospitais e sedes da Polícia e da Guarda Republicana. Que saiam esses malandros do país, que só sabem tratar dos doentes psiquiátricos – como é o caso dos Irmãos de São João de Deus (que chegaram a estar um ano no Coleginho que está sob a minha posse) – ou dos cegos – como é o caso das Irmãs da Rua do Século, em Lisboa.

Quase cem anos depois, em 1910, com a Instauração da República, houve uma sublevação do Governo Republicano contra a Igreja Católica que veio a tomar posse de todos os edifícios da Igreja Católica. Quem nos livrou algum património foram os pobres leigos… porque muitos queriam matar até os padres. Ainda hoje a casa paroquial da Igreja de São Miguel, em Lisboa – que faz parte da Igreja – está nas mãos da Junta de Freguesia, por exemplo.

Isto foi há cem anos… há cem anos… há cem anos…