“Fado Celeste”

por Nélson Mateus e Alice Vieira

Querida avó,

No passado dia 14 de março assinalou-se o centenário de Celeste Rodrigues. Para recordar a sua vida e obra, o Museu do Fado inaugurou uma belíssima exposição que teve início no exato dia do seu nascimento.
Esta exposição tem como objetivo recordar a vida e legado da fadista (1923-2018).
Este teu neto que tanto te ama foi à inauguração. Como sabes, sempre tive uma grande admiração por esta mulher.
A Celeste Rodrigues marcou o início dos Retratos Contados. Foi a primeira entrevistada para este projeto que fala da importância da ligação intergeracional. 
Jamais irei esquecer aquela última segunda-feira, de 2015, quando nos encontrámos, no Museu do Fado, para uma longa conversa. Falámos de tudo e mais alguma coisa. A Celeste levou-nos numa viagem às suas memórias, sempre acompanhada pelo neto Diogo, com quem tinha uma ligação umbilical, e pelos bisnetos. 
Jamais irei esquecer a cumplicidade entre as 4 gerações e o amor que os unia. O olhar maravilhado da bisavó, a dizer que o bisneto Gaspar Varela tinha ido aprender a tocar guitarra portuguesa para a acompanhar, é uma imagem que não esqueço até hoje.
Apesar de Celeste ser a (muito) mais velha do grupo, por vezes parceria a mais nova. Pela forma de falar, pelos sonhos que tinha para realizar, por continuar a acordar como se tivesse mais futuro do que passado.
Mais tarde, quando a voltámos a entrevistar, em casa, comprovaste de viva voz tudo isto e muito mais.
As pessoas têm que ser homenageadas em vida. Depois de partirem devem ser recordadas. Jamais podem ser esquecidas! Efetivamente, em vida, a Celeste foi homenageada imensas vezes. 
Agora, todos podem (e devem) recordá-la visitando a exposição, até 14 de setembro, no Museu do Fado, em Lisboa.
Comprei-te um livro sobre a vida e obra de Celeste Rodrigues. Será o teu presente de aniversário.
Bjs

Querido neto,

Estou a adorar folhear o livro que me ofereceste e, assim, viajar pelas sua vida e obra. Sempre gostei muito de a ouvir. Disse várias vezes ao neto: «Diogo, a tua avó quanto mais velha melhor está».
Fez parte dos elencos de várias casas de fados, como a Adega Mesquita, a Adega Machado, a Parreirinha de Alfama, o Luso, entre outras. Ao longo da vida, foram várias as vezes em que a ouvi cantar nestas casas. 
Foi das primeiras fadistas a atuar na televisão, ainda no período experimental da RTP, no teatro da Feira Popular, aqui bem perto da minha casa. 
Gostei imenso do documentário “Fado Celeste” realizado pelo seu neto Diogo. Neste filme todos temos noção da imensa memória que Celeste Rodrigues possuía. Uma história de vida em cada palavra que canta. 
Gostei muito de estar contigo, na casa da Celeste, a ouvi-la contar histórias da sua vida e a ver a alegria, e determinação, com que continuava a cantar aos 95 anos.
Recordo-me de nessa nossa conversa, a Celeste ter recordado que começou a cantar “por brincadeira”, numa “roda de amigos” em que estava o empresário de espetáculos José Miguel que a convidou para fazer parte do elenco de uma das suas casas de fado, o Café Casablanca. Nessa conversa, como te recordas, certamente, ela disse-nos que o seu sonho não era ser artista. Que gostava imenso de cantar no meio dos fadistas, não em público, mas que acabou por acontecer. 
Foi uma mulher que se dedicou mais à família e que deu muito pouco importância aos holofotes.
O que nos rimos quando ela disse que não queria ter telemóvel, para o neto não saber onde ela andava. Que assim podia sair das casas de fado às 2h da madrugada e ir para onde quisesse sem dar satisfações a ninguém. 
Celeste Rodrigues teve a riqueza de poder viver uma vida inteira a fazer aquilo que amava.
Infelizmente, não são muitos que se podem gabar disso.
Obrigada Celeste.
Bjs