Varrer para debaixo do tapete

Afinal, não se tratou de um ato de terrorismo ou de um atentado fundamentalista religioso que justificasse todo o circo mediático e político imediatamente montado.

O hediondo crime no Centro Ismaili de Lisboa que vitimou Mariana Jadaugy, de 24 anos, e Farana Sadroudin, de 40, tratou-se de um ‘caso isolado’ de um refugiado afegão que terá ficado psicologicamente transtornado após ter tido conhecimento de que o pedido de ajuda para viajar com os seus três filhos para a Alemanha via Suíça lhe fora recusado, como confirmou o Presidente Marcelo e anunciaram as autoridades governamentais e policiais e de investigação.

Afinal, não se tratou de um ato de terrorismo ou de um atentado fundamentalista religioso que justificasse todo o circo mediático e politico imediatamente montado.

Pois sim, mas o facto de não haver motivo para foguetórios radicalistas ou previsões catastrofistas para a segurança ou perceção de segurança em Portugal e para esse setor cada vez mais vital da economia nacional que é o turismo, não justifica que, 48 horas volvidas, seja um não assunto na agenda mediática e política deste país ou mereça maior relativização que o do jovem estudante acusado de terrorismo por ter preparado um plano de matança abortado numa universidade de Lisboa.

Afastar qualquer enquadramento ou ligação a redes de terrorismo internacional ou de fundamentalismo religioso, que obviamente obrigariam a outro tipo de ação e reação, é uma coisa.

Outra, é ignorar que se tratou de uma manifestação extrema e gravíssima de um problema que tem de ser enfrentado e não pode continuar a ser escamoteado ou simplesmente varrido para debaixo do tapete: o problema dos refugiados e da ausência de politicas e estratégias, nacionais e globais, que definitivamente permitam estancar movimentos migratórios geradores de graves desequilíbrios demográficos  e que evitem que estes ‘casos isolados’ deixem de o ser e ganhem proporções incontroláveis.

Desenganemo-nos. Portugal pode ainda não ter o problema de refugiados que ameaça tornar-se qual barril de pólvora na Europa. Até porque – como mais uma vez resulta provado – o país continua a servir apenas de porta ou ponte de passagem para outros países europeus.

Mas tem já inúmeros casos que não são isolados nem são de resposta fácil – como seja o das centenas de timorenses ao deus dará em várias zonas do país.

Os timorenses, como os portugueses, têm uma cultura de ‘brandos costumes’, de submissão e conformismo que não é comum – basta comparar os protestos e manifestações de rua que estão a acontecer em Portugal com os que se passam em França para se perceber as diferenças. 

Sejamos realistas e não tolhidos de bom senso pelos preconceitos e complexos de quem os atribui aos outros: se o crime do Centro Ismaili não tem qualquer associação ou ligação a extremismos terroristas ou religiosos, está, porém, indissociado da cultura dominante no país de origem do agressor, no caso o Afeganistão, mas podia muito bem ser muitos outros, onde o recurso à catanada ou à facada não é um ‘caso isolado’ mas sim comum.

E note-se que o crime dá-se no centro de uma comunidade que é exemplar no auxílio e tratamento de refugiados, como, aliás, este tragédia também tão bem o demonstra: foi a comunidade ismaelita que imediatamente assegurou apoio psicológico e continuidade no acompanhamento e na assistência aos três filhos menores do homicida.

Além de que também já tinha sido a comunidade ismaelita a corresponder aos pedidos de ajuda do refugiado afegão quando este já se queixava de que ninguém ouvia os seus desesperados apelos.

O problema dos refugiados tem sido sucessivamente escamoteado e adiado, em Portugal como no resto da Europa – com exceção de Itália e, agora, do Reino Unido, onde, livre das grilhetas do politicamente correto que tomou a UE e os centros de decisão europeus, é tema central.

Condenar os italianos ou os ingleses por adotarem medidas restritivas, apelidá-los de fascistas ou radicais, não contribui em nada para a resolução do problema.

É o mesmo que, em Portugal, acusar o Chega de xenofobia, racismo e radicalismo quando grita e berra que o Governo tem as ‘mãos manchadas de sangue’ pelo ‘atentado’ no Centro Ismaeli.

Não resolve coisa alguma. 

O problema dos refugiados e dos desequilíbrios provocados por movimentos migratórios massivos tem de ser assumido e enfrentado com medidas concretas que estanquem as piores consequências. E não se resolve com medidas isoladas Estado a Estado. A resposta tem de ser global.

Quanto ao mais, o Papa tem visita marcada a Portugal em Agosto próximo. Há que atalhar caminho e garantir que estará a salvo de todo e qualquer ‘ato isolado’.

A 13 de maio de 1979, na Praça de S. Pedro, Ali Agca tinha cadastro e só por milagre não logrou matar João Paulo II, que, um ano depois, escapou também ao ataque do padre espanhol Juan Krohn.

Um desesperado sem cadastro capaz de um ‘ato isolado’ como o do Centro Ismaili é muito mais difícil de travar.