Revolução

O 25 de Abril reúne à sua volta um grande consenso porque foi uma revolução sem mortos e porque trouxe a democracia a Portugal.

A polémica à volta da participação – ou não – de Lula da Silva na sessão solene comemorativa do 25 de Abril foi um daqueles episódios que servem para alimentar debates nas televisões e fazer manchetes de jornais durante três dias.

De resto, não serviu para nada.

O que adiantava ou atrasava que Lula discursasse na cerimónia?

Claro que também o digo porque dou muito pouco valor a este tipo de comemorações – seja o 25 de Abril, o 5 de outubro ou o 1.º de Dezembro.

Considero-os atos pueris, inúteis, destituídos de interesse.

Não adiantam nada; são momentos puramente laudatórios, onde a reflexão está ausente e qualquer voz dissonante é mal recebida.

O 25 de Abril reúne à sua volta um grande consenso porque foi uma revolução sem mortos e porque trouxe a democracia a Portugal.

Isto é indiscutível.

Mas se quisermos ir um pouco mais longe e mais fundo, será forçoso perguntar: como estaria hoje o país se não tivesse havido o 25 de Abril?

Estaria melhor ou pior?

A esmagadora maioria dos portugueses dirá que estaria pior.

Não se atreveria sequer a colocar a hipótese contrária.

Ora, eu acho que não estaria nem melhor nem pior – estaria mais ou menos como está.

A ditadura teria dado lugar a uma democracia, a guerra colonial teria acabado e Portugal estaria integrado na União Europeia.

E por que digo isto?

Porque a abertura iniciada por Marcello Caetano redundaria fatalmente numa democracia política.

Marcello foi o Gorbatchov português.

Todo o edifício político montado por Salazar ficou em xeque com as reformas que ele empreendeu.

Os velhos salazaristas – como Cazal-Ribeiro ou Reboredo e Silva – começaram a já não ser bem vistos no Parlamento.

Os oficiais, fustigados por sucessivas comissões nas colónias, começaram a não querer ir para a guerra.

E o ar do tempo corria em sentido contrário: as ditaduras na Europa tinham caído, os impérios coloniais tinham caído; Franco ainda era vivo mas estava muito velho: tinha 82 anos, e todos esperavam a sua morte para iniciar uma nova era.

Em Portugal, a democracia, o fim da guerra e a integração na Europa eram inevitáveis. Embora o prolongamento da guerra provocasse mais perdas de vidas.

Nessa medida, é possível pensar que, sem 25 de Abril, Portugal estivesse até financeiramente melhor do que está, porque não teria havido a destruição do tecido económico que se verificou após a revolução.

Basta falar do afundamento do grupo CUF, então o maior da Península Ibérica; da nacionalização da banca e dos enormes prejuízos que causou; dos desmandos da reforma agrária.

Uma evolução sem revolução teria poupado tudo isto.

Claro que se trata de especulação, pois a contraprova em História é impossível de fazer.

Não é possível saber como evoluiria o país caso certos factos não tivessem acontecido; e, em qualquer caso, os ‘capitães de Abril’ não o podiam adivinhar.

Mas é uma especulação plausível.

Os partidários das revoluções dizem que elas são por vezes indispensáveis para desbloquear certos impasses que ocorrem no percurso das nações.

Dizem que são ‘males necessários’.

Ora, julgo – exatamente ao contrário – que são quase sempre ‘males desnecessários’.

Sobre serem ‘males’ não há dúvida.

Vejam-se os horrores da revolução francesa, da revolução russa, do nazismo alemão, do maoismo…

Foram muitas centenas de milhões de mortos.

Valeram a pena?

Se não tivessem acontecido, os países estariam pior?

E em muito menor escala, o que pensar da revolução cubana, da revolução cambojana, da revolução bolivariana na Venezuela, mais recentemente?

Mesmo a nossa revolução republicana de Outubro de 1910, ainda hoje tão celebrada por alguns setores, não resolveu nenhum dos problemas estruturais que vinham da monarquia constitucional e, pelo contrário, agravou-os.

A maior parte das revoluções que conhecemos foram momentos terríveis da história dos povos.

Por isso, sou convictamente antirrevolucionário.

As grandes transformações que conhecemos, que mudaram radicalmente a vida das pessoas, não foram impostas pela força das baionetas ou por ditadores iluminados.

Resultaram de descobertas científicas ou tecnológicas e impuseram-se pacificamente através de uma evolução gradual das sociedades.

Assim aconteceu com a revolução burguesa, com a revolução industrial, ou com a revolução digital, em cujo processo ‘revolucionário’ ainda nos encontramos envolvidos.

Enquanto as revoluções políticas começam com a tomada do poder e depois submetem as sociedades pela força, de cima para baixo, estas processaram-se de baixo para cima, sem violência nem sangue.

Mas transformaram por completo o funcionamento das organizações humanas e o quotidiano dos cidadãos.

São estas as verdadeiras revoluções.