Igreja. Uma Páscoa com amêndoas amargas

O momento da ressurreição de Cristo poderá trazer outra luminosidade ao mundo católico, segundo os fiéis acreditam. Mas os abusos sexuais e as divisões na Igreja anunciam tempos difíceis.

A Igreja Católica portuguesa vive este ano uma Páscoa diferente devido aos escândalos dos abusos sexuais dentro da instituição e é natural que a alegria não seja muita. Também a ‘confusão’ criada com diferentes organizações que recebem as queixas das vítimas não tem ajudado. É que desde a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) às Comissões Diocesanas de Proteção de Menores, coordenadas pelo antigo procurador-geral da República Souto de Moura, e a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa, não faltam organismos para dar voz às vítimas, mas parece haver muita gente desagradada com o protagonismo ou falta dele.

Ainda ontem a Comissão Independente defendia a criação de outra instituição, quando já se sabe que a organização liderada por Souto Moura pretende criar um novo grupo de trabalho. Se juntarmos a APAV, facilmente se percebe que não faltam locais para as presumíveis vítimas dizerem o que lhes vai na alma. 

Também o processo Sinodal em curso – em que todos os católicos tiveram oportunidade de dizer o que acham sobre os caminhos que a Igreja deve percorrer no futuro – não tem contribuído para a pacificação, já que há duas correntes muito distintas. Por um lado, os ditos conservadores, que rejeitam a ordenação de mulheres, a bênção para casais do mesmo sexo, ou a comunhão para casais recasados. Do outro lado, estão aqueles que querem isso tudo, além do casamento de sacerdotes, a única mudança que os conservadores aceitam com alguma tranquilidade, desde que não sejam obrigados a acabar com o seu celibato.

Como o processo Sinodal está a decorrer no mundo inteiro, havendo a reunião final em 2024, altura em que se decidirão as mudanças, ou não, a Igreja alemã antecipou-se e aprovou já algumas destas medidas, tendo sido dado um prazo de três anos até que entrem plenamente em vigor. Só que para isso acontecer, precisam da aprovação do Vaticano, que já fez saber que não aceita mudanças até ao processo Sinodal estar concluído. Daí que se fale há já largos meses, como o Nascer do SOL noticiou, que a Igreja Católica está à beira da cisão, à semelhança do que aconteceu com a Igreja Anglicana. Dez primazes de África e da Oceânia, que representam 75% dos anglicanos no mundo, deixaram de considerar o arcebispo de Cantuária, Justin Welby, o líder da comunhão anglicana, além de não reconhecerem mais a Igreja Anglicana de Inglaterra como a sua “Igreja-mãe”, por esta ter aprovado a bênção de casais homossexuais – apesar de não celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

Clima de animosidade E é neste clima que se está a comemorar a Páscoa, tendo, apesar disso, os católicos recebido uma boa notícia nos últimos dias… a recuperação do estado de saúde do Papa.

Fonte do Patriarcado confessa ao i que “está um ambiente pesado, os abusos sexuais não deixam um sabor agradável. Há a ideia de que a Igreja podia ter tratado melhor os casos de abusos no passado, e agora existe a sensação de que podia ter comunicado melhor”.

A mesma fonte acredita que a Páscoa poderá ser o momento de mudança e recorda a crucificação de Cristo. “Deus feito homem carregou os males da humanidade. Venceu a morte em todas suas expressões, voltando à vida pelo seu próprio poder, que foi a ressurreição”. E reforça a ideia. “Esta etapa difícil da vida da Igreja, nomeadamente os abusos sexuais, pode também vir a ser um fracasso que se torne em vitória”. Que é como quem diz: com a crucificação os seguidores de Cristo sentiram-se devastados e perdidos, mas depois voltaram em força à fé.

 Já outro padre de Lisboa põe a tónica na animosidade. “As pessoas estão muito crispadas e não conseguem ouvir, partem rapidamente para o insulto”.

Mas também aqui se pode usar a metáfora do copo meio cheio ou meio vazio. “Houve pessoas que nunca mais voltaram à missa depois da pandemia, mas há outras, principalmente os estudantes universitários, que se aproximaram da vida da Igreja”.

Sessenta e oito batismos no sábado No próximo sábado, em Lisboa, 68 pessoas, com mais de 16 anos, serão batizadas na vigília Pascal, alguns na própria Sé, sendo que entre 30 a 40% destes são imigrantes, a maioria oriundos de África. O rito, conhecido como eleição, terá lugar na Sé de Lisboa. Mas já houve mais pessoas adultas a quererem batizar-se. Em 2017 foram 81, no ano seguinte chegou-se aos 90, em 2019 atingiu-se os 94 e no princípio da pandemia, em 2020, apenas 62 optaram pelo rito de eleição. Em 2021 a pandemia não permitiu batismos e em 2022 chegou-se aos 53.

Estará então a Igreja a perder fiéis devido aos escândalos? Segundo o Anuário Pontifício 2023 e o Anuário Estatístico da Igreja 2021, o o número de fiéis no mundo está a aumentar, especialmente em África. Segundo o Vatican News publicou em 4 de março, o número de católicos batizados passou de 1,36 mil milhões em 2020 para 1,37 mil milhões em 2021, representando um aumento de 1,3%.

O que fazia com que, em 2021, os católicos representassem quase 18% da população mundial. África foi o continente onde mais aumentou o número de batizados (3,1%), enquanto na Ásia o aumento foi de 0,99% e na América foi de 1,01%. Na Europa, o número não sofreu alteração, embora a tendência seja de diminuição.

O país mais católico do mundo é o Brasil, com 180 milhões de batizados – o continente americano representa quase 50% dos católicos no mundo. 

Segundo os anuários apresentados, em 2021, havia 462 388 membros do clero em todo o mundo. Os bispos eram 5 340, os sacerdotes chegavam aos 407 872 e os diáconos permanentes e 49 176. Não é só em Portugal que há cada vez menos bispos e padres, a tendência é mundial, se excluirmos África e a Ásia. Terminamos com a frase inevitável para os católicos: o futuro a Deus pertence.