Ofendo-me, logo corrijo

O grupo de pressão da minoria em causa rasga as vestes em público e logo uma data de baratas tontas correm para as editoras e desatam a corrigir as graves ofensas que certos livros continham.

por João Cerqueira

Está na moda as minorias determinarem que certos livros devem ser corrigidos porque contêm palavras que ofenderam suas excelências minoritárias. Pouco importa se o texto foi escrito há décadas, antes de elas nascerem, de acordo com a mentalidade desse tempo. Importa ainda menos se as palavras ofensivas refletem as características psicológicas de um personagem – um nazi a rebaixar os judeus, por exemplo –, para que este seja credível. E torna-se totalmente irrelevante algo chamado Liberdade de Expressão que é um dos fundamentos da Democracia. Nada disso interessa ante o sentir-se ofendido de alguém que não seja branco, heterossexual, cristão e magro. O grupo de pressão da minoria em causa rasga as vestes em público e logo uma data de baratas tontas correm para as editoras e desatam a corrigir as graves ofensas que certos livros continham.

Ora, como eu também sou uma minoria, um espécime único, logo ainda mais minorca do que aquelas que corrigem livros, e igualmente me sinto ofendido com muito do que se diz e escreve, vou também exigir que se façam algumas correções no discurso político.

Começo pelo programa do PS. Eis o que deveria estar lá escrito.

«O nosso único objetivo é tomar conta disto tudo. Desde que perdemos as últimas eleições, aprendemos a lição. E mal retomámos o poder, deitámos a mão ao aparelho do Estado, aos órgãos decisórios, aos cargos importantes, a tudo, enfim, o que interessa para nos mantermos no poder. Depois, aumentámos o número de funcionários públicos porque esses, à exceção dos traidores dos professores, votam sempre em nós. E por último, a nossa jogada secreta de arruinar a economia e empobrecer os cidadãos. Parece absurdo, mas não é. Quanto mais pobreza houver, mais dependentes do Estado haverá também. Logo, mais votos em quem lhes dá a esmola. Em suma, basta não causarmos uma quarta bancarrota para nunca mais perdermos uma eleição».

A posição do PCP sobre a invasão da Ucrânia.

«Nós somos a favor da paz, desde que o camarada Putin vença a guerra. Porque, na verdade, vivemos em guerra desde que a NATO sabotou a União Soviética, dominou as antigas repúblicas socialistas dos países de Leste e acabou com as amplas liberdades democráticas daquelas ditaduras. Felizmente, o camarada Putin não renegou os seus princípios revolucionários e lançou uma campanha de pacificação nos antigos domínios da União Soviética que só ficará concluída quando esta for restaurada, o Pacto de Varsóvia voltar a existir e novos tijolos sejam colocados em Berlim. Resistiremos, portanto, às campanhas de desinformação e às provocações da NATO e dos seus lacaios até que a Europa volte a ser o que era, com metade do povo trabalhador a recuperar as amplas liberdades democráticas e mísseis nucleares apontados às capitais da burguesia exploradora».

A posição do BE sobre a invasão da Ucrânia.

«Nós pensamos o mesmo que o PCP, mas não o podemos dizer em público. No Parlamento Europeu abstivemo-nos em relação ao apoio financeiro à Ucrânia ainda antes da guerra, com o argumento que julgávamos infalível da austeridade. Mas a coisa correu tão mal, houve tanta gente a desconfiar das nossas verdadeiras intenções de querer evitar que a Ucrânia se torne uma democracia ocidental e adira à NATO que fomos obrigados a mudar o discurso. Agora, condenamos a Rússia e somos solidários com o povo ucraniano. Fica sempre bem dizer estas coisas. Mas, como já perceberam camaradas, isto não é para levar a sério. É uma espécie de passo atrás para dar dois para a frente. Se o Putin  tomar conta daquilo e a NATO for humilhada, vamos comemorar em segredo. Mas, até lá, somos a favor da paz».

A posição do Presidente da República sobre si próprio.

«Bom, eu, como qualquer estrela pop, preciso que gostem de mim. Sei muito bem que o país vai de mal a pior e que o Governo não faz nada de jeito. E, de vez em quando, quando a indignação é geral, quando não tenho outro remédio, até faço umas críticas. Mas, que querem? Não posso estar sempre a malhar neles. É mais seguro criticar a oposição. Eu acredito em Deus e nas sondagens. A maioria ainda os apoia e eu não vou arriscar que se voltem contra mim. Está fora de questão tornar-me impopular. A minha rinite alérgica piorava logo. Perdia o gosto pelos mergulhos. Deixava de tirar selfies. Francamente, não me vão exigir isso, pois não? Bom, seja lá como for, o campeonato de futebol está emocionante, daqui a pouco começa o Europeu e nós somos mesmo os melhores do mundo».