Crédito: campeões nas taxas variáveis

Se a ideia de ter prestações mais baixas era tentadora, principalmente no crédito à habitação, agora com a subida das taxas de juros o ‘truque’ paga-se mais caro. Bancos não incentivaram outro tipo de taxas e o resultado está à vista: mais de 90% dos empréstimos são penalizados pelas decisões do BCE.

Mais de 90% do crédito à habitação em Portugal conta com a taxa variável, que depois varia consoante o indexante escolhido, em que o maior peso assenta na Euribor a 12 meses, mas a de seis meses também uma grande preponderância. As contas são de Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da Deco ao Nascer do SOL e diz ainda que, «isto significa que 90% das prestações está a ser alterada de seis em seis meses ou anualmente».

O alerta já tinha sido dado pelo presidente do Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários, quando referiu ao nosso jornal que «não há nenhum outro país na Europa que tenha os seus empréstimos à habitação a taxas variáveis. Por isso, este problema da subida das Euribor de menos 0,3% para 3,5 ou 4% tem um impacto direto, único e exclusivamente nos bolsos dos portugueses». De acordo com os dados divulgados por Paulo Marcos, 93% dos créditos são de de taxa variável, 4% de taxas mistas e só 3% tem algum tipo de taxas fixas mais puras. 

Em relação a esta tendência, Natália Nunes reconhece que o sistema financeiro português nunca «apostou muito» na taxa fixa, uma vez que representou, nos últimos anos, prestações mensais mais baixas e que também esteve muito relacionado com o facto de se olhar muito apenas para o valor da prestação no curto prazo e, neste caso, «as prestações com taxa variável eram mais baixas do que as de taxa fixa». E, se até à subida das taxas de juros, os portugueses beneficiaram de prestações mais baixas, uma vez que «tiveram um período, em que não pagaram taxas de juro, porque estavam negativas», agora as contas são outras e há quem se depare com aumentos de 300, 400 e até 500 euros, a somar ao valor da sua prestação.

Também Paulo Marcos lembra que um crédito com uma taxa indexada à Euribor em que, houve anos, estava a valores negativos e uma taxa fixa a cinco anos a 1,5% ou 2% mais spread, «as pessoas optavam naturalmente pela primeira opção». Aliado a isso há que contar ainda com mais dois fatores: o problema de literacia financeira, por outro lado, «há um fenómeno de ilusão monetária porque indexar uma taxa de três ou de seis meses parece mais barato do que indexar a longo prazo, além disso Portugal até há pouco tempo o mercado da dívida pública não tinha prazos longos». 

Uma opinião partilhada por Mário Martins. O analista da ActivTrades afirmar que esta situação se deve «essencialmente à iliteracia financeira, que leva os cidadãos a optar pelo ‘mais barato’ à partida, mas sem precaver uma alteração do paradigma, quanto mais não seja renegociando os créditos para taxas fixas, quando se antecipa uma subida dos juros, algo que já desde o início do ano passado se sabia que ia mudar, devido à inflação».

Também Henrique Tomé diz que muito se tem falado da falta de literacia financeira dos portugueses, o que no seu entender não deixa de ser verdade, mas admite que «do lado dos bancos nunca houve grande abertura para que se contraísse créditos com taxas variáveis». E o aceno por parte da banca em relação à possibilidade de ter uma mensalidade mais baixa levou a forte adesão por parte dos consumidores que tinham a expectativa de que se «mudassem para as taxas fixas, os encargos aumentavam e, antes da subida dos preços após a pandemia, a ideia era que as taxas de juro mantivessem-se baixas».

Esta fraca aposta ou ausência de interesse está levar a quem contraiu créditos à habitação com estas taxas variáveis à beira de uma verdadeira taxa de nervos. Natália Nunes reconhece que, face a este agravamento, tem recebido muitos pedidos de ajuda. «Os orçamentos que já estão muito esticados, em que a taxa de esforço das pessoas já é muito elevada ou os rendimentos são baixos, estas alterações acabam por ser muito gravosas. E não nos podemos esquecer que, além da subida das taxas de juro e do consequente reflexo na prestação temos também o aumento da fatura, nomeadamente em alimentação, já que a alimentação e a habitação são as grandes fatias do orçamento familiar. Ora, se as duas estão a subir em simultâneo isso é terrível para algumas famílias».

Por esta ser uma tendência do mercado português, Paulo Marcos admite que, caso seja necessário algum tipo de intervenção, iremos ter pouca solidariedade europeia. «Os mais afetados são aqueles que compraram casa nos últimos 10 anos e já se fala que 56 mil famílias estão em incumprimento. É um tema muito português e não vamos ter a solidariedade de mais ninguém. Não vai haver nenhuma solução europeia como houve na altura da covid em que se avançou com as moratórias». 

‘Prenda envenenada’?
Henrique Tomé afasta a ideia desta aposta da banca ser uma ‘uma prenda envenenada’, já que os juros estão a subir para arrefecer a atividade económica com o objetivo de que as pressões inflacionistas baixem. «As pressões sobre os preços resultaram do excesso de massa monetária injetada na economia durante o período da pandemia em conjunto com os constrangimentos nas cadeias de distribuição e com o aumento do rendimento disponível das famílias que fez com que houvesse um choque entre a oferta e a procura», salienta. E acrescenta que «neste momento, a subida dos juros é fundamental para travar as pressões nos preços. Não obstante, é óbvio que as famílias com menos rendimentos e com créditos à habitação com taxas variáveis, tendam a ficar mais vulneráveis às atuais».

O analista da XTB refere, no entanto, que atualmente não faz sentido mudar agora para a taxa fixa. Em causa está a medida aprovada em Conselho de Ministros que obriga todos os bancos que oferecem crédito à habitação a terem também uma oferta comercial a taxa fixa para quem o desejar, ou para que quem tenha feito a taxa variável possa mudar para taxa fixa. «Diria que neste momento é tarde e não se justifica. No entanto, acredito que quando as taxas de juro voltarem a baixar, muitas famílias deverão fixar taxas fixas, em vez das variáveis», diz Henrique Tomé. 

Também Mário Martins afirma que não se trata de «uma prenda envenenada, porque os cidadãos sabiam perfeitamente o que aconteceria quanto os juros subissem, e sabiam também que iam mesmo subir, era uma situação insustentável, juros em valores negativos». E reconhece que a mudança também será ‘travada’ devido à iliteracia mas defende que «a flexibilidade é fulcral, taxa fixa quando se sabe que os juros vão subir nos próximos meses ou anos, e taxa variável quanto os juros começam a descer e e se espera que continuem a descer nos próximos meses/anos»

Cerco aperta-se 
E se muitas famílias já se sentem asfixiadas com as prestações mensais, as notícias não são animadoras. O Banco Central Europeu (BCE) prepara-se para subir novamente os juros na próxima reunião marcada para o dia 4 de maio.
Henrique Tomé reconhece que ainda é prematuro avançar com uma projeção, dado que ainda serão divulgados indicadores económicos importantes antes da reunião do banco. Mas ainda assim acredita que as subidas possam variar entre os 25 e os 50 pontos base. Já Mário Martins aponta para uma subida de 0,25%. Um número também apontado por Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa. «À medida que os receios em torno do sistema bancário se dissipam, crescem as probabilidades de uma alta de 25 pontos base na próxima reunião do BCE a 4 de maio. Atualmente a probabilidade de um aumento de 25 pontos base no dia 4 de maio é de 78%. Ou seja, uma subida da taxa de depósito do banco central da Zona Euro para 3,25%». 

Incerteza essa que também é apontada por Natália Nunes que aproveita ainda para criticar as medidas já aprovadas pelo Governo nesta matéria. «Criou-se uma ajuda que passa pela bonificação dos juros para as famílias com taxas de esforço superiores aos 35% e que tenham subidas do indexante superiores aos 3% e apesar de ser positiva para algumas pode ser manifestamente insuficiente para ajudar as famílias a não entrarem numa situação de incumprimento», lembrando também que, de acordo com a lei, este apoio só pode ir no máximo até 720 euros e irá vigorar durante este ano. «Claro que pode ser prorrogado, mas o valor do apoio pode ser insuficiente para o aumento das prestações que se está a verificar. Daí continuarmos a insistir na medida de criação de linha de financiamento para poder ser utilizada pelas famílias no pagamento da prestação ou parte dela à semelhança do que aconteceu em 2009».