A verdade e a mentira das leis cartaz

A política governamental devia apoiar os cidadãos mais vulneráveis através de subsídios, bonificações, adaptação de contratos de empréstimos e política de rendimentos

Talvez a pensar na política portuguesa, um antigo dirigente desportivo afirmou, um dia, que «o que hoje é verdade, amanhã é mentira».

Em 2015, quando assumiu o poder, depois de ter perdido as eleições e nas condições estranhas que são conhecidas, António Costa definiu dois mantras essenciais para a sua governação: reverter a maioria das decisões políticas do governo anterior e decretar o fim da austeridade.

Uma dessas reversões foi a diminuição do horário de trabalho da função pública para as 35 horas, matéria que, aliás, foi objeto de referência superficial na anterior crónica.

Não está em causa, naturalmente, a necessidade de diminuir progressivamente o horário de trabalho, mas isso só é bom para os próprios trabalhadores se não puser em causa a produtividade, não provocar aumento de despesa pública (pelo uso de horas extraordinárias ou novos recrutamentos) e, sobretudo, se não prejudicar o funcionamento dos serviços públicos.

Apesar do tempo já decorrido, e das preocupações do Presidente da República (PR), não se conhecem os resultados dessa reversão, mas parece certo que a despesa aumentou significativamente, a produtividade não baixou e o serviço público prestado aos cidadãos deteriorou-se de forma visível.

Esta decisão/reversão foi um ato de pura demagogia, usada para ganhos de apoio eleitoral futuro, mas podia ter sido uma boa base para um estudo fundamentado com o objetivo de modernizar a administração pública.

É certo que ainda não foi revogada (nem há, claro, condições para o ser) mas não tendo sido devidamente quantificada e tendo produzido as consequências nefastas conhecidas é mais uma verdade que afinal era mentira.

Noutro caso e com razões exclusivamente ideológicas para agradar aos parceiros de aventura ‘geringôncica’ e a certos grupos de pressão, o Governo de Costa reverteu a privatização da TAP.

Foi o tempo da proclamação das ‘novas caravelas’ que iam acrescentar novos mundos ao mundo que os portugueses já tinham descoberto (com licença da ideologia woke) e o anúncio da transformação de uma empresa debilitada e inadaptada às novas regras do transporte aéreo, numa joia da coroa.

Sabemos todos (ou será que ainda não sabemos?) quanto já custou esta aventura e, agora, o mesmo governo e o mesmo primeiro-ministro que ‘brincaram’ às caravelas, anunciam um regresso à origem, ou seja à privatização, que com tanto custo para o contribuinte, foi revertida.

Contudo as peripécias recentes que afetaram a companhia (agora objeto de inquérito parlamentar, assassinado à nascença) ainda podem atrapalhar o estado da arte e impedir ou debilitar esta nova verdade – a reprivatização – que até há pouco era mentira.

Nesse caso serão mais uns largos milhões de euros que sairão do bolso dos portugueses.

O atual poder não aprende, talvez porque pense, como um dos personagens do último romance de Houellebecq, que «a ausência de convicções políticas num dirigente não é, forçosamente um sinal de cinismo, mas antes de maturidade».

E será por isso que temos as promessas (ou será que já foram esquecidas na voracidade dos últimos acontecimentos?) de que haverá um aumento de salários reais até ao fim da legislatura, um aumento da diminuição do tempo de trabalho também de 20% e um aumento até 50% do peso do fator trabalho no PIB nacional.

A evolução mais recente da economia não augura que estas ‘verdades’ de hoje não venham a ser as ‘mentiras’ de amanhã mas, pelo que pelo sim ou pelo não, vale a pena guardar a informação para memória futura.

Condicionado pela inflação, um problema que em boa verdade não provocou, mas para o qual não encontrou em tempo útil, soluções minimamente paliativas, o Governo está agora numa verdadeira fuga para a frente.

Depois dos violentos ataques dirigidos ao BCE, cuja política monetária de liquidez excessiva foi a exclusiva razão da sobrevivência do seu Governo, António Costa após o negar cinco vezes (e não apenas três como o personagem bíblico) usa a política fiscal de IVA 0 parcial para combater a inflação.

Talvez por isso o patusco eurodeputado Pedro Marques acabe de escrever que «Costa é o grande autor moral da mudança na Europa».

Mas esta medida é relativamente ineficaz não apenas por ser tardia, mas porque será absorvida pelo aumento de custos dos fatores de produção e só parcialmente se repercutirá nos preços, como aliás sucedeu com a baixa do IVA para a restauração.

Infelizmente a inflação só desaparecerá à custa de uma desaceleração da atividade económica, provocada por um aumento injusto e indesejável das taxas de juro.

Nesta situação a política governamental devia apoiar os cidadãos mais vulneráveis através de subsídios, bonificações, adaptação de contratos de empréstimos e politica de rendimentos.

Mas pelo contrário o executivo opta por ações de propaganda aconselhadas por spin doctors recrutados para o efeito.
Um excelente exemplo é a suposta política de habitação, classificada pelo PR como um conjunto de leis cartaz, na prática a prova evidente de que o atual ciclo político se esgotou e não se diga que não há outra escolha pois a TINA (there are no alternative) é slogan do passado.

Será que o Presidente Marcelo pensa nisto?