A triste liberdade

Usar a liberdade é algo que apenas os animais racionais são capazes. Exatamente por causa da nossa capacidade de raciocínio é que somos capazes de exercer a liberdade.

Por Edgar Clara

A conquista da liberdade de Abril de 74 é algo que nunca, nenhum de nós, mais novos, nascidos depois daquela data, conseguiremos alguma vez valorizar. Penso que não há preço que valha à possibilidade de eu poder dizer e escrever o que penso ou, mesmo, de tomar decisões sobre mim próprio e do destino da minha vida.

A liberdade é, na minha opinião, o que melhor expressa a capacidade de todos os seres humano serem seres humanos. É, digamos assim, a marca da humanidade e aquilo que nos distingue dos outros animais.

Usar a liberdade é algo que apenas os animais racionais são capazes. Exatamente por causa da nossa capacidade de raciocínio é que somos capazes de exercer a liberdade. A razão é o fundamento da própria liberdade. Talvez, de alguma forma, os animais não racionais também sejam capazes de atos semelhantes aos nossos, mas a capacidade de exercer a liberdade é própria do homem.

Podemos dizer que os animais seguem os seus institutos, alguns dos quais são comuns aos próprios homens. Notamos isso no instinto de sobrevivência, por exemplo. Porém, aquilo que nos homens é exercido mediante a liberdade, nos animais é exercido de forma instintiva. O que é instintivo é, podemos dizer, inato, isto é, nasce connosco, mas tudo o resto é fruto da aprendizagem.

A sexualidade dos animais é instintiva. Alguns dos animais têm períodos de acasalamento. A sexualidade dos humanos não se exerce conforme o instinto, mas conforme a liberdade. Nós não temos um período de acasalamento, mas exercemos a sexualidade conforme a nossa liberdade.

Nós caçamos animais para nos alimentarmos e isso faz parte do nosso instinto de sobrevivência, mas a nossa capacidade de raciocínio leva-nos a ter uma ética. Neste sentido, porque usando a sua capacidade de pensamento, há cada vez mais regulamentos para as formas de matar animais sem que neles se incuta sofrimento. Há, também, um grupo crescente de humanos que, pela sua capacidade de pensar, se recusam a comer animais, independentemente da sua proveniência. Os animais, no entanto, caçam por instinto e não são capazes de perceber o que significa abdicar da sua dieta livremente como princípio ético.

A evolução na capacidade de o homem se relacionar com o mundo e consigo não se apoia tanto na sua liberdade, mas na sua capacidade de pensar e, consequentemente, de raciocinar. É o raciocínio quem elabora, de forma lógica, uma linguagem que nos permite usar da nossa liberdade. A Razão é, então, a capacidade que o homem desenvolve de fazer uma autorreflexão sobre si próprio e, desta forma, condicionar o seu próprio agir.

O que nós assistimos na celebração do início das Comemorações do Dia da Liberdade, ou também conhecido por 25 de Abril, não tem qualificação possível na ordem lógica do raciocínio humano. O que vimos acontecer na preparação deste dia para nós tão importante e, ao mesmo tempo, acontecer durante a própria celebração é mais próprio de quem não domina os seus instintos e, portanto, não é capaz de usar da liberdade, porque não é capaz de usar da razão.

Este era um dia nosso! Era a celebração de um dia muitíssimo importante para a nossa família do mundo português. Deveríamos poder celebrar sem interferências exteriores, sem incidentes, sem criancices. É uma triste liberdade aquela que vimos acontecer na Assembleia da República.

Quando alguém convida o Presidente brasileiro, Lula da Silva, para discursar no Parlamento no Dia da Liberdade, não pensou mesmo que estaria a fazer uma provocação aos portugueses? Tudo o resto que por lá se passou é sabido de todos e é tão triste que pessoas que desfrutam da liberdade não a saibam usar que nem quero, sequer, qualificar esta triste liberdade que celebrámos…