Um jogo perigoso

A estratégia de Costa e Santos Silva, validada por Marcelo, de alimentar e radicalizar o Chega de André Ventura comporta sérios riscos.

António Costa e Augusto Santos Silva, com o apoio expresso de Marcelo Rebelo de Sousa, estão a contribuir para a radicalização do debate político nacional e, mais grave, do próprio sistema político.

Compreende-se que o primeiro-ministro e líder socialista e o presidente da Assembleia da República e protocandidato deste PS às Presidenciais de 2026 alimentem, ou melhor, fomentem esse extremar de posições.

Porque eles bem sabem que, à falta de boa governação – e, neste capítulo, é difícil conceber pior do que a que temos tido em trezas meses passados sobre a posse do Executivo -, o Chega de André Ventura radicalizado e não normalizado é o melhor seguro de vida da maioria parlamentar e de Governo do PS.

Pelo menos, enquanto o Presidente da República se mantiver como seu ‘maior aliado’, como professava aquele jovem ex-secretário de Estado qual hijacker de voos da TAP ao serviço do calendário do inquilino de Belém.

E Marcelo Rebelo de Sousa, por mais ‘ralhetes’ públicos (agora tão na moda) que dê ao Governo, ao primeiro-ministro e líder do PS ou aos seus ministros e demais ‘ajudantes’ (embora, neste Executivo, talvez seja mais apropriado designá-los de desajudantes), no momento imediatamente seguinte está novamente a ampará-los, entrando voluntariamente, até ver, nesse jogo estrategicamente montado pela dupla Costa/Santos Silva de que uma alternativa de poder não pode passar por uma coligação de direita.

À esquerda – como se viu com a ‘geringonça’ com que António Costa ascendeu ao poder e, a seguir, deu o abraço de urso ao BE e PCP -, Marcelo não exigiu sequer um acordo escrito, como fez Cavaco Silva em 2015.

Ou seja, no contexto nacional, as ‘linhas vermelhas’ só existem para a direita.

 

António Costa chamou a si, e com orgulho, o mérito da ‘normalização’ de leninistas e estalinistas, maoístas e trotskistas, ao incluir o PCP e o BE nos partidos do arco da governação, como não se fartou de reclamar enquanto precisou deles – e da ‘geringonça’.

Aliás, fez escola no PS que está agora a comemorar 50 anos e pouco ou nada tem a ver com o da matriz original de Mário Soares, António Campos e seus fundadores – esses que estiveram na Fonte Luminosa e marcaram as ‘linhas vermelhas’ com os partidos de extrema-esquerda e ideologicamente antidemocráticos.

Basta ouvir Pedro Delgado Alves (SIC-N de quarta-feira, em frente a frente com Miguel Morgado): os quatro anos de governação do PS com o PCP e BE provam que estes partidos estão ‘convertidos’ à democracia, porque só contribuíram para o aumento dos rendimentos dos portugueses, para a segurança no trabalho… e por aí fora, a propaganda do costume.

Já agora, a experiência dos Açores revela o quê?

 

Ora, esse é o jogo perigoso de Costa e Santos Silva que Marcelo está a validar: como já vimos em vários países da Europa, a começar na França de Marine Le Pen e a acabar na Finlândia de Riikka Purra, passando pela Itália de Giorgia Meloni (não deixa de ser curioso serem três mulheres na liderança), a extrema-direita alimenta-se dessa guetização e radicalização do debate político, que acaba por deixar o próprio sistema refém duma polarização forçada.

E, se a democracia continua a ser o menos mau dos sistemas, é bom que haja a consciência dos riscos que encerra a crise instalada nos partidos convencionais, nos seus dirigentes, aparelhos e clientelas – ou seja, no sistema.

Porque desta crise só beneficiam os ditos partidos… antissistema.

Não é por acaso que os eleitores dos Estados Unidos se veem condicionados ao duelo entre um decrépito Joe Biden e um incontrolável Donald Trump, ou que os brasileiros se confrontem com a escolha entre os também inqualificáveis Jair Bolsonaro e Lula da Silva.

 

É aí que está o perigo da estratégia de Costa e Santos Silva, já que este fenómeno além fronteiras começa a espelhar-se nas intenções de voto que, por cá, vão sendo antecipadas pelas diversas sondagens.

Pelos estudos de opinião que têm vindo a ser publicados, o PSD está agora empatado ou ligeiramente à frente do PS como partido mais votado, beneficiando da queda vertiginosa do partido no Governo; mas a direita está claramente em vantagem sobre a esquerda, mercê da consolidação do Chega, que se destaca como terceira força política.

A dispersão de votos à direita, com o reforço do Chega, só beneficia o PS, que, mesmo caindo, luta por ser o partido mais votado.

Daí que, ao PS, interessa tudo menos a normalização do partido de André Ventura, que os socialistas, por isso mesmo, têm mais é que radicalizar ou provocar a radicalização.

Enquanto crescer, Ventura também entra no jogo. Como é óbvio, só tem a ganhar.

Neste perigoso jogo, quem se trama, como sempre, é o mexilhão.