Escolho a Justiça

Vivemos na convicção de que a justiça se quer célere e equânime para que exista. Eis senão quando se anuncia que o senhor Pinto de Sousa poderá não vir a ser julgado por nenhum dos crimes de que foi acusado

É um tempo difícil. São tantos os temas e tão significativos que nos deixam quase sem poder respirar.
Asfixia-nos aquela novela da TAP.
Como é possível, perguntamos.
Como se consegue parodiar, não um, mas vários atos de Governo.
Como se tenta iludir, sem habilidade e sem vergonha.
Como se decide sem fundamento e se inventa depois alguma coisa que não existe.
Como se mente e como a relação com o Parlamento é mantida nessa base com o recurso à invenção e ao artifício.
Ficamos tão sem ar como sem Governo.
O dr. Costa finge que nada aconteceu e cala.
Habituem-se, disse ele…
Diminui-nos a todos este espetáculo à custa dos reformados e das pensões.
Objetivamente o que aconteceu é fácil de descrever.
Temendo, o governo decidiu tirar num momento particularmente difícil.
Temendo tanto que decidiu suspender as regras de atualização das pensões.
Foi denunciado, foi apanhado em contramão, entrou em perda.
Acenou com medidas futuras.
Entretanto, a inflação varreu os rendimentos dos reformados e os seus temores subiram.
Sofreram com a perda e a dúvida.

As sondagens vingaram-se e, de um momento para o outro, o que não era possível tornou-se viável.
O pau e a cenoura, a regra.
O dr. Costa é mau para tentar ser infinitamente bom.
Habituem-se, disse ele…
O senhor Luís Inácio da Silva visita-nos, não sem antes fazer uma exibição oral do mais puro contorcionista.
O seu desejo é matar a fome do seu povo, diz.
O da Ucrânia também.
O de outros é matar povos à fome.
Só a sua lição de diplomacia ocupa todos os noticiários e faz esquecer os problemas.
O populismo é o inimigo das democracias, diz oportunamente o dr. Costa.
Qual? O bom ou o mau?
Habituem-se diz ele…
Mas no meio de toda esta interessante e particular afirmação do primado dos princípios, uma notícia bomba perde relevância.
Habituados estamos à reafirmação do Estado de direito como pedra angular.

Vivemos na convicção de que a justiça se quer célere e equânime para que exista.
Eis senão quando se anuncia que o senhor Pinto de Sousa poderá não vir a ser julgado por nenhum dos crimes de que foi acusado.
Isto é, que a prescrição o protege.
E somos levados a pensar como as pessoas sentem uma justiça desigual.
Como os mais espertos, ou os mais endinheirados, ou os mais protegidos por uma teia de coincidências se escapam.

Como os meios de defesa se utilizam como consequência do uso de expedientes processuais.
Como a suspeição do juiz, ou a distribuição do processo, ou a dificuldade da notificação fazem correr a roda do tempo.
Como o recurso a figuras eminentemente excecionais se transforma em modo simples de fazer passar eternidades até ao arquivamento.
Se isto acontecer, podemos habituar-nos a tudo o resto.
Tudo será, em bom rigor, menos grave.
O ato de administrar o governo pode ser parodiado.
O ato de administração da justiça é o fundamento dos fundamentos.
Ele existe para que nos consideremos livres e iguais perante a lei.
E é sobre tal assunto que escrevo, com mágoa, neste dia.
No ‘dia inicial inteiro e limpo’.
Para que ele exista.