‘O solo na Baixa pombalina está muito fragilizado’

As obras de prolongamento do Metro, nos caminhos-de-ferro da Linha de Cascais, o Plano Geral de Drenagem e o acidente da Rua da Prata obrigaram a CML a refazer o trânsito na cidade.

Qual é o balanço que faz do primeiro dia das novas regras?
O balanço é bom, melhorou significativamente a circulação, mas, como é evidente, temos que estar a monitorizar este programa.  Para já, estamos bastante satisfeitos. Em relação às críticas, é natural que sempre que se introduza alguma alteração isso seja acompanhado de receios e de dúvidas, e que as pessoas se questionem como é que isso vai acontecer e se isto vai ser mau ou não. Entendo que este plano, se resultar, vai ser melhor, inclusivamente para o comércio, porque, se nós estamos a tentar retirar carros da Baixa que não têm como destino final a Baixa, significa que vamos melhorar a circulação para todas as pessoas que têm como destino final a Baixa. Quem são essas pessoas? São os residentes, os que trabalham e também as que querem ir à Baixa para fazer compras. Têm a Baixa como destino final. 

Como se define quem é que tem como destino final a Baixa?
O trânsito de atravessamento, ou seja, quem quer atravessar a Baixa para outro sítio está impedido de o fazer. Pergunta-me como fiscalizamos? Há duas maneiras de concretizar esta medida: uma, como é evidente, se alguém for apanhado pela Polícia a fazer um atravessamento, é multado. 

Mas como vão conseguir confirmar se a pessoa está de passagem ou quer mesmo ir para a Baixa?
Em primeiro lugar, pergunta-se às pessoas para onde vão. Se alguém disser que vai para o Parque das Nações, não pode.

Se a pessoa disser que vai fazer compras, mas quer ir para outro lado?
Não podemos partir do princípio que as pessoas vão mentir. Nós, no futuro, podemos encontrar vias mais tecnológicas para implantar isto. Mas a primeira coisa que é importante dizer é que este plano é para melhorar o trânsito, para ser bom para a vida das pessoas, não é para ser mau. Se nós estamos a dizer para não entrar na Baixa, é porque quando entra na Baixa passa mais tempo do que é necessário e a sua vida é pior. É mau para elas, em primeiro lugar, e é mau, claro, para a Baixa e para o território. Um aspeto importante da implementação desta medida tem a ver com todos os sistemas tecnológicos de trânsito, passo a publicidade, como o Waze. Estes sistemas passam a assumir que há um território que está condicionado ao trânsito local. 

Volto a insistir, quando se diz que é só para quem trabalha e vive na zona, sabemos que muita gente não vai cumprir essa inibição e pode pôr em causa a eficácia da medida. 
No acompanhamento que tivemos dos consultores, temos dados que assumem já percentagens do impacto que a medida terá. Mas só pelo facto de conseguirmos retirar carros da Baixa, numa percentagem mais ou menos significativa, isso já terá um impacto em termos de melhoria do trânsito. 

E em relação à poluição? Isto vai obviamente transferir poluição para ruas que não tinham tanto tráfego. Estão a monitorizar o trânsito?
Todo o plano está a ser monitorizado. Um dos aspetos importantes é que nas vias estruturantes que estamos a apresentar como alternativas à circulação estamos a rever a semaforização, algumas hipóteses de atravessamento, a procurar criar condições para estas vias estruturantes poderem ter uma circulação mais fluida e  quanto mais fluida for menor impacto terá em termos de poluição. Todo este programa, que é um plano bastante ambicioso, é a primeira vez que é implementado na cidade de Lisboa, vai ser monitorizado, está a ser monitorizado, e estamos totalmente flexíveis e totalmente disponíveis para rever aqui e ali alguma opção. A nossa preocupação é melhorar a fluidez do trânsito na cidade de Lisboa, melhorar a vida das pessoas. 

A Avenida da Liberdade é uma das zonas que vai ser afetada.
Sim, mas a Avenida da Liberdade é uma das zonas que está na zona amarela, não está afetada na medida em que não está aqui na zona vermelha. A zona vermelha tem um acréscimo de condicionamento que diz respeito sobretudo a veículos com mais de três toneladas e meia. É uma medida que já existia, estava prevista no papel desde 2015, ninguém implementava, mas que nós temos sinais aqui na Baixa que indiciam fragilidade ao nível da estrutura do solo e que nos obriga aqui a ter uma decisão mais gravosa a implementar. Esta medida é essencial e vai ter impacto sobretudo nas cargas e descargas, aí os comerciantes têm-nos alertado que têm um problema de fazer cargas e descargas com veículos com mais de três toneladas e meia apenas durante a noite e nós estamos sensíveis a isso. É possível que haja aqui a possibilidade de prolongar um bocadinho o horário de proibição para permitir cargas e descargas no primeiro período da manhã. Temos aqui sinais na Baixa que indiciam de facto uma situação que nos tem que preocupar a todos, a obra que está a decorrer na Rua da Prata, não foi desejada, não foi sequer planeada, foi um imprevisto. Fomos confrontados com o colapso do saneamento pombalino na Rua da Prata. Depois disso, tentámos e criámos uma alternativa na Rua dos Correeiros e fomos surpreendidos logo com um grande buraco, o que revela que, de facto, o piso aqui na Baixa tem que ser cuidado, tem que ser tratado. Se visitarmos a Rua da Madalena, percebemos que está a dar sinais, de facto, de excessiva exposição ao peso. E é também a pensar nisso, na proteção deste património, que estamos a implementar estas medidas.

Quem tomou esta decisão de monitorizar a Baixa? Fizeram algum estudo? Quem tomou estas decisões?
Sim, com certeza. Tenho a pasta da Mobilidade desde janeiro e logo numa das primeiras reuniões que tive com o Metro, comunicaram-me que iriam fechar a Rua D. Carlos. O fecho da Rua D. Carlos significa um desafio enorme, porque todo o trânsito que vinha da zona de Algés, de Belém e de Alcântara entrava na cidade de Lisboa pela Rua D. Carlos – porque estava já fechada a Avenida 24 de Julho e nesse momento percebi que tinha uma visão de conjunto para resolver um problema que estava cada vez a agravar-se mais com o acumular de obras ou então iria ter aqui um problema maior. Depois tive uma reunião com a Infraestruturas de Portugal, que também me transmitiu que vai ter que fazer obras na linha férrea e na linha de Cascais, e que isso também vai ter um impacto na vida na Avenida 24 de Julho. Ou seja, com estas obras do Metro, com estas obras das Infraestruturas de Portugal, com as obras do Plano Geral de Drenagem, mais as da Rua da Prata, que é uma obra inevitável, ou temos uma resposta para ajudar os condutores, as pessoas que vivem na cidade a circularem melhor ou então íamos assistir passivamente a uma situação que já estava praticamente caótica. A nossa expectativa é que isto ajude a melhorar o trânsito e a mobilidade na cidade de Lisboa. E, claro, não somos dogmáticos, recorremos a consultores que nos ajudaram neste processo, fizeram medições de tráfego, perceberam onde é que havia mais exposição ao risco, que alterações eram importantes considerar, todo este trabalho foi feito com recurso a um trabalho técnico, com a noção de que uma coisa é prever as coisas no papel e outra é a prática. E por isso mesmo é que insisto que este plano tem que ser flexível e que temos de estar totalmente disponíveis para rever o que for necessário para  resultar o melhor possível. 

Em relação ao controlo de quem pode ou não circular, a Polícia andará a fazer perguntas às pessoa para saber se são honestas ou não? 
Em relação aos condutores, não estamos a pedir à Polícia Municipal que tenha, neste momento, nesta fase de implementação do plano, ações de fiscalização muito vincadas. Não é a nossa preocupação. Nesta fase, aquilo que queremos, em primeiro lugar, é fazer um apelo, que está a resultar, para os condutores perceberem que, se querem circular melhor, não entrem em determinadas zonas que estão excessivamente condicionadas. Neste momento e nesta fase, é essa a nossa prioridade. 

E o turismo não será prejudicado? Os TVDE e os tuk tuk poderão circular nessas zonas? 
Sim, todo o transporte de passageiros, desde logo, em primeiro lugar, o transporte público. O grande apelo que fazemos para as pessoas que têm que vir para esta zona é que privilegiem o transporte público, para sua comodidade, para terem melhor qualidade de vida. Os transportes públicos são uma boa solução, embora haja muitas pessoas que não podem, por razões motoras ou por outras razões, ou não querem. O transporte de passageiros no seu conjunto não será posto em causa.

O turismo não será prejudicado?
A nossa vontade, ao implementar este conjunto de medidas, é proteger o património e, se o fizermos e formos bem sucedidos, isso também vai ser bom para o turismo. Porque uma das coisas que torna menos apetecível uma cidade é o excesso de poluição sonora, e não só de carros. Estamos também a criar uma solução que, se resultar, vai ser melhor para o turismo. Embora reconheça que temos aqui um problema grande que estamos a tentar resolver com o terminal de cruzeiros e que tem a ver com o facto de ser um nível de turismo de massas, que normalmente recorrem a veículos com mais de três toneladas e meia e representam também um grande desafio à cidade, onde nós temos que ter alguma flexibilidade, pelo menos na fase inicial da implementação do plano, até que se encontrem depois soluções mais mais duradouras para o futuro. 

Os autocarros que vão buscar essas pessoas poderão circular. E os autocarros dos circuitos turísticos? 
Aquilo que nós pedimos, e trabalhámos com os operadores, é que eles revissem os seus circuitos e reviram. Relativamente à zona que está condicionada aos tais veículos, proibida a veículos de mais de três toneladas e meia, estamos a pedir que adoptem veículos mais pequenos, que não ponham em causa o solo. Esse esforço de adaptação está a acontecer, e nós também temos a noção de que tudo isto acontece num timing bastante curto e temos que implementar este plano com alguma flexibilidade.

As associações de comerciantes da baixa não parecem muito convencidas…
Esta medida da proibição da circulação para veículos com mais de três toneladas e meia levanta, de facto, um desafio grande em termos de logística, mas esse desafio não pode ser adiado sempre. Ele já estava previsto desde 2015. Tínhamos que implementar, avisámos os moradores, os comerciantes, eles sabiam. Mas uma coisa é saber que isso vai acontecer e outra coisa depois é de facto acontecer. Aquilo que posso dizer é que, no conjunto, o plano visa melhorar a circulação na Baixa, retirando daqui os carros que não são necessários cá estar. E se isso for bem sucedido, isso vai ser melhor também para o comércio. Não vai ser pior, vai ser melhor. Estamos a retirar os carros que não vêm à Baixa, mas passam pela Baixa e isso é melhor para a Baixa e, portanto, é melhor para os comerciantes. A minha expectativa é que isto não ponha em causa o comércio, pelo contrário, o reforce. Mas compreendo os receios e aquilo que digo é que estamos também em diálogo com eles e estamos disponíveis para adotar o que for preciso. Estamos a ponderar os pedidos com estudos de tráfego, estamos a ver se isso tem impacto na hora de ponta, porque já é a hora de ponta na Baixa às 08h00, e estamos a avaliar isso. Mas se for possível, neste esforço também de acomodar e de encontrar um compromisso, um equilíbrio para as várias perspetivas, nós não deixaremos de o fazer.