Como a transição energética pode funcionar

 Na realidade, sem o envolvimento e compromisso dos grandes poluidores tudo o que façamos será infinitamente pouco.

Por Francisco Gonçalves

Há algumas semanas, num colóquio sobre a ‘transição energética’, fui surpreendido com um painel de executivos da área dos hidrocarbonetos, intitulado ‘Será que o mundo pode confiar em nós?’. Surpreendeu-me a atitude masoquista e autoflageladora dos próprios, como se as empresas de hidrocarbonetos fossem as responsáveis máximas pelo modelo de desenvolvimento aplicado ao planeta.

Não foi com os hidrocarbonetos que o mundo criou um modelo predador de recursos naturais. A mesma lógica pouco respeitadora dos limites do planeta foi aplicada, por exemplo, nas agriculturas intensivas, na exploração mineira ou nas revoluções industriais. 

As sociedades utilizam os recursos que têm e aplicam o conhecimento que existe. Isto é, o problema não é de um setor, é de sociedades que não sabem mais e da sua natureza competitiva (inerente à condição humana): faz-se o possível, o melhor que se sabe, a cada momento.

Paralelamente, importa referir que vivemos num mundo aberto, altamente concorrencial, no qual muitos países se desindustrializaram, deslocalizando a produção para outros países e, assim, contribuindo para o enriquecimento destes. 
Um dos fatores que leva à instalação, ou não, de uma indústria num país é o preço da energia. A composição de um mix energético assente em fontes de energia mais caras (leia-se renováveis), sem que sejam devidamente penalizados os bens produzidos com recurso a fontes não renováveis (quase sempre mais baratas), retira competitividade a quem o faz. Quem se deixa enredar nessa armadilha, engrossa a mole dos descontentes e deserdados da globalização, que estão na génese dos muitos dos nossos atuais descontentamentos, fazendo, de certa forma, o papel do ‘idiota útil’ do sistema.

Importa ainda referir que a manipulação da crise ambiental e da transição energética, por revolucionários da extrema esquerda, tem tanto de absurdo como de hipócrita. Sabemos quão poluentes e pouco eficazes eram as indústrias dos países de economia planificada e sabemos também que, apenas nas democracias, há espaço de protesto para abraçar as preocupações com o estado do planeta, afirmando a necessidade das reformas. Na realidade, sem o envolvimento e compromisso dos grandes poluidores tudo o que façamos será infinitamente pouco.

Há um importante papel a desempenhar pelas cidades na transição energética. Em primeiro lugar, na definição das políticas públicas, como no planeamento de longo prazo, que permitam a implementação da mesma. Paralelamente, na gestão, implementando equipamentos com menores consumos e emissões. Por fim, outra área de grande importância é relativa à consciencialização cidadã, chamando a atenção para comportamentos mais adequados por parte dos munícipes.

A importância das políticas pragmáticas nas cidades é evidente. Soube-se, esta semana, que Oeiras é a primeira cidade portuguesa no que respeita à densidade de carregadores de automóveis elétricos, ocupando o quinto lugar a nível europeu. Este trabalho, discreto, mas eficaz, visou exatamente potenciar a utilização do automóvel elétrico, permitindo a sua utilização no quotidiano de todos. 

Os discursos eloquentes dos radicais, sobre as alterações climáticas e sobre a transição energética, podem fazer notícias, mas apenas com políticas competentes e concretas a realidade muda.
Por muito que alguns queiram, não podemos confundir transição com revolução. O desafio é de todos, mas o bom senso parecer apenas ser de alguns.