“Preciso de um carimbo para a Segurança Social”

Muitos empregadores queixam-se da falta de candidatos às vagas existentes e reconhecem que são os mais velhos que concorrem, muitos sem experiência na área pretendida. Os jovens querem viver dos subsídios, dizem.

Fábio Sousa, editado por Vítor Rainho

O problema da falta de mão-de-obra tem-se vindo a sentir cada vez mais por todo o país. Apesar de ser mais visível nas áreas do turismo e da restauração, é algo que se tem generalizado por outras áreas e serviços da sociedade portuguesa. Iva, que possui o seu próprio cabeleireiro, tem uma vaga de emprego há um mês e meio e até então ninguém tem mostrado interesse. Algo que “nunca me aconteceu” diz Iva, acrescentando que este ano “é o pior”.
Na empresa Ferreira e Capitão Nunes, Lda, trabalha António, que é talhante há mais de 30 anos. Abriu o seu talho quando voltou de França, local onde estava emigrado. O dono tem o anúncio de emprego afixado à porta da loja, “há mais de um mês”, onde, segundo o próprio, “ninguém responde”. Apesar de se viver em tempos de crise, o talhante reconhece que as pessoas, maioritariamente a “juventude, não quer aprender”. “Tenho muitas horas de trabalho e a juventude não quer aprender a profissão. Não há outra coisa. E por vezes, preferem o Pingo Doce e essas coisas, onde fazem meia dúzia de horas e também recebem metade. Mas não se preocupam com isso”. Como ele, Paulo Costa, dono da Alcântara Garage, possui o mesmo problema. Publicados há mais de um mês e meio, os anúncios para mecânico e bate-chapas continuam por preencher. As pessoas “simplesmente não querem trabalhar. Esse é o ponto número 1. Tenho o anúncio para bate-chapa faz um mês e meio”, afirma exaltado, acrescentando ainda, “Olhe, dos poucos que respondem ao meu anúncio, são pessoas a partir dos 40, 45 anos de idade maioritariamente. Mas as pessoas não querem. A primeira coisa que as pessoas me perguntam é qual é o horário e quanto é que vão ganhar. Outros até chegam a dizer que não dá porque é longe. E há uns que até vêm trabalhar, mas como vejo que não nunca foram bate-chapas, ou mecânicos, na vida então pago-lhes e eles vão à vida deles”.

Com ou sem formação, tudo é bem-vindo António, apesar de anunciar um trabalho que exige aprendizagem e especialização, aceita trabalhadores que queiram aprender o ofício. “As pessoas que respondem não têm formação, não são cortadores. Não percebem nada disto”, no entanto, quando interrogado se oferecia formação respondeu com um tom desapontado, “Se ainda aparecessem”. Paulo Costa depara-se com uma situação semelhante, na sua oficina, daqueles que demonstram interesse nas vagas de emprego “cerca de 70% ou 80%” não têm especialização nem formação na área. “Eu ofereço formação àqueles que já trabalharam no mundo automóvel. Já tive jovens que trabalham em cafés, boutiques de roupa. Nesse caso não dou formação porque neste momento estou sem ajuda, se tiver mais alguém para me ajudar aqui se calhar até consigo dar, agora sozinho não”.

No site empregoscm.pt existem dezenas de ofertas de emprego, sendo que onde há maior oferta é na área da restauração e hotelaria (somando, até à data da notícia, um total de 145 ofertas de emprego). Segue-se, com menos de uma centena de ofertas, as áreas da construção, com 58 ofertas, e dos automóveis, com 51. Quando se olha para a descrição de cada oferta nota-se que a maior parte delas requerem que o candidato possua alguma formação ou especialização. Paulo Costa acredita que são precisos mais apoios do Governo no caso de não conseguir ter candidatos especializados e necessitar de preencher a oferta de emprego. O mecânico defende que “não há incentivos às empresas para termos aqui um aprendiz, ou seja, uma pessoa que nada sabe fazer, temos de dar formação. Antigamente, a lei previa que a pessoa que entrasse como aprendiz, ganhava um valor x, hoje em dia, ganha o ordenado mínimo”. Este reforça ainda que pagar o ordenado mínimo “é para quem sabe fazer alguma coisa. Não posso estar a dar o ordenado mínimo a uma pessoa que não sabe fazer nada”.

Na procura de mão-de-obra especializada, Ana Geraldes da empresa Ernesto e Alexandre, Lda, que vende embalagens e artigos para empresas de hotelaria e restauração, é obrigada a recorrer a empresas de trabalho temporário para facilitar na ajuda, mas mesmo assim não altera muito o panorama. “Estamos todos a lutar com uma dificuldade enorme em arranjar pessoal qualificado e temos recorrido a uma empresa de trabalho temporário, precisamente para nos ajudar a fazer este recrutamento”. Ana acrescenta ainda que são obrigados a recorrer a este método porque quando colocam anúncios diretamente na plataforma de emprego as “pessoas não respondem simplesmente”.

Em certos casos, Ana chegou mesmo a visitar “três ou quatro escolas técnico profissionais” como forma de contactar diretamente com os jovens que acabam de finalizar a sua especialização. Ana, admite, enervada: “Fantástico, são jovens que têm competências nesta área, vamos lhes dar uma oportunidade de trabalho, e onde é que eles estão? Não aparecem”. Para a vendedora, os jovens escolhem estes cursos não para obterem a formação, mas apenas porque “querem fazer um bypass ao 12.º ano sem passarem pela escola secundária clássica” e assim que “têm aquilo que queriam alcançar, o resto já não lhes interessa”. “Querem, no fundo, ter na mão um diploma, um canudo com o 12.º ano que na verdade não serve para nada ou para muito pouco, mas acham que essa habilitação lhes vai dar uma benesse que não existe neste país. Ocupam estes cursos técnicos profissionais e cá para fora não sai ninguém desse curso. Assim que as pessoas fazem o 12.º ano, aquilo que conseguiram alcançar já tem consigo e o resto não lhes interessa minimamente”

“Carimbe-me qualquer coisa da Segurança Social” No intervalo, entre os turnos a tratar de cortar e pentear cabelos, Ana conta que, além da dificuldade em encontrar quem preencha a vaga, as que aparecem para estar à experiência não querem trabalhar. A cabeleireira vê que “as pessoas não querem trabalhar, querem um emprego, mas não querem trabalhar. Desejam só ganhar dinheiro.  Sei que não aparece ninguém e não me digam que é falta de emprego. Estas pessoas querem é receber fundo de desemprego, subsídio disto e daquilo, portanto não vale a pena trabalhar”. Ana não é a única que defende que muitos dos desempregados preferem receber do fundo de desemprego e outros subsídios do que trabalhar. “É uma coisa que é lamentável. Faz-me imensa impressão, devo dizer que são jovens, alguns da idade dos meus filhos, outros mais velhos. É ver que as pessoas, atendendo à precariedade de vida, que todos nós estamos a ter, não se agarram a trabalhar, só querem é que  “carimbe aqui qualquer coisa da segurança social em como aqui estive”, confessa Anabela Geraldes em tom de desabafo. A vendedora conta que as poucas pessoas que se submetem à entrevista chegam mesmo a colocar muitos entraves. “As pessoas dão-me entraves do tipo ‘então, mas não posso levar o carro para casa?’ e eu digo, ‘Não, o senhor tem o carro para trabalhar, ao fim do dia deixa o carro aqui’. No dia seguinte, vem outra vez de transportes públicos. Nós também queremos que o recrutamento seja sempre feito numa área que seja próxima da nossa empresa, porque a vida é difícil para todos, não? Houve o caso de uma pessoa que me disse que só poderia vir para aqui se os pais a viessem buscar e levar”. Paulo Costa afirma que muitas das justificações que recebe também não têm “pés nem cabeça”, acrescentando ainda que compreende “que fica mais fácil estar no fundo desemprego e receber subsídios e por aí fora”.

Das poucas respostas que recebem, estes empregadores notam que é sempre de idades compreendidas na faixa etária dos 40 aos 55 anos de idade. No caso da vaga de vendedora para a empresa Ernesto e Alexandre, Lda, esse é precisamente o caso. “O que acontece é que as pessoas não só não respondem como respondem pessoas muito idosas, algumas com 70 e 80 anos […] que depois acabaram por marcar entrevista comigo, porque eu não refutei essa possibilidade. Estamos a falar de pessoas com experiências que não são de tirar da mão delas. Quer dizer, acho que é importante que elas venham até nós”. Ana conta ainda que tiveram mesmo de alargar “a fasquia etária para termos uma maior abrangência, porque eu sei que há muitas pessoas que ficaram desempregadas porque houve insolvências ou falências, e tudo isso. Começo a achar é que há gente com muito mais vontade de trabalhar na fasquia dos 45 ou 55 anos, porque o mercado de trabalho já começa a fechar-se para elas. E acho que até são pessoas com competências”.

Numa altura em que o Governo anuncia cada vez mais medidas de apoio, estes empregadores têm medo que as pessoas possam agarrar-se aos subsídios ao invés de se agarrarem ao trabalho.