Um casamento ou um contrato?

Nem todos os casamentos são felizes. Uns terminam ‘cedo demais’, outros arrastam-se para lá do prazo de validade, quando as pessoas já quase não se suportam. Mas o que levará alguém a manter-se casado há 60 anos com alguém de quem já não gosta? A história de Juan Carlos e da rainha Sofia dá-nos uma…

Não existe uma fórmula mágica para um casamento feliz. Todos os casamentos são diferentes e todos os amores são vividos de uma forma singular, cada um com os seus desafios, as suas alegrias e os seus obstáculos. Também é verdade que só os membros da relação conhecem a ligação que têm. É difícil saber-se ao certo aquilo que acontece entre quatro paredes e aquilo que vai no pensamento e coração de cada um. E o mesmo é verdade quando se trata de figuras públicas cuja relação aparece escarrapachada na TV e nas revistas e sobre a qual, por causa disso, qualquer um se sente no direito de opinar.

Mesmo com todo o poder, cuidado e segurança ao alcance da realeza, os casamentos de figuras dessa esfera não estão a salvo das vicissitudes que atingem o comum dos mortais. E a tempestade conjugal pode tornar-se impossível de disfarçar.

Em maio, o rei emérito Juan Carlos e a rainha Sofia cumprem, apesar de viverem em países diferentes e de todas as polémicas, 61 anos de casados.

O que poderá levar duas pessoas que já não gostam uma da outra a manter essa fachada? O que resto ao fim de mais de seis décadas de atritos, desentendimentos e traições?

‘O conforto vem primeiro’

Na manhã de segunda-feira, 3 de agosto de 2020, relata o El País, Juan Carlos I deixou a Espanha a bordo de um jato Bombardier Global 6500. O rei emérito voou de Vigo para Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, com pelo menos cinco pessoas – e nenhuma delas era a rainha. Na mesma tarde do dia da sua partida, a Casa Real confirmou a saída do ex-Chefe de Estado e divulgou a carta que este entregou ao filho, Felipe VI, na qual o informava da sua decisão. No documento, o rei não fazia qualquer menção à sua mulher. Nesse mesmo dia, fontes da realeza confirmavam ao jornal espanhol que a rainha emérita continuaria a morar em La Zarzuela e continuaria com suas atividades institucionais.

Quase três anos depois, o casal vive separado e em diferentes países, embora, segundo fontes próximas, Juan Carlos e Sofia não estejam a considerar o divórcio. «A paixão é boa aos 20, 30, 40… Mas chega uma idade em que o conforto vem primeiro. Por que é que as coisas vão mudar se os dois estão bem assim?”, interroga ao El País Alessandro Lequio. «Acho que eles ainda estão juntos por uma questão de conforto, tranquilidade e conhecimento», acrescenta o fidalgo italiano, que é bisneto de Afonso XIII, sobrinho-neto de Juan Carlos I e primo em segundo grau de Felipe VI.

No ano passado, aproveitando as bodas de diamante do casal, Pilar Eyre revelou alguns dos segredos que o casamento escondia, garantindo que Sofia e Juan Carlos se casaram «sem se amar e, no final, passaram a detestar-se».

Considerada uma das jornalistas mais experientes da Casa Real espanhola, segundo Pilar Eyre, pouco antes do casamento com a rainha Sofía, Juan Carlos «passou uma noite apaixonada com a condessa Olghina de Robilart, com quem teve um caso e a quem revelou os seus planos de casamento com uma mulher que não amava».

Mas a condessa não foi a única mulher na vida de Juan Carlos. A sua «noiva oficial» era a princesa italiana María Gabriela de Saboya: «Ele amava-a e falou com ela dias antes de pedir a mão de Sofia: ‘Não a quero, se me disseres para ir, eu deixo tudo! Pensa nisso, por favor’», citou Eyre. Segundo Eyre, Juan Carlos só ficou noivo de Sofía porque «alguém intercetou a mensagem de Maria Gabriela de Saboia pedindo-lhe que não se casasse».

Segundo a jornalista, casar-se com Juan Carlos também não estava nos planos de Sofia: «Ela também não era apaixonada por Juan Carlos, ao contrário do que sempre fomos levados a acreditar. Ela estava apaixonada pelo duque de Kent, primo da Rainha da Inglaterra. E quando ele se casou com outra mulher, a sua ambiciosa mãe, a rainha Frederica, tentou fazer um arranjo com o príncipe Harald da Noruega», lembrou.

Por tudo isso, de acordo com o HuffPost, a relação entre eles foi quase sempre gelada e a ascensão ao trono de Felipe VI só aprofundou a distância que existe desde os primeiros anos de casamento.

Conto de fadas ou história de terror?

Juan Carlos e Sofia conheceram-se em 1954 a bordo do iate Agamenon, numa viagem organizada pela mãe da então princesa, Federica da Grécia, mas não houve a faísca paixão. Ainda assim, o casamento entre os jovens que se tornariam reis da Espanha foi para a frente. Em setembro, o noivado foi anunciado e antes que um ano se passasse, em maio de 1962, casaram-se em Atenas cercados pelas grandes famílias reais europeias.

Após o casamento, Juan Carlos e Sofia mantiveram uma relação baseada no afeto, lançando-se na missão de fazer a monarquia voltar a reinar em Espanha após a morte de Franco. Para isso, a ainda princesa renunciou aos seus direitos ao trono grego e converteu-se ao catolicismo. Em julho de 1969, o ditador nomeou Juan Carlos como o seu sucessor.

Ao longo da década de 1960, o casal teve três filhos, Elena, Cristina e Felipe. Foi aí que, segundo especialistas e funcionários da Casa Real, o casal começou a distanciar-se, uma vez que estava já cumprido o dever de dar um herdeiro à Coroa.

Pilar Eyre conta na revista Lecturas que tanto Juan Carlos como Sofía descreveram o casamento como um conto de fadas, «quando na verdade foi uma história de terror».

Também por conta da atitude da rainha Federica: «Ela tratou a família do noivo com imenso desprezo e arrogância e repetia continuamente: ‘Você, Juanito, não é ninguém’», revelou. «Tinham de pagar as passagens de avião, hospedavam-nos num hotel de segunda categoria e, sempre que Don Juan entrava em algum lugar, em vez de tocar a ‘Marcha Real’, que era apropriada, tocavam ‘Paquito el Chocolatero, o que era muito ridículo», detalhou ainda a jornalista.

Terminada a grande cerimónia, o casal retirou-se para o iate emprestado pelo milionário grego Starvos Niarchos para a viagem de lua-de-mel. Segundo Eyre, começou outro pesadelo. Dias antes, Don Juan Carlos havia quebrado a clavícula enquanto praticava karaté, o que causou uma ferida que se abriu e infetou no final do grande dia. Aparentemente, foi Sofia quem cuidou dele. «Afirmam que o príncipe, apesar de tudo, se esforçou, porque o dever para com a instituição e a obediência ao pai estavam acima de tudo. Foi por isso que ele se casou com Sofia!», realça a jornalista. «Quando tiveram o tão esperado herdeiro masculino, pararam de se esforçar».

De acordo com o El País, nestes últimos três anos as filhas do rei emérito, as infantas Elena e Cristina, deslocaram-se várias vezes a Abu Dhabi para ver o pai. Mas Sofia não o fez.

Em março de 2022, depois da Procuradoria do Supremo Tribunal Federal ter arquivado a tripla investigação que mantinha aberta sobre o rei emérito e a sua fortuna, o ex-monarca enviou uma nova carta a Felipe VI a anunciar que continuaria a viver em Abu Dhabi, onde, segundo ele, encontrou «tranquilidade». E, mais uma vez, não voltou a explicar de que forma essa decisão afetaria Sofia ou o casamento.

Desde que Juan Carlos decidiu autoexilar-se, o casal poucas vezes se encontrou. Segundo o El País, só em maio de 2022, nove dias depois de terem passado os 60 anos de casamento separados e sem celebrações, Juan Carlos e Sofia partilharam um almoço privado no palácio da Zarzuela. O encontro aconteceu depois de o rei emérito ter participado numa regata em Sanxenxo, na Galiza, e pouco antes de regressar a Abu Dhabi.

Em setembro, apareceram juntos em público no funeral da rainha Isabel II de Inglaterra, em Londres. Nessa altura, sentaram-se na Abadia de Westminster junto de Felipe e Letizia e compareceram a uma receção no Palácio de Buckingham. Em janeiro deste ano encontraram-se novamente no funeral de Constantino da Grécia, irmão da Rainha Sofia, em Atenas.

No ano passado soube-se que, a dada altura, Sofia viajou para a Índia para se refugiar no colo da sua mãe quando tomou conhecimento das infidelidades do seu marido. Segundo a jornalista Pilar Eyre, o divórcio passou pela sua cabeça, mas Frederica da Grécia conseguiu dissuadi-la. “Não o abandones nunca, não deixes de ser rainha…», aconselhou-a. E a emérita obedeceu.

‘A vergonha da Espanha’

Apesar de durante anos se ter mantido o silêncio em torno de todas as traições do rei, que chegava a sair da Zarzuela de mota para não ser reconhecido, é do conhecimento geral que Juan Carlos teve pelo menos dois relacionamentos fora do casamento. Um deles nos anos 90 com Marta Gayá, a quem chamava «my girl», que foi revelada quando vários áudios gravados pela CNI (os serviços secretos espanhóis) foram partilhados, embora em Maiorca, cidade natal da decoradora, toda a alta sociedade parecesse saber do romance.

Sobre Corinna zu Sayn-Wittgenstein, o outro amor do rei, tem-se falado muito. Em especial depois do escândalo da caçada ao elefante em que participaram juntos no Botsuana, e que levou a atriz Brigitte Bardot a dizer:«É indecente e indigno de uma pessoa da sua importância. O senhor não vale mais que os caçadores ilegais que roubam e saqueiam a natureza. Você é a vergonha da Espanha».

Aos poucos, foi pingando para o domínio público como Juan Carlos tinha dado milhões de euros à amante dinamarquesa (fala-se de um valor na ordem dos 65 milhões) e como passava temporadas inteiras numa casa dentro do complexo El Pardo.

Claro que a elegante princesa nunca passou despercebida às câmaras dos fotógrafos que acompanhavam o então monarca espanhol. O casal estava sempre junto, mesmo em eventos no estrangeiro. E foi precisamente quando os espanhóis começaram a aperceber-se disso que o até então herói nacional – a quem o país deve uma transição harmoniosa da ditadura para uma democracia – começou a cair em desgraça. Também a amante ficou chateada ao perceber que não tomaria o lugar de Sofia e que o rei – que entretanto havia abdicado a favor de Felipe – nada mais lhe tinha para dar.

Em dezembro de 2020, os advogados de Corinna puseram uma ação judicial num tribunal de Londres contra o antigo amante da empresária, a quem ela acusa de assédio e de a ter mandado espiar. Segundo Corinna, Juan Carlos terá chegado a ameaçá-la num quarto de hotel com estas palavras:«Se não seguires as instruções, poderás morrer num túnel como a princesa Diana».

Cercado de suspeitas, processado pela mulher com quem viveu anos de uma paixão intensa, atingido pela indiferença da rainha e desacreditado perante a opinião pública espanhola, afinal é o antigo rei quem poderá acabar mal.