O Governo a brincar com a vida alheia

O primeiro-ministro afirmou-se politicamente, mas e os portugueses? Haverá preocupação em saber como ficam? Os portugueses parecem estar na base da cadeia alimentar.

Por Francisco Gonçalves

Na terça-feira, 2 de maio, os utilizadores da linha amarela do metropolitano de Lisboa foram surpreendidos com os efeitos das obras da mesma. O aviso das obras teve a antecedência necessária, os seus efeitos é que não foram devidamente preparados. Os comboios foram reduzidos a poucas carruagens, sem que se tivesse aumentado a frequência de passagem dos mesmos e sem as correspondentes substituições por autocarros. Resultado: manhã caótica, sem melhoras nos dias seguintes.

No mesmo dia, na mesma manhã, o que estava a tutela do metropolitano, o ministro das Infraestruturas, a fazer? Estava em reunião com o primeiro-ministro, ao que se sabe para apresentar demissão, na sequência de problemas com o despedimento da ex-CEO da TAP, que redundaram em cenas impróprias para um gabinete governamental.

O primeiro-ministro, quando recusou a demissão do ministro, apontou a responsabilidade ao adjunto, procurando fazer esquecer o processo que levou até às alegadas agressões.

Se seguirmos a narrativa de António Costa, no obituário do Governo constará, no futuro, que a causa da morte terá saído do ‘Cluedo’: «Foi o adjunto, com uma bicicleta no Ministério das Infraestruturas».

Todavia, adjuntos não matam governos, são estes que se vão matando. Morrem por dentro, com ajuda do partido.

O presidente do partido socialista, Carlos César, deu a tática: uma remodelação governamental, para substituir os ministros que não têm estado à altura «das nossas expetativas». Ao fazê-lo, deu também a oportunidade de afirmação de liderança do chefe de Governo, que assim contrariou o Presidente da República e o presidente do seu partido.

O primeiro-ministro afirmou-se politicamente, mas e os portugueses? Haverá preocupação em saber como ficam? Os portugueses parecem estar na base da cadeia alimentar.

Grande parte dos ministros parece passar um pedaço considerável do seu tempo a cometer erros políticos, outro tanto na defesa pública da má utilização da ‘semântica’, e o remanescente a criar dificuldades aos ministros que efetivamente querem trabalhar. Há ministros que estão a trabalhar. Se não se nota é porque há outros que estão lá a atrapalhar.

A ministra da Habitação que, na última semana, promoveu a aprovação de uma resolução do conselho de ministros, para alteração da Lei dos Solos, permitindo a libertação de solos rústicos para habitação pública. Uma medida corajosa, que contrariou as vozes radicais de dentro e de fora do Governo, e que veio ao encontro do defendido pelo presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Isaltino Morais – até agora a única voz verdadeiramente preocupada com a dignidade das famílias com menos recursos.

O ministro da Economia, que parece vir a defender-se de um excesso de exposição pública inicial, que tanto desagradou ao aparelho socialista e que, aos poucos, vai lançando a mudança para uma economia portuguesa mais dinâmica, que ponha Portugal efetivamente a crescer.

Outros casos, como os da ministra dos Assuntos Parlamentares, do ministro da Saúde ou do ministro da Administração Interna, provam que nem tudo vai mal. Aliás, provam que quando os governantes não estão preocupados com a manipulação da verdade ou com lutas internas, é possível não ‘brincar com a vida alheia’.

António Costa disse que «não tinha metido os papéis para a reforma». Alguns ministros parecem não acreditar. Pela forma como agem, em guerrilha interna, minando os colegas de Governo, parecem crer que Costa é uma questão de tempo.

Manter o ministro das Infraestruturas foi uma demonstração de força. Todavia, se não fizer uma remodelação que resolva a guerra civil do seu partido, esta foi a vitória de Pirro e o dia que meteu mesmo os ‘papéis da reforma’.