O eterno guardião das balizas

Petr Cech deixou a reforma dourada do futebol e voltou a colocar o capacete para brilhar nas balizas de hóquei no gelo! É a estrela dos Chelmsford Chieftains, que jogam na segunda divisão inglesa, e está a concretizar um sonho de infância.

por João Sena

Esteve 20 anos no futebol ao mais alto nível como guarda-redes da seleção checa e do Sparta da Praga, Rennes, Chelsea e Arsenal. Em 2004 fez parte do dream team do Chelsea de José Mourinho, onde teve uma carreira de sucesso e uma grave lesão. Petr Cech sofreu uma fratura craniana na partida contra o Reading em 2006 e foi submetido a uma delicada cirurgia – soube-se mais tarde a lesão quase lhe custou a vida. Esteve três meses a recuperar e quando voltou a jogar fê-lo com um capacete de proteção na cabeça, tipo râguebi, que manteve até final da carreira. Cech ganhou quatro títulos na Premier League, duas Taças de Inglaterra, cinco Taças da Liga pelo Chelsea, recebeu quatro Luvas de Ouro, troféu que premeia o melhor guarda-redes do campeonato, por dois clubes diferentes (Chelsea e Arsenal) e detém o recorde de mais jogos (24) sem sofrer golos na Premier League. A nível europeu, ganhou a Liga dos Campeões em 2012 e, no ano seguinte, a Liga Europa, vencendo na final o Benfica. Em 2015, transferiu-se para o rival Arsenal, onde se manteve até 2019. Quando se fala do melhor guarda-redes de todos os tempos da Premier League, muitos especialistas afirmam que é uma conversa entre Petr Cech (Chelsea e Arsenal) e Peter Schmeichel (Manchester United), e não andam longe da verdade. Voltou para o Chelsea como consultor para a performance, mas viria a abandonar o cargo com a entrada do novo proprietário Todd Boehly.

 

Paixão pelo hóquei no gelo

O futebol surgiu na vida de Petr Cech por mero acaso como afirmou ao jornal britânico Daily Mail. «Em criança queria ser jogador de hóquei no gelo no Viktoria Plzen. Quando via os guarda-redes com o equipamento, as proteções e as luvas, isso dizia-me algo. Mas a minha família não tinha possibilidade de comprar todo o equipamento, por isso o meu pai levou-me para o futebol», confidenciou Cech, que acrescentou «não me levem a mal, eu adoro futebol, mas, ao nível do jogo, sinto que ser guarda-redes de hóquei no gelo é mais divertido. Quando estás no balneário tens as brincadeiras habituais, mas a pressão é completamente diferente. Isto é mais divertido do que a Liga dos Campeões, em tudo».

O seu amor pelo hóquei no gelo manteve-se sempre vivo. Depois de ingressar no Chelsea começou a assistir aos jogos do Guildford Flames, que se realizavam a curta distância do centro de treinos dos blues, em Cobham.

Em outubro de 2019 saiu da reforma e assinou contrato com uma equipa amadora de hóquei no gelo como guarda-redes do Guildford Phoenix, que disputava a terceira divisão. «Após 20 anos como futebolista profissional é uma experiência maravilhosa praticar um desporto de que sempre gostei e acompanhava quando era criança», afirmou. Aos 37 anos, foi considerado o melhor em campo no jogo de estreia ao defender o penalti que garantiu a vitória. O guarda-redes fez ainda questão de frisar «se temos um sonho devemos fazer tudo para o realizar. Fiz isso no futebol e agora no hóquei, todos os meus sonhos se tornaram realidade, mas trabalhei muito para isso». A presença de um dos melhores guarda-redes do mundo teve enorme impacto na cidade de Guildford. Os jogos dos Phoenix tinham uma assistência de cerca de 90 pessoas, no jogo de estreia uma ‘multidão’ de mais de 900 adeptos deslocou-se ao pavilhão para ver a nova estrela da equipa. Na primeira divisão a média é de 3000 espetadores por jogo.

Quase todos os guarda-redes de hóquei no gelo têm capacetes com uma decoração própria e Cech não é exceção. Decidiu homenagear os dois clubes londrinos que representou usando um capacete com as cores azul e vermelha do Chelsea e do Arsenal. Passou também a usar o número 39 em homenagem a Dominik Hasek, ex-guarda-redes checo, que ajudou seu país a conquistar a medalha de ouro nas Olimpíadas de 1998.

 

O vício de ganhar

No final de 2022 mudou-se para os Chelmsford Chieftains. «Estou empolgado pelo novo desafio e quero ajudar a equipa a atingir os seus objetivos», frisou na apresentação. É semiprofissional, mas já teve a oportunidade de jogar com a elite da NHL (campeonato americano) num jogo treino contra o Chicago Blackhawks «enfrentar os melhores jogadores do mundo foi uma experiência inesquecível para mim. Concretizei um sonho de infância», referiu.

Com uma carreira repleta de êxito, aos 40 anos o guarda-redes mantém um notável espírito competitivo: «Ainda tenho grande vontade de jogar e ganhar. Detesto perder. É a mesma sensação que eu tinha quando jogava futebol», afirmou recentemente.

Embora seja novato na modalidade, Cech tem sido fundamental na equipa, a experiência e mentalidade vencedora contagiaram e motivaram os colegas ao ponto do capitão de equipa, Callum Burnett, ter afirmado «é uma pessoa muito interessante e integrou-se bem no grupo, é uma honra ter alguém com tanto prestígio na equipa. O hóquei no gelo é um desporto muito emocional e ele transmite calma e passa palavras de sabedoria que todos apreciamos. Entendemos o seu passado e ele entendeu que este é um desporto muito diferente do futebol, mas faz bem o seu trabalho. Nos últimos jogos foi impressionante, por isso estamos felizes por tê-lo na equipa e confiamos nele». O Chelmsford Chieftains esteve nos playoffs da principal liga da região sul da British National Ice Hockey League onde terminou na quinta posição.

Há mais vida para além do desporto. Petr Cech não é homem para ficar parado à espera do fim de semana para assistir a sessões contínuas de futebol e comer pipocas. Pelo meio concluiu o MBA em Administração de Empresas, no Longford International College, e toca bateria, além de ser grande fã da banda de rock norte-americana Foo Fighters.