Zangam-se as comadres…

Costa jogou forte, mas perdeu o jogo. E saiu diminuído, com lesões difíceis de cicatrizar, depois de tentar pôr Marcelo em xeque, que foi o seu melhor ‘chapéu de chuva’…

Foi preciso um Galamba menor, instrumentalizado por António Costa, para Marcelo Rebelo de Sousa despertar para a verdadeira natureza do primeiro-ministro e do PS e agir em conformidade, surpreendendo o país – tão habituado aos seus fait divers – com uma das suas melhores – e mais singulares – intervenções enquanto Presidente da República.

Sem demitir o Governo nem dissolver a Assembleia, o Presidente demonstrou, finalmente, ter o nervo bastante para encostar o chefe de Governo ‘às cordas’, e mantê-lo de agora em diante sob vigilância apertada, refém da sua ‘consciência’, a artimanha inventada tal como a anterior ‘geringonça’, para transmitir a ideia de ser ‘dono’ do poder. 

Costa jogou forte, mas perdeu o jogo. E saiu diminuído, com lesões difíceis de cicatrizar, depois de tentar pôr Marcelo em xeque, que foi o seu melhor ‘chapéu de chuva’, incansável ao aparar as incontáveis peripécias em que a sua governação tem sido fértil. 

O regime precisava deste reequilíbrio de forças, e Marcelo do desafio altivo de Costa, num gesto gratuito e mal calculado nas despedidas do ‘posso, quero e mando’.

O semipresidencialismo tem essa virtude, como Mário Soares cedo percebeu, ao lançar a partir de Belém as suas ‘presidências abertas’, que bastante molestaram Cavaco, então primeiro-ministro.

Doravante, a relação de Marcelo com Costa, será devidamente escrutinada pelos media, que nunca falham um bom desaguisado. A forma como decorreu o reencontro de ambos em Espanha, na cerimónia em que António Guterres recebeu das mãos do Rei Felipe VI o Prémio Europeu Carlos VI, foi já um sinal. 

As imagens mostraram um Costa sorridente, tentando reatar a informalidade com Marcelo, e este frio e distante. 

 

A cumplicidade que marcou a crónica relacional entre a Presidência e o Governo ficou pelo caminho com o episódio Galamba.

A maioria dos analistas acredita que nada será como dantes. E o PS teme e com razão, que o seu modus vivendi no exercício do poder, fique ensombrado pela ‘rédea curta’ presidencial, se forem seguidas as pisadas de Mário Soares, quando decidiu desgastar a maioria de Cavaco.

O PS tem tudo a perder com este conflito institucional, e sabe de antemão que vão sobrar os reparos de Marcelo, seja por causa dos professores, do estado da Saúde ou da Justiça, ou da caricatura de Galamba, que anda fugido dos jornalistas como ‘o diabo da cruz’.

Galamba está paralisado no Ministério, em contraste com os dossiês complexos que tem entre mãos, desde a TAP ao novo aeroporto ou à ferrovia.

Numa altura em que a maioria deveria estar empenhada em desencadear um programa de reformas, como fez Cavaco, relançando a economia e potencializando os dinheiros europeus, o Governo não vai além da gestão corrente, mais preocupado em evitar passos em falso, do que em preparar o país para o futuro.

Ou seja: a energia residual neste Governo ‘requentado’ é para lutar pela sobrevivência e não apoquentar as clientelas que dependem dessa mesma sobrevivência.

Foi tão importante e inédita a comunicação ao país do Presidente, como sintomático o silêncio embaraçado do PS e do Governo a seguir à sua intervenção.

Pode Costa querer ‘desdramatizar’ o enterro das boas relações com Belém – como se estas tivessem ficado turvadas apenas por divergências ‘semânticas’ -, e entreter-se a gabar, impudicamente, a suposta eficácia do ainda ministro das Infraestruturas nas greves da CP.

 

Afinal, quem ‘ganhou com o negócio’ foi Luís Montenegro, mais resoluto no papel de líder da oposição, tanto na conferência de imprensa que sinalizou o despautério do confronto de Costa com Belém, como no seu simbólico encontro à mesa com o liberal Rui Rocha.

O conflito Belém-São Bento veio reforçar a urgência de uma alternativa, cujo pêndulo parece agora inclinar-se para a direita.

A ‘crise Galamba’ ofereceu ao Presidente uma boa oportunidade para reverter o plano inclinado em que se afundava a sua influência, perante a embriaguez socialista do poder absoluto. 

Mas não haja ilusões. O ‘estado maior’ do PS, vai procurar enfraquecer Marcelo com manobras de bastidores.

Conta, à partida, com o desvelo (e o megafone) de Augusto Santos Silva, a segunda figura do Estado ‘a que isto chegou’, que apostou em alcançar Belém à custa da cadeira que ocupa no hemiciclo de São Bento.

É improvável que o consiga, por muito que queira ser o candidato oficial do PS, “às cavalitas” do Chega e de André Ventura. Sendo, talvez, o mais ‘socrático’ dos políticos no ativo, Santos Silva tudo fará para ‘levar a água ao seu moinho’.

Aliás, tanto Santos Silva como João Galamba são duas faces da mesma moeda ‘socrática’. E oxalá o eleitorado esteja, lentamente, a perceber o sarilho em que se meteu.

Pelo menos Marcelo acha que sim, que «os portugueses perceberam». E quando se ‘zangam as comadres’…