“João Galamba, claramente, tentou enganar-nos”

Luís Aguiar-Conraria diz que ‘está na altura de começarmos a ser otimistas’ e lembra que ‘o improvável aconteceu, não houve uma recessão em Portugal’.

O economista dá cartão vermelho ao Governo, no que diz respeito à introdução do IVA zero em determinados alimentos, alegando que seria preferível usar essa verba para reforçar outros apoios que dessem dinheiro realmente às pessoas, já que é uma medida que ajuda tanto os mais pobres como os mais ricos. Já em relação ao aumento das reformas, não hesita: «É claramente uma decisão política de não perder eleitorado dos reformados». Luís Aguiar-Conraria, que foi contra a renacionalização da TAP, o pagamento de indemnização a David Neeleman para sair da empresa e à injeção de 3,2 mil milhões de euros, mostra-se «chocado com o desleixo» e defende que os «pressupostos necessários para um despedimento com justa causa na TAP não se verificaram». Ainda assim, lamenta a forma como Christine Ourmières-Widener geriu a companhia de aviação. Quanto ao papel de João Galamba em todo este processo, afirma que, «se tivesse sido honesto a dizer que tinha estado ou que tinha preparado a reunião, todos os escândalos que vieram a seguir teriam sido irrelevantes». E defende que o mais grave neste caso é a questão do SIS. «Se atuou favorecendo o Governo, o regular funcionamento das instituições está em causa». Já quanto à relação entre o Presidente da República e o primeiro-ministro, admite que está ‘tremida’, mas que não há outra solução. «Costa tem consciência que quando as sondagens derem uma maioria ou a uma possibilidade de vitória a um Governo alternativo com quem o Presidente simpatiza, as eleições serão convocadas nesse momento». E pede ao PSD para definir a sua ligação com o Chega.

Como vê a economia portuguesa? Portugal continua a ser ultrapassado pela maioria dos países de Leste. Como se costuma dizer, é poucochinho…

É um facto que continuamos a ser ultrapassados, mas também é um facto que continuamos a ser ultrapassados por países que têm populações muito mais qualificadas do que a nossa. E, de certa forma, isso não nos deve surpreender, pois a partir do momento em que vivemos no mesmo espaço económico é difícil que países com trabalhadores com qualificações mais altas do que os nossos ganhem pior do que os nossos. A tendência é esta. Mas também acho que há uma explicação histórica para estamos a ser ultrapassados por todos esses. Parece-me que está na altura de começarmos a ser otimistas. O desempenho dos últimos anos foi bastante bom, incluindo os últimos dados que temos relativamente a este primeiro trimestre. Também as previsões do FMI para este ano são bastante mais otimistas, até mais do que as do Governo, que já eram otimistas.

Geralmente até é o contrário, o Governo é que costuma ser o mais otimista…

Exato, e as perspetivas do Governo já eram otimistas: 1,8%. Se ficar algures entre as do Governo e as do FMI já é muito bom; então, se o FMI acertar, será fantástico: 2,6% era a taxa de crescimento que tínhamos antes da pandemia em 2019 e, por isso, digo que está na altura de começarmos a ser otimistas. O motivo principal para estar assim é porque vejo agora que a sucessão de gerações no mercado de trabalho nos permite aproximar dos níveis de qualificação do resto da Europa. Isto porquê? Porque ao nível de jovens já estamos acima da média europeia – no que toca ao número de percentagem de licenciados, por exemplo.

Vê-se isso nos últimos dados do censos, em que nunca tivemos as gerações novas com tanta formação…

Nunca foram tão bem formados como agora, mas, mais do que isso, estamos acima da média europeia, enquanto as gerações mais velhas estão muito abaixo da média europeia. E cada ano que passa temos pessoas que vão para a reforma, que são em média pouco qualificadas, enquanto as pessoas que entram no mercado de trabalho são, em média, bastante mais qualificadas. A única nota de pessimismo é o facto de haver tantos jovens a emigrar. Mas penso que o facto de as qualificações médias da população ativa portuguesa estarem a aumentar e a convergir tão rapidamente com a Europa comece a fazer efeito. Espero que estes 2,6% não sejam só um fogacho e que seja o início de qualquer coisa mais estrutural. E há outros indicadores, o peso das exportações é bastante maior do que era há dez anos, o que sugere que está a haver uma transformação estrutural da nossa economia. E também começa a haver mais investimento direto estrangeiro e isso traz consigo aumentos de produtividade, novas formas de produção e métodos de gestão mais eficientes. Neste momento, não estou assim tão pessimista como se calhar a maioria das pessoas.

Costa Silva disse que por norma não gosta de endeusar o FMI, porque diz que raramente acerta nas projeções…

Mas acho que Costa Silva tem razão. No entanto, é uma previsão, só no final do ano é que saberemos se crescemos ou não. Para já, o que temos é uma previsão de uma instituição que está a rever a sua previsão anterior. Antes previam 1% de crescimento e agora reviram para 2,6%. Podemos interpretar isto de duas formas: uma, é que realmente a economia portuguesa está ótima; outra, é que não têm jeito nenhum para fazer previsões e que se enganam. Acho que a atitude do ministro é a correta. Mas, mesmo com base nos dados que temos, não falando de previsões, mas tendo em conta os dados relativos ao crescimento de Portugal no primeiro trimestre e até durante todo o ano passado, foi surpreendentemente bom. Se há mais de um ano me tivesse perguntado com a subida do preço do petróleo, do preço do gás e dos preços cereais se seria possível evitar uma recessão? Teria dito que era possível, mas que era altamente improvável. E o improvável aconteceu, não houve uma recessão em Portugal. Portugal nunca deixou de crescer em termos reais. Às vezes, as pessoas pensam que quando se diz que o PIB cresce 2% a inflação cresceu mais. Não, não. Estamos a falar de crescimento real, de crescimento das quantidades produzidas já depois de descontados os efeitos da inflação. O bolo que Portugal produz anualmente nunca deixou de crescer. Cresceu o ano passado e, para já, este ano parece continuar a crescer. Acho que o desempenho recente, não quero dizer notável, porque se calhar é um exagero, mas é muito bom.

A OCDE também disse que somos o segundo país em que o rendimento das famílias mais cresceu em 2022…

Objetivamente, em 2022, o rendimento real das famílias caiu. A inflação foi superior à subida dos salários e da generalidade dos rendimentos.

Por outro lado, temos o aumento da taxa de desemprego…

É verdade que a taxa de emprego subiu para 7,2% e que tem vindo a subir, mas, muitas vezes, este indicador por si só é enganador, porque é definida sempre em função da população ativa e, muitas vezes, o conceito de desempregado é diferente do conceito que as pessoas têm na sua cabeça. As pessoas pensam que desempregado é alguém que não tem emprego. Mas não é. O conceito estatístico de desempregado é alguém que não tem emprego, mas que está à procura de emprego. E se, por qualquer motivo, começar a haver mais pessoas à procura de emprego, pessoas que antes não tinham emprego, que estavam acomodadas, que tenham deixado de procurar emprego e agora começaram à procura é possível que a taxa de desemprego aumente, ao mesmo tempo que a população empregada também sobe. É possível as duas coisas acontecerem: aumentar o emprego e aumentar o desemprego. Logo, esta subida do desemprego não indica, pelo menos para já, um abrandamento da atividade económica, porque o número das pessoas empregadas também aumentou. A população empregada aumentou em 21 mil. Neste caso, o aumento da taxa de desemprego é um indicador enganador.

Mas os partidos da oposição reagiram de imediato, alegando que as contas de Fernando Medina não estão assim tão certas…

Cada partido tem de fazer o seu trabalho. Não tenho nada contra os partidos da oposição chamarem a atenção para a subida da taxa de desemprego e que o partido do Governo chame a atenção para a atividade económica da população empregada, em que cada um puxa a brasa à sua sardinha. Em relação ao desempenho da economia portuguesa, para já, esta subida da taxa de emprego não parece que conteste o que disse. Pode ser é indicador de outra coisa – e aí é mau indicador –, é que as pessoas, por causa da perda de poder de compra, em que havia pessoas que até aqui estavam numa situação acomodada, agora começaram à procura de emprego porque têm de ajudar a família. Imagine um estudante universitário que antes era só estudante universitário e agora ,como a sua família está a viver com mais dificuldades, está à procura de emprego. É possível que isso aconteça e este aumento das pessoas empregadas pode ser na mesma um indicador do aumento das dificuldades das famílias.

E a carga fiscal continua a ser nosso calcanhar de Aquiles. Costa Silva também disse que era preciso rever a carga fiscal…

Este ano e no ano passado cresceu muito, o que é difícil de compreender quando as famílias estão em dificuldades. Mas há sempre dois lados: um, é o facto de termos impostos muito elevados, o que nos torna menos competitivos e facilita, por exemplo, a emigração dos jovens, porque, se tiverem ordenados de dois ou três mil euros, a fiscalidade é tão grande que se calhar será mais fácil ir ganhar os tais três mil euros lá para fora, porque não só ganham mais como depois pagam muito menos impostos. Depois, há também o outro lado que é o de termos ainda uma dívida pública muito elevada e enquanto não estiver mais baixa nunca irei defender – a não ser que mude de opinião, claro – descidas agressivas de impostos. Acho que é um risco elevado. Para já, tem corrido bem, mas houve uma altura em que houve uma verdadeira preocupação, quando as taxas de juro em Itália começaram a subir, o Banco Central a ter de intervir e, nessa altura, não sabíamos se as coisas não iriam correr para o torto e se corressem para o torto com a Itália também iria correr mal para Portugal. Esses riscos existem porque as dívidas públicas são muito elevadas. Mas ainda sobre a fiscalidade há outra questão, de que pouca gente fala: uma coisa é o nível de impostos, outra é a complicação do sistema fiscal. Se conseguíssemos manter o nível de impostos, mas simplificando bastante o sistema fiscal já seria um ganho enorme. As grandes empresas gastam muita energia, muitos recursos em tarefas não produtivas, simplesmente a fazer a otimização fiscal. E esta otimização fiscal existe porque os impostos são tão complicados que vale a pena pagar bastante a advogados, contabilistas e fiscalistas para encontrarem forma de pagar menos impostos.

E há sempre a tentação de fuga…

A questão da fuga existe como é evidente, não sou eu que vou dizer que não há, mas, mesmo sem haver fuga, o sistema fiscal é tão complicado e todos queremos pagar o menos possível. Se pudermos abater legalmente uma determinada despesa no IRS, abatemo-la. Mesmo sem haver fuga, uma empresa bem gerida vai pagar muito menos impostos do que uma empresa mal gerida do ponto de vista fiscal.

Mas isso implica fazer as famosas reformas, que têm tido sempre grande resistência, não só deste Governo, mas de todos os outros…

Tem havido uma enorme dificuldade em fazer reformas. Qualquer alteração que seja feita no nosso sistema fiscal é sempre para complicar, nunca é para simplificar. Por exemplo, agora quando se introduziu o IVA zero. Se já antes tínhamos um sistema fiscal complicado de três taxas de IVA diferentes, agora passámos a ter quatro e passámos a ter processos em tribunal. Só esta questão do IVA zero tem um impacto nos tribunais tremendo, pois há imensas empresas que não concordam com a categoria em que as finanças põem os seus produtos e vão para tribunal contestar.

Ainda por cima quando temos os tribunais entupidos de processos e com uma justiça lenta…

Os nossos tribunais têm muitos processos desses e há coisas tão simples como, por exemplo, comprar flores para um funeral é diferente se forem compradas dentro de uma casa funerária ou se forem compradas numa loja. Outro caso, o iogurte tem IVA zero, obviamente os chocolates não têm, mas como é que fica um iogurte com pepitas de chocolate? Por acaso, acho que puseram no nível zero, mas se isso não tivesse acontecido, essas empresas estariam neste momento em tribunal a exigir a devolução do IVA. Isto é inevitável e por mais bem feita que seja a lista, estas situações de fronteira são inevitáveis. Imagine uma empresa que durante seis meses está a pagar IVA 13% sobre os iogurtes e acha que deve pagar zero então o dinheiro que poderia recuperar se conseguisse ganhar o processo em tribunal seria elevado, mesmo que espere um ou dois anos, mesmo estando a gastar os seus recursos e os recursos do país. Um sistema fiscal mais simples, mesmo que mantivesse as receitas seria o ideal.

Um sistema fiscal mais amigo…

Quando se diz mais amigo costuma-se querer dizer impostos mais baixos. Mesmo que as receitas fossem as mesmas só sendo mais simples já era bom. Era uma boa reforma para se fazer, mas as reformas fiscais são muito difíceis.

Em relação ao cabaz com os produtos a IVA zero, o impacto visível é praticamente nulo…

Nota-se em algumas coisas, como é evidente, mas reduzir de 6% para zero não é nada de especial. Mesmo que a medida funcione bem terá um impacto de umas décimas na inflação, porque as pessoas não se limitam a comprar aqueles 40 e tal produtos. O impacto é pequeno, não há como negá-lo. E acho que o Governo tinha a perfeita noção disso e, por isso, resistiu tanto tempo a implementar esta medida.

Acabou por ser uma medida populista…

Custa-me um pouco culpar o Governo, porque havia imensos comentadores e imensos partidos a exigirem a descida do IVA zero nuns quantos produtos. Quantas vezes nas entrevistas em televisão sempre que falava mal da possibilidade de baixar para IVA zero, os jornalistas falavam-me do caso de Espanha. Houve tanta gente a exigir isso do Governo que agora quase parece batota dizer que o Governo está a ser populista. Mas, considerações dessas à parte, acho que é uma medida populista, é uma má medida, quer funcione quer ou não. E é uma má medida com efeitos económicos perniciosos, que não devia ter sido adotada. O dinheiro que gastam nessa medida seria muito mais bem utilizado se fosse usado para reforçar outras medidas que são razoáveis, como o de dar diretamente dinheiro às pessoas.

Como reforçar o apoio às rendas ou no crédito à habitação, por exemplo?

Se estivermos a falar de apoios com montantes mais elevados sabemos que vão para as pessoas que precisam. A medida da descida do IVA zero, segundo as estimativas apresentadas, custa cerca de 500 milhões de euros. As pessoas mais pobres compram os produtos essenciais, mas as mais ricas também. Os mais ricos também comem arroz e se calhar comem arroz basmati ou outros mais caros, enquanto os mais pobres compram arroz de marca própria dos supermercados, porque são os mais baratos. Tudo isto faz com que as pessoas mais ricas beneficiem mais face à maioria dos portugueses que está com dificuldades. Isso não faz sentido e já nem é uma opinião económica, é quase uma opinião ética ou moral ou política. Não consigo compreender por que é que não se dá o dobro do dinheiro em medidas como aquela dos 30 euros que são pagos. Essa medida também custa cerca de 500 milhões de euros, ou seja, tem um custo semelhante, então por que é que não se dá o dobro e não existia nenhum IVA zero? Ou então alargar um bocadinho a aplicação da medida, em vez de atingir um milhão e tal de famílias e cerca de três milhões de pessoas passasse a apoiar quatro ou cinco milhões de pessoas.

É como o caso das pensões que vão aumentar 3,57%, mas para todos. Isto é, quem tem uma reforma mais alta será naturalmente mais beneficiado…

Aí é claramente uma decisão política de não perder eleitorado dos reformados, nem sequer há considerações económicas a fazer.

Acha que vai ser necessário o Governo avançar com mais apoios?

Idealmente não e idealmente nem seria necessário. Vamos pôr dois cenários. Um, é que a inflação vai descer e se isso acontecer então, naturalmente, esses apoios têm de ir acabando ou mantém-se até meados do próximo ano, mas depois acabam-se com eles. Mas, se a inflação não descer, se continuar persistente, como acho que vai ser – e aí estou em minoria, porque a maioria dos economistas acha que a inflação vai descer de forma relativamente rápida e para o ano já estaremos nos 3% –, a verdadeira solução é os salários acompanharem a inflação. Essa é que é a solução, não é haver apoios temporários. Se a inflação é um problema estrutural, não pode ser combatido com medidas conjunturais que duram seis meses ou um ano. Isto é, se a inflação é alta, os salários têm de subir. Se isto vem para ficar, a solução não pode passar por soluções temporárias. Pergunta-me: é possível de fazer e é exequível? A resposta é: sim, porque o PIB real, ou seja, descontando os efeitos da inflação nunca deixou de crescer. No ano passado cresceu um bocadinho e pelos vistos este ano vai crescer bastante. Se o tamanho do bolo está a crescer, não há nenhum motivo para as fatias que cabem aos trabalhadores diminuírem. E a verdade é que os salários têm subido, apesar de não acompanharem exatamente a inflação, mas têm subido. E os salários no setor privado têm subido bastante mais do que no setor público, por exemplo.

Mário Centeno sempre recusou os aumentos salariais para combater a subida da inflação, considerando que iria criar uma espiral inflacionista…

Percebo o argumento de Mário Centeno e acho que faz sentido. Em primeiro lugar, percebo o dilema. Em segundo lugar, acho que faz mais sentido no pressuposto de que a inflação é temporária e é nesse pressuposto que Mário Centeno está a trabalhar, pensa que é um sacrifício que se faz este ano, uma vez que no próximo ano a inflação vai baixar. Alguém que acredite, como eu acreditava nas projeções anteriores, que no fim deste ano a inflação já está nos 3%, alguém que trabalha com esse pressuposto, isso é compreensível, porque é visto como um sacrifício de curto prazo que está a ser pedido. No entanto, como não trabalho com esse pressuposto, como parece que a inflação não vai descer assim tão depressa, não vejo outra alternativa que não a de aumentar os salários de acordo com a inflação. E tenho consciência de que o que estou a dizer vai implicar uma diminuição mais lenta da inflação, mas a culpa foi dos banqueiros centrais que demoraram imenso tempo a subir as taxas de juro e a combater a inflação e a reconhecerem que a inflação era um fenómeno permanente e não temporário. Andavam com aquelas brincadeiras a dizer que a inflação resultava do choque da oferta e que assim que passasse a inflação descia. E andámos um meio ano com esta conversa. Foram eles que falharam.

Mas agora o BCE não tem dado tréguas nas subidas dos juros…

Estamos tão atrasados que as nossas taxas de juro estão nos 3,5%, enquanto nos Estados Unidos já está acima dos 5%. Neste momento, as taxas de juros nos Estados Unidos já estão acima da inflação, enquanto na Europa estão cerca de 3,5% abaixo da inflação. Houve um enorme atraso do BCE e o facto de a inflação ter passado de temporária a permanente foi por erro deles ou também por erro deles. E agora também não há muito a fazer.

Voltando aos apoios, Fernando Medina disse que eram possíveis porque havia contas certas. Uma expressão que também era muito usada por Mário Centeno. Há uma obsessão pelas contas certas?

Usa-se o termo ‘contas certas’ como sinónimo de descida da dívida pública ou descida do défice, porque contas certas no sentido de se acertar com as contas não é, porque ele erra. Mas mil vezes errarem e o défice ser mais baixo do que ser mais alto do que o previsto. No entanto, enquanto tivermos uma dívida pública acima de 70 a 80% do PIB – e está acima dos 100-– não vou ser eu que me vou queixar de um Governo que está preocupado em manter o controlo da despesa pública.

Ainda temos todos presente a memória da troika…

Claro e só estando no Governo é que teria a perfeita consciência de quanto é que se poderia ajudar. Não questionando a quantidade de apoios que deram, questiono o tipo de apoios. E, em particular, a história do IVA zero que é um desperdício de recursos. Em relação ao total dos apoios não sou eu que os vou criticar.

Em relação à atuação do atual ministro das Finanças é melhor ou pior do que os anteriores?

Do ponto de vista macro e do que podemos ver aqui fora parece-me que todos têm performances mais ou menos semelhantes. Não consigo avaliar mais do que isso.

E como vê o caso TAP que tem abalado o Governo?

Já no final de 2015 era contra a história da renacionalização da TAP. Depois fui contra que se pagasse a David Neeleman para se ir embora, na altura da covid. Deve ter sido dos poucos donos de companhias de aviação que se fartou de ganhar dinheiro nos anos da pandemia. Também fui contra a injeção de 3,2 mil milhões de euros. Se calhar sou um economista muito frio que defende que se uma empresa não é viável e se não é produtiva deve ir à falência.

É o que acontece à maioria das empresas…

É o que acontece a outras empresas, mas enquanto isso não acontece está ali a ocupar um monte de recursos humanos e de capital que podiam ser libertados para outras empresas mais produtivas e com melhores perspetivas de crescimento. Foi feita uma opção política de lá meter os 3, 2 mil milhões e é evidente que uma pessoa fica chocada com o desleixo. Depois de se investir tanto dinheiro público, como é que é possível ser-se tão desleixado no controlo e na gestão daquela empresa? Mas se calhar é pedagógico e ajuda os portugueses a perceberem que não faz sentido que o Estado seja dono de empresas a não ser de setores verdadeiramente fundamentais. Pode ser que sirva de emenda e depois do que aconteceu na TAP, se calhar o que aconteceu na Efacec não teria acontecido se fosse agora. Não foi tão grave como na TAP mas também houve um desperdício de dezenas de milhões de euros e provavelmente se o problema da Efacec tivesse acontecido agora não se teria empatado lá o dinheiro. E se daqui a dois ou três anos tivermos de meter 500 milhões na SATA, se calhar não metemos. Se isto servir de emenda, não vou dizer que valeu a pena, mas ao menos serviu para alguma coisa.

Entretanto, o Governo demitiu por justa causa a CEO e o chairman da TAP, abrindo a porta a eventuais eventuais processos de litigância…

Não sou de direito e muito menos de direito de trabalho. Mas a ideia com que fiquei desde o início foi que os pressupostos necessários para um despedimento com justa causa não se verificaram. Ponto final. E isso tornou-se cada vez mais claro que na hora do despedimento e na definição da indemnização havia uma total coordenação entre a CEO, Christine Ourmières-Widener e o Governo, mesmo que processualmente não tenha feito tudo bem, uma coisa é ter feito coisas erradas processualmente, outra é ter feito as coisas erradas com dolo suficiente para merecer um despedimento com justa causa. Não basta fazer um disparate para ser despedida.

E através de um despedimento público na televisão…

Ainda por cima, em que todos os procedimentos foram errados. Foi um despedimento público, só mais tarde é que o fundamentaram e procuram pareceres. Tudo aquilo foi um disparate. Tenho dificuldades em perceber por que é que teve de ser demitida e mesmo sendo demitida não podia ser feito da forma como foi. Isso é evidente e deveria ter-se garantindo a dignidade das pessoas. Foi despedida de uma forma tão indigna que pôs em causa o seu prestígio enquanto gestora de topo e não tem outra opção que não seja processar o Estado. Se aceita esse despedimento nos termos em que foi feito está a dar um sinal ao mercado internacional que não vale nada como gestora de topo. Ela não pode aceitar isso, não é razoável. Acho que foi tudo bastante mal feito. Agora, isso não é de forma alguma equivalente a dizer que geriu bem a empresa. Vejo vários problemas nas coisas que fomos sabendo, pela forma como se quis ver livre de Alexandra Reis, com aquelas suspeitas relativamente à empresa do marido que foi apresentar um produto para vender à TAP, até como usava os motoristas da empresa. Fico com a ideia de que é uma pessoa que não tinha consciência de que estava a gerir uma empresa que é do Estado, que não é dela e que não pode ter a empresa ao seu serviço, nomeadamente na forma como contrata pessoas com as suas ligações para cargos que uma pessoa não percebe muito bem para que servem. Há uma série de coisas que me deixam desconfiado em relação à sua gestão e de tratar a empresa como se fosse uma empresa familiar, mas daí a um despedimento por justa causa vai uma grande distância, porque um despedimento por justa causa tem que ser muito bem fundamentado. Não pode ser com base nessas coisas que estou a dizer, não é por o marido ter apresentado um produto que pode ser despedida por justa causa. Se a TAP tivesse comprado o produto se calhar sim, mas depois como não comprou ficamos só com a suspeita e com as insinuações que estou a fazer, mas não passa disso.

A saída de Seguro Sanches da presidência da comissão de inquérito à TAP pode pôr em causa os trabalhos?

Espero que não tenha sido essa a estratégia do PS. O ideal é que tivesse sido substituído por alguém de outro partido.

E em relação ao episódio Galamba? É mais um caso a juntar a tantos outros que houve desde que o Governo tomou posse?

Em relação a Galamba também acho que há uma lição a tirar e que poucas pessoas a têm salientado que é, se desde o início tivesse sido honesto, nada de especial se teria passado com ele. E quando estou a falar de ser honesto desde o início estou a falar de quando fez um comunicado a desmentir que tinha sido ele a organizar a reunião entre o grupo parlamentar do PS e a CEO. Hoje, todos sabemos que isso é mentira, porque esteve reunido com a CEO no dia anterior à ida à comissão e que foi ele que sugeriu. Claramente, tentou enganar-nos, mas se tivesse assumido desde o início que tinha sido ele a organizar, que lhe pareceu ser uma prática normal e acrescentasse a seguir um mea culpa a reconhecer que estava errado e que não o tornaria a fazer, nada de especial se teria passado. E todo o escândalo que vem a seguir, do assessor ter tirado ou não notas não tem interesse absolutamente nenhum. Se tivesse sido honesto a dizer que tinha estado naquela reunião ou que tinha preparado aquela reunião, todos os escândalos que vieram a seguir teriam sido irrelevantes. O que é que interessava se o assessor tirou notas ou não ou se divulga as notas ou se não divulga as notas? Toda a avalanche que se seguiu começou com essa mentira inicial. Se tivesse feito aquele comunicado a dizer que era verdade o que o que a CEO disse, que estava nesse cargo há pouco tempo, mas que tinha aprendido e não voltava a acontecer, nada tinha acontecido. Durante uma semana falávamos mal, nas redes sociais e em algumas colunas de opinião. mas ficava o assunto arrumado. Acho que tudo isso é muito pedagógico e é mais uma lição que se pode aprender, que é muito mais fácil dizer a verdade do que mentir. Nem sempre a verdade vem ao de cima, mas mantê-la escondida dá muito mais trabalho do que ser honesto.

E com estes escândalos a relação entre o Governo e o Presidente da República ficou tremida…

Com naquela mentirinha inicial de Galamba e com toda a avalanche que vem a seguir há ali um aspeto da avalanche que é realmente gravíssimo, que é a questão do SIS. Ainda falta apurar, aquela comissão de fiscalização diz que nada de grave se passou mas acho que não convenceram muitas pessoas disso. Se, de facto, o SIS atuou favorecendo um Governo, o regular funcionamento das instituições está em causa. Quando se fala no regular funcionamento das instituições como justificação para mandar um Governo abaixo estamos a falar de coisas gravíssimas e de estar o Estado de Direito e o Estado democrático em causa. E nada do que se passou pôs o Estado de Direito e o Estado democrático em causa, exceto, eventualmente, essa questão das secretas. Vamos ver ainda o que é que se vai apurar. E pode vir a ser complicado para o Governo. Mas também acho que, além disso, Costa tem consciência que quando as sondagens derem uma maioria ou a uma possibilidade de vitória a um Governo alternativo com quem o Presidente simpatiza, as eleições serão convocadas nesse momento.

Até lá Marcelo Rebelo de Sousa não vê nenhuma alternativa…

Uma pessoa olha para as sondagens e vê que é tudo mau. É um Governo PS com uma maioria relativa muito fraquinha, eventualmente sendo o PS mais votado, mas havendo uma maioria de direita no Parlamento, a possibilidade do PSD ficar com maioria mas fica a depender do Chega. Olha-se para as sondagens e não há nenhum cenário que seja bom, o que nos resta é ter esperança que as sondagens estejam erradas. Ou, pelo menos, que as coisas mudem até haver eleições. E, neste momento, é esse o seguro de vida do PS e depois há a história dos reformados, porque o PSD perdeu os reformados, não quer dizer para sempre, mas na altura da troika, com os cortes de pensões, que atingiram tantas reformados, essa faixa do eleitorado ficou com anticorpos fortíssimos contra o PSD. E quando António Costa ensaia aquela tentativa de de cortar as pensões havia a possibilidade de parte desse eleitorado voltar ao PSD, porque agora seria o PS que cortava as pensões e seria o PSD a prometer repô-las. Com este golpe agora de aumentar as pensões mantém esse eleitorado fiel e os reformados representam tantos votos que é muito difícil ganhar as eleições sem esses votos. E esse é um desafio muito grande para o PSD.

E o PSD continua sem ser clara se poderá ou não coligar-se com o Chega…

É ridículo, não tem outro nome. A posição do PSD em relação ao Chega é ridícula. Já quase que digo decidam-se num sentido ou noutro. Quer a decisão num sentido, quer no outro é melhor do que essa indecisão de estarem a dizer que não se coligam com partidos extremistas, racistas e xenófobos e depois quando perguntam se estão a falar do Chega responde que já foi muito claro. E recusam-se a dizer se coligam-se ou não com o Chega. É ridículo. Não faz sentido nenhum. Acho que neste momento qualquer uma das decisões era, do ponto de vista eleitoral, preferível à indecisão com que vivem neste momento. Deram um sinal interessante com o almoço entre Luís Montenegro e o líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha. Aí há um sinal de que claramente, pelo menos, há um parceiro preferencial. Mas isso também já sabíamos. A questão mesmo é saber onde está a linha vermelha e continuamos sem saber onde é que ela está verdadeiramente.