Muxima não é aqui

O primeiro-ministro em vez de fazer política à custa do dinheiro e do esforço dos outros, que assegure também em Portugal os investimentos que concretiza em Angola.

Que sentido faz existirem em Portugal milhares de edifícios degradados que o Estado não recupera, sendo de sua propriedade, para depois o governo impor arrendamentos coercivos de casas alheias, ao mesmo tempo que financia a construção de imóveis para fins sociais e a rendas acessíveis noutros países com mais recursos? Por absurdo que pareça, acontece.

Em Angola, a ministra das Finanças Vera Daves fez saber que o Governo português alargou uma linha de financiamento de 1,5 mil milhões de euros, para dois mil milhões de euros, representando um acréscimo de 500 milhões. Por seu lado, deste valor, 150 milhões de euros servirão para financiar a requalificação da vila da Muxima, que o ministro das Finanças de Portugal Fernando Medina visitou, abrangendo a construção de moradias e outros equipamentos sociais, sendo que estão já finalizadas 100, das mais de 500 previstas.

Que a cooperação com os países de expressão portuguesa, um dos quais Angola, é fundamental, não há dúvida. Mas que isso suceda no setor da habitação, quando se sabe que há 7 anos o primeiro-ministro António Costa anunciou um investimento público em Portugal de 1.400 milhões de euros, que garantiria a construção de 7.500 casas com rendas acessíveis e daria resposta à carência habitacional de 30.000 famílias, que todavia não saiu do papel, falando em simultâneo de crise no mercado de arrendamento, com culpa atribuída levianamente aos empreendedores nacionais privados, que ajudaram a recuperar espaços degradados de tantas aldeias, vilas e cidades, dá que pensar.

Em Portugal existe um problema no mercado de arrendamento, causado em certa parte pela incapacidade e inércia do Governo, que o PS procura ocultar, recorrendo a uma cortina de fumo carregada de ideologia. E não há como não recordar a caricatura argumentativa da ministra da Habitação Marina Gonçalves, que confrontada com o caráter ‘expropriativo’ de medidas que impõe sobre propriedades alheias, disse que «a única intervenção do Estado é no rendimento, mas não há uma perda de rendimentos» pois «a casa estava vazia». Não ocorre à governante que, para lá da degradação e depreciação que decorre do uso, uma característica fundamental do direito de propriedade, como consagrado nos Estados de Direito, tem que ver com a capacidade dos donos poderem decidir o que fazer do que é seu e de, sempre que comprimidos nesse direito, haver lugar ao pagamento de indemnizações.

Sem surpresa, a propósito da deriva bolivariana de António Costa, em resposta a requerimento que apresentei, a Comissão Europeia informou que o governo violou a diretiva da transparência do mercado único em matéria de restrições, por não ter notificado o que fosse, relativamente a regras técnicas que afetam a prestação de serviços.

Aqui chegados, seria bom que o primeiro-ministro pusesse a mão na consciência: em vez de fazer política à custa do dinheiro e do esforço dos outros, assegure também em Portugal, os investimentos que concretiza em Angola, respeitando os princípios basilares dos regimes democráticos e as regras da União Europeia. Verá a partir desse dia, que grande parte dos problemas com a oferta pública de arrendamento a custos acessíveis poderão ficar resolvidos.