Castelo de cartas

Como proteger-nos nas ruínas do castelo de cartas? Como preservar e relançar o país neste ‘novo desequilíbrio’? O caminho só pode ser o da reconquista de uma independência prática e substantiva.

Por Ossanda Liber, Partido Nova Direita

O mundo está a mudar. Está a mudar rapidamente. Os mitos que o Ocidente impôs a si mesmo e à Humanidade – o fim da História, a inevitabilidade e irreversibilidade da globalização, a superação ‘supranacional’ do Estado, a morte das nações a obsolescência das soberanias – desabam um a um, imparavelmente, como um castelo de cartas. Estas eram ideias hegemónicas ainda há uns anos: resistir-lhes era arriscar a troça sobranceira da elite bem-pensante, acomodada e cosmopolita que via a Europa, mais que como esperança nacional, enquanto oportunidade de carreira e de enriquecimento pessoal.

A crise pandémica e a guerra ucraniana vieram pôr fim súbito a estas ilusões sedosas. A palavra-chave no novo tempo tornou-se ‘afinal’. Afinal, a globalização, tida ontem como caminho único a seguir, expunha-nos irresponsavelmente a um exterior incerto: quando a covid pôs o mundo de joelhos, as nações com indústrias farmacêuticas desenvolvidas fecharam-se e acudiram os seus – e os países sem elas fizeram fila de espera. Afinal, o comércio livre significa dependência total de atores que não controlamos nem podemos prever. Afinal, o ‘offshoring’ de indústrias e tecnologias dá hoje lugar ao ‘reshoring’, com os países desenvolvidos a retomar o protecionismo, a reindustrialização e a ideia de ‘Estado-estratega’. Afinal, quando as colunas blindadas russas entraram na Ucrânia e foram interrompidos os fluxos de matérias-primas – petróleo, gás, cereais e minérios – para a Europa, pagámos todos o preço de uma inflação asfixiante. Talvez daqui a uns meses ou anos, havendo guerra no Pacífico entre chineses e americanos, vejamos desaparecer do mercado os microprocessadores que quase só Taiwan produz e de que vivem as nossas economias hiper-digitalizadas. Se assim for, ou quando assim for, ouviremos novamente ‘afinal’. Mas será tarde – para Portugal, para a Europa e para o Ocidente.

Estas novas realidades não são episódicas ou passageiras, mas primeiro anúncio de mudanças estruturais no sistema global. Entrámos naquilo a que Henry Kissinger, o maior estadista americano vivo, chamou já ‘um novo desequilíbrio’. A razão fundamental é a inevitável perda de protagonismo económico, tecnológico e, por fim, militar e político pelo Ocidente, por um lado, e consequente ascensão da China, Índia, Brasil e outras potências, por outro. Quanto a isso, não há volta a dar: essa ascensão é um facto consumado, e o mundo das próximas décadas não será, decididamente, o da ‘pax americana’. Uma ordem mais horizontal e pluricêntrica substituirá a atual: isso é justo, mas é também perigoso. Um mundo em que muitos atores têm força e recursos para mandar é também um mundo onde mais deles poderão defender os seus interesses. Isso significa, inevitavelmente, turbulência, conflito e fragmentação do sistema e da economia globais.

Como proteger-nos nas ruínas do castelo de cartas? Como preservar e relançar o país neste ‘novo desequilíbrio’? O caminho só pode ser o da reconquista de uma independência prática e substantiva. Fazemos a nossa lei? Produzimos a nossa energia? Temos grandes empresas de capital português? Tomamos nós as decisões que nos afetam? Colocamos todos os ovos no cesto europeu? Ou olhamos para o mundo, como é nossa tradição histórica e geopolítica de séculos, e tiramos partido da língua e da História que partilhamos com trezentos milhões de pessoas em cinco continentes? Estas não são perguntas simples – mas são elas que decidirão o nosso futuro. Pensá-las e responder-lhes é a grande tarefa desta geração de portugueses.