Opiniao

Ardcore político

A incapacidade da classe governativa condena a ação política a uma intervenção dominada pelo ‘presentismo’, pelo efémero e pela moda dos mercados globalizados.

Ardcore político

Por Fernando Matos Rodrigues, Antropólogo/investigador CIS.NOVA_UM/LAHB

«Então Deus fez com que o povo se desviasse em direção ao deserto».

Êxodo, 13, 18,

Portugal assiste ao triunfo do ardcore político em nome do ‘Portugal Novo’ ‘ou do ‘Portugal do Futuro’. A retórica política deixa cair a máscara num direto em que um ministro fala sobre as coisas íntimas da vida ministerial. Descemos ao nível da comadre e da vizinha em conversa de tanque de bairro. Os dirigentes e os governantes são o rosto da banalidade, da infantilidade, da irresponsabilidade, da imaturidade, da burrice e da mediocridade política portuguesa. Os portugueses assistem em direto a um ministro que de fato escuro e de gravata escura, em pose de grande solenidade fala ao país em nome do Estado e do Governo da República, recorrendo a um discurso próprio dos reality show como a ‘Casa dos Sonhos’.

Durante a entrevista ficamos a saber que no Ministério das Obras Públicas houve lágrimas, agressões, destruição, ocupações, furto, pessoas trancadas em casas de banho, polícias e ladrões, agentes secretos e vilões. O ministro era o rosto da tragédia nacional com a TAP em pano de fundo.

Felizmente para Portugal, o rimeiro-ministro esptava a banhos para os lados de Itália e o Presidente da República a meditar no Palácio de Belém. Entre uma viagem na TAP e um gelado em Belém, os portugueses ficaram a saber pela voz de quem manda nisto tudo que o ministro é para continuar. Enquanto o Presidente da República saboreava um gelado com sabor a banana e reclamava ser o defensor da estabilidade e do bem-estar nacional.

Foram dias de Portugal e da República. Discursos à Nação. Silêncios de meditação. Entre amuos e silêncios, entre discursos e contra discursos, entre fica ou sai do ministro, a vida fica mais cara, as casas custam mais do que o salário, os professores e os médicos na rua a protestar, os operários precários sem direitos laborais. As mães não podem parir nos hospitais. Os jovens sem escola, sem professores e sem pais não podem ser cidadãos. Os filhos perdem os pais, as casas, os afetos e a segurança não vem mais. Regressa a crise, a hipoteca, a frustração e a resignação. As guerras partidárias entre grupos e fações não podem continuar a ser o alfa e ómega da nação.

A incapacidade da classe governativa em romper com este neoliberalismo financeirizado, condena a ação política a uma intervenção dominada pelo ‘presentismo’, pelo efémero e pela moda dos mercados globalizados. Os nossos políticos e governantes não possuem mandato suficiente para romper com as políticas deste neoliberalismo global que nos conduz para uma situação de catástrofe ambiental, social e territorial. Um capitalismo que nos últimos anos tem sido um fator de instabilidade social e ambiental, gerador de crises cíclicas que só favorecem os grandes grupos financeiros globalizados, espalhando a miséria social e a tragédia ambiental por todo o planeta.

O país vive as primeiras consequências das catástrofes ambientais, com meses de secas, com incêndios em escala muito preocupante, com a erosão dos solos por más práticas agrícolas e usos abusivos de pesticidas e ervecidas, associando a monocultura intensiva e industrial. O Alentejo em risco de seca permanente está condenado a se transformar num vasto território de deserto, de pó e pedra.

As cidades estão infetadas pela monocultura do turismo em grande escala. Lisboa e Porto foram tomadas de assalto por esta economia infestante e daninha, com a destruição da economia das cidades e com a deportação dos seus moradores e trabalhadores. O lucro, o ganho sem moral e sem tempo longo só favorece as economias daninhas que condenam as cidades ao vazio, ao cenário burlesco, ao parque temático sem alma e sem complexidade social.

Perante este drama humano e esta desigualdade social os ministros da república comportam-se como animadores de circo, sem o mínimo de pudor. A maioria dos portugueses esmagados pelos impostos injustos, pelas hipotecas fictícias, pela especulação e custo de vida, assiste em direto ao ardcore político.   

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