A última dança dos velhos ‘lobos’

A longevidade dos treinadores de futebol dá lugar a belas histórias. Esta temporada tivemos bons exemplos de como os veteranos podem servir de pronto-socorro para salvar uma época. 

Sucesso, reconhecimento e glória, mas também tropeções, quedas e despedimentos. É assim a vida de um treinador de futebol. Ter a mala sempre pronta tornou-se um (mau) hábito tal a velocidade com que os clubes mudam de técnico – a moda já pegou em Inglaterra. Sempre que um treinador cai, avança outro, e há treinadores mais velhos e com maior experiência que deixaram a reforma dourada para ir resolver problemas criados por outros. O regresso à atividade ao mais alto nível constitui um desafio, já que a situação e os objetivos são quase sempre difíceis de alcançar. Os treinadores mais maduros conhecem o jogo na perfeição e dominam o lado humano e a forma como se gere um grupo de trabalho, mas não fazem milagres, pois é coisa que não existe no futebol. 

O futebol inglês tem grande história e muitas histórias para contar, sendo certo que a idade é, cada vez mais, um número que pouco importa. A temporada do Crystal Palace estava a ser uma autêntica desgraça até à chegada de Roy Hodgson que, aos 75 anos, trouxe uma lufada de ar fresco à equipa de Londres. A meio da época o Palace tinha a segunda divisão à vista: o veterano Hodgson foi então convidado a treinar o clube e evitar a descida ao escalão secundário. O apelo não aconteceu por acaso, o treinador sempre disse que o Crystal Palace foi o seu clube de infância e já tinha dirigido a equipa entre setembro de 2017 e maio de 2021. 

Na altura da apresentação, Roy Hodgson declarou: «É um privilégio regressar a um clube que sempre significou muito para mim, e receber a importante tarefa de inverter a situação. O nosso objetivo é ganhar jogos e obter os pontos necessários para garantir a manutenção na Premier League. O Crystal Palace é conhecido pelo seu espírito de luta e não tenho dúvidas de que os nossos adeptos lutarão connosco».

A vida no futebol

Roy Hodgson ficou impressionado com a qualidade do plantel no regresso a casa como técnico dos eagles: «É um grupo incrivelmente bom. Para vencer é preciso vontade, atitude, foco e qualidade de jogo e isso existe nesta equipa. A vida no futebol é basicamente isso», salientou. 

O antigo selecionador inglês sucedeu a Patrick Vieira e a missão foi bem sucedida. Em março, o Palace era 15.º classificado, apenas a três pontos da descida, a recente vitória sobre o West Ham permitiu chegar aos 40 pontos, subir ao 12.º posto, e garantir a permanência na Premier League a três jornadas do fim. «Quarenta pontos sempre foi um objetivo. Estabeleci essa meta e falei com os jogadores sobre isso. Podemos dizer que o trabalho está feito no sentido de não descermos. Os próximos jogos são uma oportunidade ideal para obter pontos e subir na tabela», afirmou. Neste momento, a luta é com o Chelsea, que tem mais dois pontos, e gastou esta temporada qualquer coisa como 611 milhões de euros a comprar e a pagar o empréstimo de jogadores.

Perante a série de bons resultados na sempre difícil Premier League, Roy Hodgson foi nomeado para treinador do mês depois da sua equipa ter ganho quatro jogos em seis no mês de abril. É a prova de que o anúncio da sua reforma, aos 75 anos, era claramente exagerado. Hodgson passou por grandes clubes como o Inter de Milão e Liverpool FC e foi selecionador da Inglaterra, Suíça, Emirados Árabes Unidos e Finlândia.

Ainda em Inglaterra, Sam Allardyce foi a escolha dos responsáveis do Leeds para evitar a descida de divisão da equipa de Yorkshire e dispõe de mais três jornadas para o fazer. O técnico de 68 anos tem mais de 500 jogos na Premier League e interrompeu a reforma que iniciara há dois anos depois de deixar o West Bromwich, em 2020/21. A experiência e o conhecimento de Big Sam, como é conhecido, podem ser determinantes para conseguir aquilo que a imprensa considera ser uma missão impossível. Não podia ter estreia mais difícil do que jogar no campo do Manchester City, que luta pela renovação do título. A derrota colocou o Leeds na zona de despromoção, mas o veterano técnico inglês mostrou-se confiante: «Posso ter 68 anos e estar antiquado, mas não há ninguém à minha frente em termos de conhecimentos de futebol. Nem Pep, nem Klopp, nem Arteta estão ao mesmo nível que eu. Não estou a dizer que sou melhordo que eles, mas, certamente, sou tão bom quanto eles», disparou o técnico que sempre treinou em Inglaterra.

Neil Warnock foi a inspiração de que o Huddersfield precisava para evitar a descida à terceira divisão do futebol inglês. O técnico de 74 anos tomou conta da equipa em fevereiro e, em 15 jogos, tirou a equipa dos lugares de descida e deixou-a no 18.º lugar do Championship (segunda divisão). O ressurgimento do Huddersfield fez com que conquistasse os pontos necessários para acabar a temporada com alguma tranquilidade e nove pontos acima dos lugares de despromoção. «Acho que nunca estive tão orgulhoso, significa muito para a minha carreira» disse Warnock. «É uma enorme conquista. Quando me convidaram disse-lhes que era a pior equipa do campeonato», revelou. Concluída a sua missão com êxito, Warnock fez saber que não pretende permanecer como treinador na próxima época, mas que está pronto para aceitar o convite de outra equipa. Mas só a partir de fevereiro. «Estou exausto. Tem sido um trabalho árduo para manter todos motivados», explicou.

A experiência que vale títulos

Da segunda liga italiana vem outro exemplo de longevidade. Cláudio Ranieri, de 71 anos, é o treinador do Cagliari, atualmente na segunda divisão. O italiano estava aposentado e assinou contrato até 2025. Quando chegou ao Cagliari a equipa ocupava um perigoso 12.º lugar da Serie B, neste momento ocupa a 5.ª posição e garantiu a presença nas meias-finais do playoff de acesso à Serie A (o escalão principal). Ranieri tinha treinado o Cagliari há 33 anos e passou por grandes clubes europeus como o Atlético Madrid, Chelsea, Juventus e Inter de Milão, mas o momento mais alto foi a surpreendente vitória no campeonato inglês com o modesto Leicester.

A máxima do ‘não voltes aonde já foste feliz’ não intimidou o alemão Jupp Heynckes. O antigo avançado entrou na história do Bayern Munique ao regressar três vezes ao clube bávaro depois do seu período inicial entre 1987 e 1991, no qual venceu a Bundesliga por duas ocasiões. Retirou-se do futebol, mas por pouco tempo. Heynckes foi recuperado pelo Bayern em 2009 para levar a equipa à Liga dos Campeões. Em 2012/13,o técnico alemão regressou ao Bayern para liderar uma fantástica equipa que venceu a Bundesliga com um recorde de pontos (91), a Taça da Alemanha e a Liga dos Campeões. No final, disse tinha sido a sua última época… estava enganado. Em 2017/18, a exigente direção do Bayern de Munique demitiu Carlo Ancelotti e convenceu Heynckes a voltar ao ativo com respeitáveis 72 anos e voltou a ser campeão alemão. Foi-lhe pedido para continuar, mas recusou.