O elevado peso de um cadáver

O primeiro-ministro é um homem de grande capacidade política, mas não haverá talento político que valha. João Galamba é, hoje, um cadáver político…

por Francisco Gonçalves

Em dezembro de 2001, na sequência dos maus resultados nas eleições autárquicas, o primeiro-ministro, António Guterres, pediu a demissão. Disse, nessa noite, que «com inteira lucidez, devo reconhecer que se nada fizesse (…) o país cairia, inevitavelmente, num pântano político».

Não sei o que o atual Secretário-Geral das Nações Unidas pensará do estado atual da política portuguesa, mas ‘com inteira lucidez’, certamente reconheceria que, se não estamos no pântano, estaremos muito próximos disso.

A Comissão Parlamentar de Inquérito da TAP (CPI), constituída para escalpelizar o desempenho da companhia nos últimos anos, está transformada no mais degradante espetáculo que o País político conheceu, desde que há memória. Um ministro que ameaça o seu adjunto de lhe dar um soco, fazendo fé no que este disse na CPI, é um monumento à miséria moral na política.

Escrevi, numa crónica de algumas semanas, que António Costa tinha tido uma demonstração de força, ao manter o seu ministro das infraestruturas, mas que a mesma era uma vitória de Pirro. Aqui está o resultado da sua posição de força: amarrou-se politicamente a João Galamba e, consequentemente, a tudo quanto viria a público sobre este na CPI.

Colocado entre a espada (manter João Galamba) e a parede (ceder ao Presidente da República), António Costa escolheu a espada. Porém, impõe-se fazer a mesmíssima pergunta que os demais portugueses: o atual ministro das Infraestruturas tem condições políticas e, até, estabilidade emocional, para ser governante?

Com a CPI a decorrer, e empenhado que estará para contar ‘a sua verdade’ sobre os acontecimentos, continuará a acompanhar devidamente o dossier da privatização da TAP? E como fica o novo aeroporto, o ministro tem acompanhado a evolução dos estudos? Já agora, na ferrovia, grande aposta do Governo, o ministro – para além da visita desta semana, tem acompanhado os trabalhos das Infraestruturas de Portugal? E, por fim, os portos e a estratégia destes na política do mar, o ministro tem reunido com o ministro da Economia e do Mar? Nesse âmbito, tomou alguma decisão relativa à constituição dos grupos de trabalho para a descentralização das áreas em domínio portuário sem utilização para essa atividade?

Como se percebe do parágrafo anterior, os trabalhos deste ministro são muitos e difíceis, aos quais não pode ser dada a atenção devida. Todos aqueles temas são de superior importância para o interesse nacional. A gestão dos mesmos, boa ou má, é da competência direta do Ministro das Infraestruturas. Todavia, após a decisão de manter o ministro no Governo, a responsabilidade maior é, agora, de António Costa.

O primeiro-ministro é um homem de grande capacidade política, mas não haverá talento político que valha, perante a novela que temos vindo a assistir. João Galamba é, hoje, um cadáver político, que pesa muito a António Costa, ao Governo e ao seu partido.

Sabemos como os cadáveres, se não têm o tratamento adequado, conspurcam tudo à sua volta. Assim está o primeiro-ministro: amarrou-se a um cadáver, que não tem onde colocar. Quanto mais tempo o carregar, maior a putrefação que todos sentimos.