Operação Babel: Milhões e provas de confiança

‘É preciso adoçar a boca’ ao número dois da autarquia, dizia-se. E foi isso que terá sido feito. O vice-presidente da autarquia terá recebido mais de 140 mil euros em dinheiro e relógios.

É uma história que envolve milhares e até milhões, périplos por cafés, lojas e o NorteShopping, trocas de mensagens e chamadas, pedidos de provas de confiança e muito mais. Supostamente, Patrocínio Azevedo, o vice-presidente da Câmara de Gaia – responsável pelo Planeamento Urbanístico e Política de Solos, Licenciamento Urbanístico, Obras Municipais e Vias Municipais e que tem a coordenação da atividade dos operadores de telecomunicações, rede elétrica e rede de gás natural –, teria sido persuadido a favorecer o Grupo Fortera, liderado por Elad Dror, em projetos imobiliários que ultrapassam os 300 milhões de euros.

Existem indícios de que cerca de 125 mil euros foram pagos em dinheiro vivo, juntamente com vários relógios de luxo no valor de seis mil euros, como contrapartida. Esses indícios levaram o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional do Porto e a Polícia Judiciária (PJ) a efetuarem detenções nesta terça-feira. Além de Patrocínio Azevedo, Elad Dror, Paulo Malafaia (sócio de Elad Dror) e João Barbosa Lopes (suposto testa-de-ferro de Patrocínio Azevedo, conhecido como ‘Gorila’) também foram detidos.

Sabe-se que as supostas vantagens obtidas resultaram em aumentos da área de construção máxima dos projetos imobiliários, como forma de compensar contratempos, incluindo a descoberta de vestígios arqueológicos ou a exigência da contratação do arquiteto Souto Moura pela Câmara de Gaia, o que teria acarretado aproximadamente 500 mil euros em honorários.

O primeiro projeto imobiliário do Grupo Fortera, intitulado de Skyline e situado perto da Câmara de Gaia, na rua General Torres, está a ser investigado pelo DIAP Regional do Porto e pela Diretoria do Norte da PJ. De acordo com as alegações, Patrocínio Azevedo teria supostamente condicionado a aprovação do acordo à compra e venda dos terrenos entre o Fortera e uma empresa pertencente a Paulo Malafaia, um promotor imobiliário que está a ser detido pelas autoridades pela segunda vez em cinco meses. A construção do projeto Skyline deveria ter começado este ano.

Por outro lado, o projeto Riverside foi adquirido pelo Grupo Fortera através da compra dos direitos urbanísticos da Quinta de Santo António, anteriormente detidos pela sociedade Noble Faces SA, que entrou em processo de insolvência. No entanto, os terrenos apresentavam vestígios arqueológicos, cuja preservação é obrigatória por lei e resulta na redução da área de construção dos projetos imobiliários.

Elad Dror e Paulo Malafaia – que já havia sido preso anteriormente durante a operação Vórtex, que resultou na detenção e prisão preventiva do presidente da Câmara de Espinho, Miguel Reis, foi libertado mediante o pagamento de uma caução no valor de 100 mil euros. Malafaia era suspeito de corrupção e envolvimento num esquema criminoso relacionado com negócios imobiliários e ajustes diretos com aquela autarquia – desejavam ser compensados pela perda de metros quadrados de construção devido aos vestígios arqueológicos. Isso significava aumentar a área de construção em outro lote de terreno da Quinta de Santo António. Após negociações extensas, alegadamente realizadas com Patrocínio Azevedo, através de seu intermediário João Lopes, eles conseguiram o que desejavam.

Em dezembro de 2019, foi oferecido um relógio da série especial e numerada Frederick Constant, acompanhado de uma caixa de presente, no valor de 3.100 euros. «Na continuidade, Malafaia dá ordem para o advogado comprar o relógio que se destinava a ser entregue ao Vice-Presidente Patrocínio», lê-se no despacho. Naquele momento, os empresários já estavam envolvidos em diversos projetos em andamento em Gaia. No entanto, essa oferta específica estaria relacionada com o empreendimento chamado Hills. Volvido um ano, foi supostamente exigido um relógio de luxo no valor de três mil euros, que seria destinado ao vice-presidente da Câmara de Gaia, e essa exigência terá sido cumprida.

Dessa vez, não se terão limitado a apenas um presente. A 26 de janeiro de 2021, nas instalações do Grupo Fortera, fundado por Elad Dror, segundo a investigação, foram entregues 25 mil euros em dinheiro a João Lopes para chegarem até ao vice-presidente da autarquia de Gaia. Além de resolver a questão dos vestígios arqueológicos encontrados no lote 7 da Quinta, os empresários não queriam perder capacidade construtiva no projeto e precisavam de aumentar a área de construção nos lotes onde não havia esse problema.

Pouco tempo depois, em abril do mesmo ano, um advogado contactou Paulo Malafaia, expressando que era necessária uma parcela «como prova de confiança» e resolver a questão dos metros quadrados disponíveis para construção. Malafaia terá informado Dror que era necessário fazer uma transferência de 12 mil euros para a família e 25 mil euros para João Lopes. A investigação não sabe ao certo se esses valores foram ou não entregues. No dia 23 de junho de 2021, terá ocorrido o pagamento mais elevado. Durante um encontro, Dror entregou uma bolsa contendo 100 mil euros a Paulo Malafaia num café. Posteriormente, Malafaia encontrou-se com João Lopes num centro comercial no Porto, onde compraram uma nova mala na loja Tiger. O dinheiro terá sido trocado na casa de banho do centro comercial. No entanto, na mala restaram apenas 99.600 euros, pois o advogado intermediário comprou um equipamento de som no valor de 400 euros logo em seguida na loja Apple.

A 22 de novembro, Paulo Malafaia pediu ao intermediário para enviar fotos de relógios por mensagem. No dia seguinte, instruiu-o a comprar um dos relógios, transferindo posteriormente o dinheiro. A quantia de 3.320 euros foi transferida num almoço realizado em 17 de dezembro. Devido à continuidade dos projetos que foram sendo submetidos à Câmara de Gaia e para garantir a disponibilidade para tomar decisões favoráveis aos interesses do Grupo Fortera, em dezembro de 2022, mais um relógio da marca Oris – no valor de 4.250 euros – terá sido entregue.

O metro do Porto

Para além do Skyline e do Riverside, segundo a investigação, outra obra mencionada é a do Hotel Azul, localizado na zona histórica de Gaia. Durante o ano passado, quando as máquinas já estavam no local, verificou-se a necessidade de realizar obras de contenção da encosta. O grupo Fortera assumiu essa responsabilidade, mas, em contrapartida, obteve a isenção de todas as taxas municipais, o que é considerado ilegal.

Mas esta história tem mais que se lhe diga: Patrocínio Azevedo, alegadamente, terá tentado pressionar o presidente da Metro do Porto, Tiago Braga, em relação à Linha Rubi. Isto porque segundo o Ministério Público, o autarca teria estado envolvido em questões relacionadas com um parecer negativo ao projeto imobiliário Riverside, da empresa Fortera, anteriormente mencionado. O pedido de informação prévia (PIP) para o empreendimento da Fortera na zona do Candal, que seria afetado pela Linha Rubi, estava em causa. De acordo com os documentos do projeto, o viaduto entre a Arrábida e o Candal seria ampliado para permitir a passagem do metro. O MP alega que o empresário Paulo Malafaia entregou uma quantia em dinheiro ao advogado de Patrocínio Azevedo, João Lopes, como contrapartida para garantir a aprovação do PIP e influenciar a Metro do Porto a encontrar uma solução para o trajeto da Linha Rubi que não prejudicasse o projeto imobiliário Riverside.

No entanto, a Metro do Porto afirma que o parecer negativo não foi alterado e que o trajeto da Linha Rubi permaneceu o mesmo. Segundo o MP, Patrocínio Azevedo acompanhou o andamento do PIP e tentou influenciar a sua aprovação, bem como a Metro do Porto, entre junho e setembro de 2021.

Foram realizadas reuniões entre Patrocínio Azevedo e Tiago Braga para discutir a questão da passagem da linha do metro na Quinta de Santo António, no Candal. No entanto, devido à indefinição do projeto da linha do metro, a tramitação do PIP ficou suspensa. Outra reunião ocorreu na Casa da Presidência de Gaia com o objetivo de encontrar uma solução para o Riverside, independentemente do metro.

Ao longo dos meses seguintes, Paulo Malafaia, Elad Dror e Hélder Agostinho continuaram a pedir a intervenção de Patrocínio Azevedo para resolver o impasse causado pelo projeto da nova linha do metro e exercer influência junto da Metro do Porto. Patrocínio Azevedo solicitou uma nova reunião com Tiago Braga em janeiro de 2022 e enviou um documento digital ao presidente da Metro no mês seguinte.

Os procuradores alegam que Patrocínio Azevedo instou Tiago Braga, em junho de 2022, a encontrar uma solução urbanística que não prejudicasse a capacidade construtiva do Riverside.

O Nascer do SOL contactou os visados mas, até à hora de fecho desta edição, não obteve qualquer resposta.