O melhor para todos

Marcelo, por todos os motivos face à atual conjuntura, é agora um dos muitos interessados (se calhar até mais do que o próprio) em que António Costa possa trocar Belém por Bruxelas ou a chefia do Governo português pela presidência do Conselho Europeu.

Confesso que não gostei de ver o Rei Filipe de Espanha enredado na crise de coabitação entre o Presidente Marcelo e o primeiro-ministro Costa. Não se faz. Muito menos em casa alheia e em público, com câmaras e jornalistas ao lado.

António Costa sabe muito bem as regras do protocolo e Marcelo Rebelo de Sousa também. Perante a falta de polimento do primeiro-ministro ao secundarizá-lo na conversa com o Rei, o Presidente ostensivamente usou uma conversa com o ali homenageado secretário-geral das Nações Unidas para vincar o seu desagrado e responder à letra.

O anfitrião Filipe VI viu-se forçado a parar e a voltar-se para trás, por mais de uma vez, à espera que o chefe de Estado português retomasse o seu devido lugar, à sua direita. Em vão, porque, em mais uma daquelas traquinices de Marcelo que António Guterres tanto gostava de contar  quando ambos eram líderes dos dois maiores partidos nacionais, o Presidente português fingia-se distraído e abrandava ou até estacava o passo intensificando a troca de palavras com o seu compatriota.

São porventura demasiado frequentes as quebras de protocolo de Marcelo, sobretudo as que deixam pasmados os agentes de segurança de serviços estrangeiros, pouco habituados a tanto à vontade, mas não são intencionalmente desrespeitosas para ninguém – nem mesmo aqueles apertos de mão com que qualquer dia há de deslocar o ombro a alguém.

Mas, desta vez, excedeu-se.

Se Costa não se portou bem, Marcelo também não. Há regras elementares da representação do Estado que não podem ser postas em causa por mais arrufos ou crises políticas que devem esgotar-se Intramuros.

Por isso, e por várias outras razões, foi bom ver e ouvir o Presidente elogiar o primeiro-ministro e líder socialista na sua visita ao Parlamento Europeu.

Marcelo pode ter-se limitado a constatar um facto: a excelente reputação de que António Costa goza em Bruxelas e em Estrasburgo. Bem como a representação diplomática portuguesa (cujos êxitos na defesa da escolha ou eleição de personalidades nacionais para altos cargos internacionais estão à vista de toda a gente). Já talvez tenha exagerado ao estender o cumprimento ao bem menos conhecido secretário de Estado dos Assuntos Europeus.

Um outro facto é que o Presidente da República, ao fazê-lo e ao falar da importância para a Europa do novo ciclo que aí vem e da escolha dos novos líderes e representantes europeus, aproveitou para retificar a interpretação que poderia fazer-se do discurso que fez ao dar posse ao atual Governo.

Marcelo, por todos os motivos face à atual conjuntura, é agora um dos muitos interessados (se calhar até mais do que o próprio) em que António Costa possa trocar Belém por Bruxelas ou a chefia do Governo português pela presidência do Conselho Europeu.

Para Marcelo, Costa sair para Bruxelas era ouro sobre azul: a melhor forma de poder convocar eleições antecipadas sem que lhe pudesse ser assacada qualquer responsabilidade – ele avisou na posse deste Governo que era o primeiro-ministro e a sua equipa quem estava a empossar e que todos tirassem daí as ideias se julgavam que o primeiro-ministro poderia ir embora a meio do caminho e passar diretamente a pasta a outro socialista sem haver eleições legislativas.

Também para Costa, seria a oportunidade de sair de S. Bento pela porta grande e sem a imagem absolutamente desgastada que o arrastamento de um Governo cheio de casos e casinhos e sem estratégia nem rumo irremediavelmente o marcará.

Igualmente para Luís Montenegro e para o PSD, porque teriam a oportunidade de reconquistar o poder sem ter de passar por mais quatro frustrantes anos na oposição, a juntar aos sete em que as bases nem cheiraram o pote.

Para o Chega, porque todas as sondagens apontam para um novo reforço de André Ventura.

Para o BE e para o PCP, porque o desperdício da maioria absoluta pelo PS é o maior trunfo para os lesados da geringonça.

Para o próprio PS, porque a clarificação interna começa a tornar-se inevitável, por mais desmentidos públicos que todos façam, uma vez que as posições cada vez mais extremadas não permitem sequer já disfarçar o conflito iminente entre moderados como Sérgio Sousa Pinto e António José Seguro e a ala esquerda que continua ligada a Pedro Nuno Santos e a Duarte Cordeiro.

Especialista em equacionar, ponderar e até em criar cenários, Marcelo sabe que a melhor saída para a embrulhada em que o país caiu com um Governo de maioria absoluta liderado por um António Costa isolado, sem estratégia, sem coordenação e incapaz de evitar a instabilidade, dada a sucessão de erros, casos e casinhos de governantes e seus ajudantes, é mesmo a Europa.

E aposto até que estaria ele próprio na disposição de telefonar para a TAP a disponibilizar-se para pagar um bilhete de executiva, só de ida, da Portela para Zaventem, em nome do próximo presidente do Conselho Europeu, António Luís Santos da Costa.

Mas claro que, para isso, é preciso que Marcelo aguente o Governo até lá.