Novas alterações à Lei do Tabaco. O que defendem os partidos políticos?

As novas alterações à lei do tabaco ainda não entraram no Parlamento, mas a contestação já se faz sentir. O Chega contesta as restrições à liberdade individual e no PS já são pensadas emendas à proposta do Governo.

Novas alterações à Lei do Tabaco. O que defendem os partidos políticos?

A proposta do Governo para aumentar as restrições à venda e consumo de tabaco ainda não deu entrada no Parlamento, mas a nova legislação tem sido motivo de indignação particularmente para muitos grossistas e revendedores de combustível, que falam numa medida “discriminatória” e capaz de pôr em causa milhares de postos de trabalho. A contestação não tem ficado por aqui e as críticas estendem-se aos partidos políticos, inclusive ao próprio PS.

Entre as vozes contestantes, o Chega tem sido o mais vocal na oposição. O presidente do partido, André Ventura, utilizou mesmo a expressão “fascismo higiénico” para classificar as alterações à lei do tabaco apresentadas pelo Executivo de António Costa.

Além de passar a ser proibida a venda de tabaco em bombas de gasolina e em máquinas automáticas no interior de muitos estabelecimentos, a proposta de lei também prevê que seja interdito fumar em espaços ao ar livre junto de edifícios públicos bem como em esplanadas cobertas.

Essa medida em particular levou André Ventura a constatar que “estabelecimentos comerciais, de restauração, de hotelaria, que fizeram ajustes depois da última alteração [legislativa], que foi há poucos anos, na configuração dos espaços onde se poderia fumar, vão agora ver essas licenças revogadas”.

Pedro Frazão, deputado do Chega, que integra a comissão parlamentar de Saúde, considera também estar em causa uma “restrição à liberdade”, dadas as proibições que se pretendem implementar.

“Fumar é um ato lícito, obviamente que existe em contraponto o valor de saúde, mas esse deve ser direcionado do ponto de vista da literacia para a saúde, da promoção de campanhas antitabágicas, e não através da restrição de um direito dos cidadãos”, argumenta, em declarações ao i, denunciando que com estas novas regras “há uma entrada dentro de uma esfera de liberdade do cidadão”.

O deputado vê ainda uma “enorme hipocrisia” na estratégia do Governo. “Temos grandes problemas de segurança e saúde pública no Bairro da Pasteleira, no Porto, e na Avenida de Ceuta, em Lisboa, com tráfico de droga a céu aberto e à luz do dia, e nenhum partido pensa em criminalizar novamente as drogas, mas agora o PS quase que quer criminalizar o consumo do tabaco, portanto, isto parece-nos um paradoxo totalmente incompreensível”, clarifica.

Ao i, Pedro Frazão diz ainda ter questionado João Goulão, diretor-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), na comissão parlamentar de Saúde sobre este raciocínio. “Perguntei-lhe se não achava caricato que à porta da Assembleia da República, que é um edifício público, eu pudesse injetar-me com heroína mas não pudesse fumar um cigarro.”

 

PSD ainda quer ver lei

Já o PSD não chega ao cúmulo de fazer tais comparações. Aliás, os sociais-democratas dizem à partida concordar com a estratégia do Governo, mas, antes de assumirem uma posição final e formal, querem ainda ver a proposta de lei.

“Ficamos a aguardar a peça legislativa para ver exatamente como é que o Governo se propõe a implementar o conjunto de medidas que têm vindo a ser anunciadas, porque, como sabemos, o diabo está sempre nos detalhes e são esses detalhes que devem merecer uma reflexão séria por parte do PSD”, refere Ricardo Baptista Leite, em declarações ao i.

O deputado social-democrata recorda que as medidas do Governo são um reflexo de um conjunto de propostas de uma diretiva europeia e, por essa razão, “o PSD genericamente é a favor de políticas que procurem diminuir o consumo e a oferta destes produtos no mercado, sobretudo com foco na população mais jovem e sendo o tabaco a principal causa de morte no mundo”.

Contudo, não deixa de criticar a postura dos socialistas em relação a propostas anteriores do PSD que, por exemplo, previam a alocação de 3% da receita fiscal em produtos de tabaco para a promoção da saúde.

“Isto é incoerente, porque o Governo nos momentos em que teve oportunidade no passado de votar a favor de propostas que poderiam ajudar a contribuir para melhorar a resposta da saúde não o quis fazer”, acusa Ricardo Baptista Leite.

Ainda assim, o deputado social-democrata considera que estão a ser dados passos importantes com este género de iniciativas legislativas. “Sabemos, pela literatura científica, que é muito claro que por via da diminuição da oferta se consegue reduzir o consumo, porque empiricamente a diminuição dos locais de oferta pode levar a uma diminuição do consumo, pelo menos do consumo mais compulsivo ou social particularmente afeto aos mais jovens”, argumenta.

 

PS pretende suavizar proposta do Governo

Se o PSD quer esperar para ver, no PS há quem já tenha mostrado resistência em aceitar as mudanças na lei do tabaco antes mesmo de se conhecer a versão final do diploma que o Executivo vai enviar à Assembleia da República em breve.

Deputadas socialistas ouvidas pelo Público consideraram que a proposta de lei do Governo é “excessivamente proibicionista” e criticaram, entre outros aspetos, a limitação dos pontos de venda e a proibição de fumar em alguns locais ao ar livre.

A antiga ministra da Saúde Marta Temido admitiu que as novas regras “podem ser consideradas abusivas e intrusivas” e que algumas restrições são “excessivas”, referindo-se às restrições de venda de tabaco em bares, restaurantes, cafés e bombas de gasolina, e a proibição das vendas em máquinas automáticas.

Já a deputada Isabel Moreira, que, já em 2015, votou sozinha contra a bancada as alterações legislativas que impuseram restrições ao tabaco, insistiu que a equiparação dos cigarros convencionais aos eletrónicos é ilegal e inconstitucional porque viola o princípio da proporcionalidade. Para a deputada, cita o Público, “o vapor dos cigarros aquecidos e eletrónicos não é o fumo dos cigarros de combustão”, têm um impacto no pulmão “monstruosamente diferente” e, por isso, “não podem ser tratados da mesma maneira”.

Em 2016, a socialista tentou sem sucesso tirar do texto da lei a equiparação dos cigarros eletrónico aos cigarros de combustão. Agora, promete voltar a levar essa proposta a debate.

Isabel Moreira referiu também que o Estado não pode exigir um “cidadão exemplar e perfeito”, manifestando estar preocupada “com a liberdade”, quando está em cima da mesa a proibição de fumar em alguns locais ao ar livre.

Também a ex-ministra Alexandra Leitão disse que as novas regras são “excessivas” e que a limitação dos postos de venda “é francamente problemática”. “Devemos proteger os fumadores passivos, mas o Estado não deve proteger as pessoas delas próprias, desde que sejam adultos, lúcidas e com autodeterminação. A linha vermelha é essa: sou contra as proibições para conformar comportamentos através de proibições. É uma visão paternalista e excessivamente proibicionista”, criticou a deputada.

Perante estas vozes mais discordantes, é expectável que do grupo parlamentar do PS_surjam alterações para suavizar algumas das restrições previstas na proposta de lei do Governo.

Dos restantes partidos, ainda não se conhece uma posição, sendo, no entanto, de esperar que Iniciativa Liberal e Bloco de Esquerda – que têm como bandeiras a legalização da canábis – se juntem ao coro de vozes que opõe à modificação da lei do tabaco.