Ana Jacinto. “As novas regras do tabaco são desproporcionais e incompreensíveis”

A secretária-geral da AHRESP apela “ao bom senso” já que entende que as alterações vão penalizar o setor da restauração. Mas vai aguardar pelo texto final que chegará ao Parlamento.

Como é que o setor vê as medidas anunciadas pelo Governo em relação às restrições ao tabaco?

Em relação a esta grande novidade sobre a proposta da lei do tabaco fomos apanhados completamente de surpresa, porque a ARHESP faz parte de um grupo técnico consultivo da lei do tabaco, onde estas matérias sempre foram discutidas. Isto é, todas as intenções de alterações legislativas estiveram sempre em discussão no seio deste grupo técnico e esta proposta de alteração não foi alvo de qualquer discussão neste grupo que já não reúne há algum tempo, o que revela que desconhecíamos por completo estas alterações e daí ter dito que fomos completamente surpreendidos.

Nem sequer havia indícios em relação a essas possíveis alterações?

Não havia indícios nenhuns, até porque já tinha havido alterações recentes através de uma portaria que entrou em vigor em janeiro. No arranque do ano foi proibido fumar em todos os espaços fechados e para que fosse possível haver algumas exceções era preciso cumprir requisitos tão complexos e tão exigentes de tal forma que, neste momento, não há espaços fechado, onde se pode fumar. A verdade é essa: são pouquíssimos os espaços onde ainda se pode fumar. Estamos, mais uma vez, a alterar constantemente as regras do jogo. É a tal inconstância legislativa que tanto falo e que aqui está bem patente, porque em janeiro já tinha saído uma nova portaria e agora temos em cima da mesa mais uma proposta para mudar.

E com restrições mais apertadas e se sempre avançarem também não se irá poder fumar nas esplanadas…

A inibição de fumar nas esplanadas é uma medida desproporcional e, do nosso ponto de vista, representa um desequilíbrio, um extremo tremendo e incompreensível. Mais uma vez alerto que é uma alteração à lei que foi objeto de uma alteração recente e já estamos a pensar em fazer outra vez alterações. Em relação ao facto de proibir o tabaco em espaços abertos tenho algumas dúvidas, ainda não conhecemos a redação da proposta e só sabemos o que foi comunicado pelo Governo. Ou seja, temos de aguardar para perceber exatamente qual será a sua redação, até porque também já sabemos que pode ainda haver alguns recuos naquilo que será a redação final. No entanto, tudo indica que, de acordo com aquilo que foram as informações dadas, há a intenção de proibir fumar nos restaurantes, bares, espaços de dança e similares, quer no interior, quer nas esplanadas, ou pátios exteriores que estejam cobertas ou delimitadas por paredes ou outro tipo de estruturas fixas ou amovíveis, bem como junto de portas e janelas, mesmo estando no exterior.

O que é que poderá ser considerado estruturas amovíveis?

Pode ser o quê?  Pode ser um para-vento? Uma floreira? O que é que isso representa em termos de limitação? Não sabemos e tudo indica que pode ser quase tudo, a não ser aquelas esplanadas que não tenham mesmo nada.

Outra limitação será fumar à porta dos estabelecimentos…

Além de proibir de fumar à porta, depois temos ainda a questão da proibição da venda de tabaco nos espaços onde já é proibido fumar, sendo que nos parece também completamente desproporcional. Como é que escolhemos os espaços onde é proibido: nuns é e em outros espaços não? Qual é o critério objetivo? É aqueles onde já era proibido fumar? Mas nestes onde já era proibido fumar vamos então deixar de vender, quando temos ao lado outros espaços onde é possível continuar a fazer essa venda. Há aqui uma série de questões completamente desproporcionais, sendo que os estabelecimentos fizeram investimentos, nomeadamente nas esplanadas durante a pandemia. Aliás, a criação de esplanadas até foi incentivada e o consumidor hoje em dia procura mais as esplanadas do que antigamente. E essas esplanadas têm investimentos, têm custos. São espaços que foram uma aposta do estabelecimento. As máquinas de venda também são, em alguns casos, investimentos do próprio estabelecimento e, mais uma vez, o Governo não teve em conta os planos de negócio das empresas, nem teve em conta a economia. Claro que a AHRESP nunca menosprezou os malefícios do tabaco. Sempre tivemos muita preocupação com a promoção da saúde, não fossemos nós uma associação que representa empresas que prestam serviços de alimentação e, por isso mesmo, temos sempre como prioridade a promoção da saúde, mas agora tem de ser com equilíbrio e com proporcionalidade. E não é isso que encontramos aqui.

E muitos até fizerem grandes investimentos para permitir o fumo dentro dos estabelecimentos…

Mas hoje em dia, por força da legislação, os espaços interiores são para não fumadores. Há raríssimas exceções. E como já disse para haver exceções, a portaria exige requisitos tão exigentes que a proteção do não fumador está salvaguardada. Agora, a ingerência do fumador é que me parece excessiva. O que o Estado devia fazer era sensibilizar, educar, formar e explicar que o tabaco é um malefício. Mas, tal como o tabaco, há muitas outras coisas e não parece que estamos a legislar sobre outras coisas que também fazem mal à saúde. É preciso termos equilíbrio e bom senso. Mas, segundo parece, não somos os únicos a ter esta opinião e, por isso, tudo indica que haverá algum retrocesso nesta intenção. Vamos ver porque ainda não conhecemos a legislação na íntegra que ainda vai dar entrada na Assembleia da República. Vamos estar atentos e vamos, obviamente, defender os interesses dos nossos associados. Até porque, existe uma série de dificuldades práticas: quem é que vai fiscalizar quem está a fumar à porta de um estabelecimento? E numa esplanada? Há aqui uma série de incongruências, de desproporcionalidade, de desequilíbrios e de fundamentalismos. Já muito se falou sobre isto, como também há muitas opiniões sobre esta proposta e praticamente todos têm sido unânimes, no sentido de considerar que essas alterações representam um grande fundamentalismo, um desequilíbrio e alguma precipitação, já  para não falar em algumas aldeias e terras do nosso interior, em que a população para comprar tabaco tem de ir aos nossos estabelecimentos, porque não há outros sítios para o fazer. Se a medida avançar onde é que o vão fazer? Só recorrendo ao consumo ilícito de tabaco.

Sente que há algum fundamentalismo por parte do Governo?

Exatamente. Sempre dissemos e oferecemos o nosso setor, até porque temos uma grande capital no terreno e entram nos nossos estabelecimentos todas as pessoas com todas as idades para fazermos uma campanha séria de informação, de sensibilização e de formação quanto aos malefícios do tabaco, que é um dever do Estado em si. O Estado não faz isso e prefere interferir nesta forma na liberdade de escolha das pessoas, porque relativamente ao fumador passivo já fizemos o que tínhamos a fazer, uma vez que, nos locais fechados já não é possível.

E em relação à proibição de locais de venda acaba por favorecer alguns estabelecimentos em detrimento de outros…

Sim, mas vamos acreditar que esta proposta seja alterada e que passe a ser equilibrada, porque tem questões que são completamente injustificadas e fundamentalistas. Não têm qualquer tipo de cabimento. Mas vamos continuar com o nosso trabalho.

Há uma tentação para que a restauração seja usada como um bom aluno na luta contra o tabaco?

Claro que sim, porque não é propriamente o rendimento da venda do tabaco, porque isso é um complemento, mas obviamente que as pessoas acabam por consumir mais aquilo que os estabelecimentos têm e acabam por ficar mais tempo nos estabelecimentos. Retirar este complemento ou não permitir que as pessoas possam ficar mais tempo nos espaços é claro que o nosso setor irá acabar por se ressentir. É provável que as pessoas acabem por decidir por fazer mais jantares em casa, mais convívios em casa e passarem a sair menos. Tudo isso terá reflexos no nosso setor, mas injustificadamente. Se as pessoas deixassem de fumar seria diferente, mas a questão é que as pessoas não vão deixar de fumar, o que pode acontecer é deixarem de ir menos àqueles locais e isso não traz benefício para ninguém. Não traz benefício para a economia, nem para a pessoa. O que o Estado devia fazer e volto a repetir – porque também nos preocupamos e não deixamos de estar preocupados com a promoção da saúde pública – era incentivar as pessoas a deixarem de fumar, através de campanhas de sensibilização, de informação e de educação e explicar os malefícios do tabaco. Já viu o Estado preocupado em fazer campanhas de sensibilização e de educação tirando as figuras que são colocadas nos próprios maços? Mas campanhas sérias de educação, de formação, de sensibilização isso é feito? O setor pode ajudar e temos oferecido sucessivamente a nossa atividade para isso, mas que eu saiba não nos aproveitam. Não é com proibições e repressões que vai funcionar, às vezes, até funciona ao contrário. Estamos absolutamente incrédulos. Não tivemos conhecimento de nada, ao contrário do que vinha acontecendo, porque este tema das esplanadas já tinha vindo a surgir neste grupo de trabalho e de vez em quando vinha ao de cima, mas nunca foi implementado, porque explicávamos o porquê. Desta vez não foi discutido, o grupo de trabalho não reuniu e esta lei apareceu do nada, talvez para desviar as atenções de outros temas. A verdade é que acreditamos que vá haver bom senso.

Já falaram com alguém do Governo sobre isto e já alertaram para estes riscos?

Ainda não, porque estamos à espera de ter conhecimento da redação da proposta de lei, mas assim que tivermos conhecimento e assim que entrar na Assembleia da República faremos o nosso trabalho em sede própria. No entanto, aí já terá de ser na Assembleia da República. 

É mais um abanão ao setor que não precisava? Depois da pandemia e agora com o aumento do custo de vida…

Já tivemos abanões suficientes, não precisávamos de mais um para perturbar o setor. E depois é uma incongruência, porque o setor é o motor da nossa economia. Temos é de continuar a dar condições para que o setor continue a ser o motor da economia, porque se não fossemos nós, provavelmente a economia não estava a crescer e, como tal, temos de continuar a dar condições para que continue a ter o desempenho que está a ter.

Como é que a atividade está a correr e quais são as expectativas? Temos um verão pela frente…

O setor está com números muito positivos e as expectativas que temos são muito boas e positivas. Portugal, como esperávamos, continua na moda e, em grande parte, graças ao desempenho das nossas empresas que têm sabido continuar a ser resilientes e a apostar em serviços de qualidade. Temos continuado a bater recordes, quer de dormidas, quer de proveitos, quer de número de entradas de turistas. Por isso, as nossas expectativas para este verão são muito positivas, mas temos de ter cautelas porque a inflação continua, principalmente no que diz respeito à inflação alimentar, porque apesar da inflação geral ter descido um bocadinho, a inflação alimentar continua com níveis muito elevados e para o nosso setor a inflação alimentar é crucial. E isso é um custo muito significativo. Não nos podemos esquecer do aumento das taxas de juro, já que houve muitos empréstimos contraídos durante a pandemia. E mesmo que tenhamos muita procura, depois a rentabilidade dos estabelecimentos não é propriamente grande, já que estamos a acumular muitos custos e não estamos a repercutir todos esses custos no aumento dos preços ao consumidor, uma vez que, vamos aumentando ligeiramente. No caso do alojamento houve um aumento grande de preços, mas aí foi possível fazer e também é mais fácil de fazer. No caso da restauração não é tão simples fazer e, como tal, não estamos a aumentar na mesma proporção. Temos de ter aqui alguma cautela, até porque o mercado interno também está com menos poder de compra. Já se nota isso há algum tempo. Vamos ver como é que corre no verão, mas sabemos que o mercado interno também tem taxas de juro para pagar, daí dizer que temos de ter cautela. Ainda assim, é claro que temos boas expectativas, especialmente no mercado internacional, em que assistimos a uma procura muito grande pelo nosso país. Basta olhar para os números. Continuamos a crescer. É preciso continuar a trabalhar e se nada acontecer, esperamos nós que nada aconteça de mal, estamos otimistas. Claro que temos sempre as questões de falta de trabalhadores que nos preocupa muito e que nos vai continuar a preocupar, mas vamos ter que ir trabalhando para continuarmos a tentar prestar os serviços de qualidade que o país sempre gostou, mas ao mesmo tempo, é preciso ir encontrando soluções para estas questões que são difíceis. Por isso, é que a AHRESP tem tentado encontrar algumas soluções para ajudar os empresários nessas matérias. Há todo um enorme trabalho que tem de ser percorrido e não se pode falar numa única solução, mas sim em várias soluções e com a interação de diversos intervenientes, entre empregadores, trabalhadores, associações e entidades estatais. E o destaque vai necessariamente para a imperiosa necessidade da redução da carga fiscal e contributiva sobre o rendimento do trabalho. Relembro que de acordo com os últimos dados da OCDE, pelo quarto ano consecutivo, a carga fiscal sobre o trabalho subiu. Portugal é o 9.º país onde o IRS e as contribuições sociais entregues por trabalhadores e empregadores mais pesam nos salários. Complementarmente, a imigração, a formação e qualificação, a aproximação da procura em relação à oferta e a valorização das profissões são áreas em que a AHRESP também tem intensificado o seu trabalho e contributo.

O caso do IVA zero não teve repercussão no setor?

O IVA zero só teve efeitos para os consumidores finais, para nós não teve impacto nenhum. Só tem impacto naquilo que são produtos finais. Isto é, um estabelecimento que ao mesmo tempo vende café, galões, mas também pode vender um pão para fora aí tem efeito.

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