Quem mandou matar o ‘Che’?

A escolha da Bolívia como base revolucionária foi um fatal erro estratégico: as condições geográficas eram difíceis e o clima péssimo para a asma que o ‘Che’ sofria…

Por Manuel Pereira Ramos, Jornalista

A noticia surgida no princípio deste mês de maio do falecimento do general Gary Prado Salmón veio recordar que era ele, sendo ainda um jovem  de 28 anos, quem comandava o pelotão militar que, no dia 8 de outubro de 1967, prendeu a Ernesto ‘Che’ Guevara e alguns dos seus companheiros que com ele se tinham embarcado na aventura guerrilheira boliviana. Também há um ano se soube da morte de Mário Terán, o sargento encarregado de um dia depois e a frio, acabar com o prisioneiro, ele mais tarde confessaria que duvidou durante quarenta minutos em cumprir a missão, mas depois do próprio ‘Che’ lhe ter dito, «esteja sereno, aponte bem, vai matar a um homem», apertou nove vezes o gatilho, não falhou e fez bem o seu trabalho de dirigir os tiros à parte inferior do corpo para dar a sensação de que a morte  tinha provocada pelos ferimentos sofridos na luta contra os militares. Algum tempo depois da captura, uma bala perdida deixou a Salmón inválido e passou muitos anos em cadeira de rodas, Terán ficou cego e, curiosamente, foram os médicos cubanos que lhe devolveram parcialmente a vista, o então Presidente da República, René Barrientos morreu num desastre de avião e o vice-presidente Alfredo Ovando Cândia acabou os seus dias exilado em Espanha, a ‘maldição do Che’  atingiu com crueldade aos que foram protagonistas diretos do seu fuzilamento.

Barrientos, ao que conheci em La Paz, anunciou oficialmente que o falecimento de Guevara se tinha produzido em combate, não o podia ter feito doutra forma já que a pena de morte não existia na Bolívia mas sabia-se que não tinha sido assim e foi o próprio Ovando Cândia quem, anos mais tarde me confessou em Madrid: «Na minha qualidade de chefe supremo das forças armadas, fui eu quem, através duma mensagem cifrada, dei a ordem para que o matassem». A decisão que, à distancia, parece desumana, tinha para quem a tomou, várias razões de ser, manter vivo o ‘Che’  causaria sérios problemas ao Governo que o considerava como um estrangeiro que chegou ao país para matar bolivianos. Além disso a Bolívia carecia de uma estrutura judicial capaz de levar a cabo um julgamento que se previa de enorme envergadura e nem sequer existia uma cadeia com a alta segurança requerida por semelhante prisioneiro.

Mas havia outro antecedente importante; no grupo revolucionário chegou a estar incluído o filósofo francês Régis Debray, Guevara não gostava dele como guerrilheiro, não porque tivesse nada pessoal contra ele mas porque achava que carecia das condições básicas necessárias para tão exigente tarefa, o certo é que Debray foi capturado e submetido a duros interrogatórios nos que, segundo acusações de Aleida, filha do ‘Che’, poderá ter dado aos militares bolivianos informações que terão ajudado à localização do grupo revoltoso. Posteriormente Debray foi julgado e condenado, algo que provocou uma grande reação internacional, o governo boliviano viu-se submetido a uma pressão de tal forma intensa que acabou por claudicar e conceder ao filósofo a liberdade antes de tempo. A ameaça de que tudo isso se viesse a repetir, ainda em maior escala dada a popularidade mundial do personagem, assustou aos dirigentes do país, não queriam ter de voltar a passar pela mesma incómoda experiência e, seguindo o que diz o povo, acharam que ‘morto o cão, acabou-se a raiva’.

Com Guevara já cadáver foram-lhe amputadas as duas mãos para que os especialistas argentinos chegados a La Paz pudessem confirmar a sua identidade através das impressões digitais, o resultado do exame não deixou dúvidas: eram as dele! Na altura era ministro do Interior do governo boliviano, António Arguedas, uma pessoa bastante peculiar que também conheci, decidiu apoderar-se das mãos, ficou com elas  em casa até que, dois anos mais tarde e não se sabe a troco de que compensação, decidiu entregá-las ao  Partido Comunista da Bolívia para que este as fizessem chegar ao seu congénere cubano, uma operação complicada que obrigou a dois militantes do PCB a uma longa viagem com escala em vários países até chegarem a Moscovo donde, a salvo, puderam partir para La Habana com as duas mãos bem escondidas num saco de plástico. Foi preciso esperar até 1997, para que os restos do corpo fossem recuperados durante as escavações efetuadas numa pista de aviação abandonada, onde tinham sido enterrados, e foram levados para Cuba e aí repousam.

Terminou, pois, da pior maneira, a obsessão de ‘Che’ Guevara de exportar a revolução  cubana na que ele tinha tido  um papel fundamental tanto na luta armada como desempenhando cargos de alta responsabilidade, um deles o de ministro da Indústria ao que chegou de forma curiosa. Numa reunião para preparar a renovação do governo, Fidel perguntou se entre os assistentes havia algum economista, Guevara percebeu ‘comunista’, levantou a mão, o lugar foi-lhe adjudicado e mesmo depois de constatado o erro já não houve marcha atrás.

A escolha da Bolívia como base revolucionária foi um fatal erro estratégico, as condições geográficas eram difíceis e o clima péssimo para a asma que o ‘Che’ sofria, sem medicamentos, isolado, cercado pela CIA e os militares e carente do tão esperado apoio dos camponeses locais que nunca chegou, o desfecho para este histórico personagem e os seus acompanhantes não podia ter si outro que o desastre e a morte.