O poder de Manuel Salgado

A propósito do ressurgimento do caso Tutti Frutti, recordo aqui uma entrevista que fiz em 12 de setembro de 2018 a Fernando Nunes da Silva, antigo vereador do Urbanismo da CML. Sem comentários…  

«Sabe porque saí da Assembleia Municipal? Porque o apanhei [Manuel Salgado] numa coisa que dá perda de mandato e eventualmente cadeia, que é o edifício novo da Fontes Pereira de Melo. O processo esteve na PJ… O Armando Martins, dono do Atrium Saldanha, ainda no tempo do Abecasis, comprou o terreno, fez vários projetos, e durante 20 e tal anos nunca lhe aprovaram nenhum projeto, por uma razão extremamente simples: os vários PDM só admitiam à volta de 10, 12 ou 14 mil metros quadrados de construção e naquela altura, para viabilizar o que lá estava, era preciso um pouco mais – 16 ou 17 mil. E um dos Espírito Santo com que ele trabalhava aconselhou-o a fazer uma hipoteca sobre o terreno, e ele fez, uns 15 milhões. Entretanto há o estoiro da economia, tem uma proposta da KPMG que estava no Monumental e precisava de expandir. Isto já se passa com o Salgado, ele diz não ao projeto por causa do PDM. E há uma carta em que os homens da KPMG escrevem ao Armando Martins a dizer que não vão falar mais com a CML porque não são pessoas de confiança. O Armando Martins faz um pedido de informação prévia para ficar com um documento escrito, que é assinado pelo Salgado e diz que se pode chegar a 12 mil metros quadrados para escritórios ou a cerca de 14 mil e tal para habitação. E o Armando entregou o terreno por um euro ao Banco Espírito Santo.  

Mas porquê?  

Tinha a hipoteca e não tinha como pagar. No ano seguinte, o mesmo Manuel Salgado aprova 24 mil metros quadrados de construção ao Banco Espírito Santo. E é por isso que saio, porque entreguei um dossiê disto ao Medina com os documentos todos numa reunião de duas horas e tal. O Medina agradeceu muito e não fez nada. O Vítor Gonçalves do PSD entregou ao Costa, porque o Costa julgava que era uma guerra pessoal minha com o Salgado. Mas o Costa estava de saída e já não conseguiu fazer grande coisa, o terreno já tinha sido entregue.  

Porque é que Armando Martins não processou Salgado?  

Foi a meu conselho, porque ele tinha dois grandes projetos em Lisboa para serem licenciados, além de interesses em Loures, outra câmara do PS. Eu fui ouvido pela PJ.  

E a PJ não fez nada?  

É muito grave. A PJ ouviu, isto veio cá para fora para os jornais, foi investigado. O Armando Martins foi ouvido, o Vítor Gonçalves do PSD também e depois de nós sermos ouvidos passam meses e o Vítor Gonçalves telefona à inspetora e pergunta pelo processo. E ela diz que o processo tinha sido avocado a nível superior e não sabia o que tinha acontecido. Foi abafado. Mas há aqui uma coisa: é que quando ele assina aquela carta ao Armando já tinha sido aprovado na CML o regulamento do novo PDM e a planta de ordenamento do novo PDM que estava na altura em discussão pública e o novo regulamento permitia o que o Armando queria. O que o Salgado devia ter dito ao Armando era para ele esperar mais uns cinco meses até isto estar aprovado porque o novo regulamento já permita fazer o que ele tinha pedido. O que lixou o Salgado? É que como eu estava a trabalhar com eles na CML, na redação do regulamento do novo PDM, eu guardei as cópias todas dos vários documentos. E tenho aquilo que tinha sido aprovado para ser submetido em discussão pública na sessão de Câmara, onde, antes do despacho do Salgado para o Armando Martins a dizer que não podia construir, já era permitido construir o necessário. (…). Por que é que ao fim deste tempo todo ele não foi preso?».   

  

vitor.rainho@nascerdosol.pt