‘Não há aeroportos grátis: ou pagam os contribuintes ou os utilizadores’

Sérgio Palma Brito lembra que o projeto do Montijo era financiado pela ANA,  sem encargo para os contribuintes, e considera que ‘quando se avalia Poceirão e Rio Frio está-se a caminho da Estação Espacial e fora da gravidade’.

‘Não há aeroportos grátis: ou pagam os contribuintes ou os utilizadores’

Em relação à nova localização do novo aeroporto. Como surge a solução Portela mais Montijo?

A 8 de janeiro de 2018, o Estado português e a ANA – Aeroportos de Portugal, S.A. assinaram um acordo sobre o aumento da capacidade do Aeroporto Humberto Delgado e da abertura de um novo aeroporto civil no Montijo. Este projeto era financiado pela ANA (utilizadores), sem encargo para os contribuintes e garantia a potenciação do aeroporto Humberto Delgado como um hub de referência, mantendo a competitividade das taxas reguladas neste aeroporto. Havia investimento por parte da ANA/Vinci superior a 1,3 mil milhões de euros, para financiar a 1.ª fase da solução (até 10 anos), o que incluía 520 milhões de euros para o Montijo, 650 milhões de euros para o aeroporto Humberto Delgado  e cerca de 160 milhões de euros para a Força Aérea e acessibilidades. De acordo com a descrição das obras e sua conclusão, o resultado final representaria um aumento dos atuais 38 para 72 movimentos por hora (aterragens mais descolagens) no sistema aeroportuário de Lisboa e capacidade para servir uma procura estimada superior a 50 milhões de passageiros por ano. E quando houvesse uma indicação de crescimento superior de tráfego haveria ou a segunda fase ou o aeroporto de Alcochete. O projeto Portela+Montijo está acordado e seria financiado pela ANA. 

E por que razão esta opção está a ser ‘ignorada’ pela Comissão Técnica Independente (CTI)?  

Formalmente, não está a ser ignorada, está a ser considerada só como localização. A nossa visão tem os pés na terra e o olhar nas estrelas. Ainda não esquecemos e estamos a pagar as vãs megalomanias de autoestradas e similares. Na apresentação de 27 de abril, a Comissão Técnica Independente cria problemas onde já existem soluções. Preocupa-se com o modelo de dois aeroportos não ser eficiente e com a previsão de tráfego ter a incerteza ligada ao futuro da TAP, ignorando que é a concessionária que propõe o modelo dual e a projeção de tráfego. É a empresa que tem de justificar com responsabilização o modelo dual e a previsão de tráfego, mas justificar o investimento com todo o rigor. Confio mais nesta entidade do que em consultores a lidar com o dinheiro dos contribuintes sem responsabilização. Seria bom que a CTI tivesse a modéstia de reconhecer quem sabe e é responsável.

E em relação aos prazos?

Se os políticos no Governo e na oposição não tivessem medo de decidir e se não tivessem pouco respeito pelo país, hoje Portela estava modernizada e Montijo estaria a operar. É uma vergonha. Na apresentação,  a CTI considera curto prazo, transição e longo prazo. O acordo de janeiro de 2018 responde a este calendário: obras imediatas na Portela (curto prazo), o modelo dual em transição e um único aeroporto a longo prazo, quando uma razoável projeção de tráfego o justificar. Decidir um local com base em projeções além de 2050 é brincar com o dinheiro dos contribuintes. Ou seja, o modelo dual de janeiro de 2019 responde às macro exigências da CTI, já tem declaração de impacte ambiental aprovada e tem de ser a opção política do Governo.

Falou da opção estratégica para o país, para a Área Metropolitana de Lisboa e o aeroporto…

A presidente da CTI, Rosário Partidário, referiu as vozes que querem manter Portugal em low- profile, para as quais Portela+Montijo chega e as que defendem a ambição de realizar o potencial de desenvolvimento do país, o que impõe um grande hub em Alcochete. Claro que as primeiras são os velhos do Restelo e os segundos os visionários do desenvolvimento. Fernando Alexandre, da Universidade do Minho, cientista que respeito, propõe ‘acelerar a mudança de paradigma da economia portuguesa’, o que ‘só é possível com um novo paradigma de criação de riqueza assente no conhecimento, nas qualificações e na inovação’, nos termos do estudo ‘Do Made in ao Created in – Um novo paradigma para a economia portuguesa’, que coordenou para a FFMS. Mas, Portugal falha na legislação laboral, nos mercados financeiros eficientes, na produção científica e, dizemos nós, em cultura política que dinamize e não hostilize a empresa e o lucro. Quanto tempo vamos demorar a implantar esta transformação? Esta escolha anda a ser proposta há anos e a realidade é que o país nem sequer opta pelo low- profile, empobrece, condena a sustentabilidade do Estado Social e ameaça o estado de Direito. Quem ignora esta realidade está condenado a errar. Nós, com os pés bem assentes no chão, batemo-nos pela ambição com muito realismo no gasto do dinheiro dos contribuintes. Nos próximos 15 anos, o caminho critico por realizar por ambição passa por Portela+Montijo. Se acham que sou um Velho do Restelo, please enjoy. 

Antes da entrevista falou em cobardia política e técnica inadequada com erros a corrigir. O que quer dizer com isso? 

Portela+Montijo foi proposta da Confederação de Turismo em 2001 e 2008, não é manobra da Vinci, como até um grande amigo meu diz. Em 2015 tem o apoio firme do Governo PSD/CDS. Em 2019, António Costa não deita tudo abaixo e confirma-a, caso raro na política que devemos ao primeiro-ministro. No entanto, uma lei irresponsável impõe um parecer positivo das autarquias limítrofes e uma é contra. O então ministro Pedro Nuno Santos é arrogante e não promove o acordo com PSD para alterar a legislação. Por sua vez, no PSD, Rui Rio esqueceu o país e quis marcar diferença com Passos Coelho, lançando para o ar a avaliação ambiental estratégica (AAE). Parece que Rui Rio não conhece os ambientalistas, que o grande João Cravinho definia como uma espécie que se alimenta de estudos. Vem o acordo PS/PSD já com Luís Montenegro. A inclusão da fantasia de Santarém é o resultado de lóbi com força suficiente para convencer os dois políticos a aceitar o inaceitável, mas ignoro o que está na origem desta fraqueza política. António Costa, numa das suas tiradas, fala de outras localizações, o que é magnífico adiar para não decidir. O que deveria ser avaliação Portela+Montijo versus Alcochete passa a cinco localizações, que a comissão aumenta para nove. E toda a gente aceita.

Como explica isto?

Rosário Partidário é professora catedrática no IST com vasta experiência em avaliações ambientais estratégicas, mas aprendi a recusar o argumento de autoridade. Combina vasta experiência na aplicação do modelo técnico de uma AAE com o desconhecimento da substância do negócio em causa. Chega a ser comovente o entusiasmo que põe na sua aprendizagem no local de trabalho, mas não chega. Devia ter aprendido antes. Deste cocktail tão frequente em Portugal sai um emaranhado de estudos que me faz pensar num mangal, basta ver os 173 slides da apresentação de 27 de abril. Quando se avalia Poceirão e Rio Frio está-se a caminho da Estação Espacial e fora da gravidade.

Também disse que as boas perguntas ficam para o fim. Como assim?

As três perguntas são para que serve, quanto custa e quem paga o aeroporto? Simples. Um módico de senso comum teria começado por obter respostas aproximadas a três perguntas, que joeiravam as fantasias. Para que serve o aeroporto tem resposta pelas companhias aéreas, que são o seu primeiro cliente. E perguntávamos a todas qual o impacte da localização sobre a procura no cenário das taxas aeroportuárias serem idênticas às de hoje mais inflação. Este cenário é fundamental, dada a competitividade entre os aeroportos. Há muitos aeroportos que permitem ter uma ideia do custo de Alcochete a comparar com Portela+Montijo. Quem não tem dinheiro não tem vícios e Portugal não tem dinheiro, mas tem tido vícios bem caros para os contribuintes. Uma fonte diz-me que Alcochete geraria tráfego para a A10, uma das fantasias do Governo de José Sócrates. É criar um elefante branco para dar de mamar a outro. Quem paga? Não há aeroportos grátis, ou pagam os contribuintes ou os utilizadores. Há que estabelecer a repartição de custos entre utilizadores por taxas aeroportuárias, que as podem recusar, e contribuintes condenados a pagar. A AAE deixa estas perguntas para o fim. E se escolhem Alcochete e depois não há dinheiro? Sei que o modelo impõe uma metodologia, mas a CTI comete o erro dos profissionais dos modelos. Como estes não são adequados à realidade, esta tem de se adaptar ao modelo com o resultado que estamos a ver.

No Facebook tem falado num ‘aeroporto em espaço rural’. O que quer dizer com isso?

A malta da AAE é modernaça e fala em ‘aeroporto greenfield’, adoro, adoro, adoro. Alcochete é um aeroporto em espaço rural cuja grande vantagem é ser implantado em terreno público e excluir quem só pensa em valorizar terrenos pela capacidade de edificar. Em lugar algum da apresentação de 27 de abril encontramos o custo social, humano, económico, financeiro e macroeconómico de eliminar 12 mil empregos no AHD e criar uma povoação de raiz para albergar os para aí também 12 mil que vão trabalhar em Alcochete. Custo social e humano para as famílias dos 12 mil trabalhadores no Humberto Delgado que ou perdem o emprego ou têm de se deslocar. Custo económico e financeiro para famílias e para o país. Custo macroeconómico para o país que tem de alocar recursos para edificar uma nova povoação, isto é mais imobiliária. Rosário Partidário fala em ‘cidade aeroportuária não residencial’, um absurdo em si mesmo por ficar deserta às 19h. A haver, será também residencial e de proximidade humana, como o Parque das Nações. Deve ser claro que será em terreno do Estado para afastar a especulação imobiliária. A rede de estradas e caminho de ferro será investimento público. A sustentabilidade da naveta ferroviária limitada ao único tráfego do aeroporto não é evidente e exigiria subsídio estatal. Tudo isto tem de ser bem explicitado e tido em conta.