Caramba, custa muito enfrentar a realidade?

Sinceramente, surpreende-me que haja pessoas (particularmente quando vêm da esquerda) que ainda não aprenderam que os nossos impostos devem ser orientados para melhorar as causas sociais, como a saúde e a educação ou a justiça, todas elas atualmente pelas ruas da amargura, e jamais para sustentar empresas que, geridas publicamente, têm constituído um ‘poço sem…

1. Cada vez que profere um discurso, Cavaco Silva provoca o pânico no PS. Pela voz que reconhecem ser respeitada pela maioria dos portugueses, pela experiência governativa que o torna uma referência incontornável nesta democracia, mas sobretudo pela acutilância das suas palavras. Novamente assim sucedeu, de forma nada meiga para o Governo e particularmente cáustica para António Costa, relembrando amiúdas vezes a sua já famosa (e profundamente infeliz) frase do «habituem-se».

Não surpreendem, assim, as reações violentas, a raiar o insulto pessoal, de figuras gradas do PS, mimoseando-o com «um discurso de ódio, raiva, próprio de um antidemocrático». Não podendo atacar o conteúdo do discurso pela substância concreta dos ataques formulados, apenas restou a estes dirigentes socialistas procurar denegrir o indivíduo e conotá-lo com o seu partido de sempre – PSD – como se pudesse ser diferente, dada a sua verticalidade e hombridade. 

Em 2012, Mário Soares subscreveu uma carta aberta exigindo a demissão do primeiro-ministro de então, Passos Coelho, que governava sob a tutela da troika (tal como Mário Soares o tinha feito sob o FMI). Entre outros mimos, era então descrito o Governo como de «um fanatismo cego e estar a fazer o país caminhar para o abismo». Quem também assinava? Personagens hoje bem conhecidas como Duarte Cordeiro, Eduardo Ferro Rodrigues, João Galamba, João Torres, Pedro Delgado Alves e Pedro Nuno Santos. De facto, estes socialistas têm a memória muito curta e adaptam os factos às suas conveniências momentâneas. 

Lamento apenas que as vozes dentro do PS que em surdina verberam a ineficácia bem real deste Governo que desperdiça uma maioria absoluta ao ocupar a maior parte do tempo a gerir as crises que muitos dos seus impreparados elementos provocam, não se rebelem e façam ouvir, em defesa de Portugal e do seu futuro. Um Governo que, nas circunstâncias atuais e a beneficiar de milhares de milhões de euros de fundos europeus, se revela incapaz de reformar o país e se caracteriza basicamente por distribuir apoios sociais aproveitando quer a inflação quer a riqueza gerada pela atividade privada (grande responsável pelo crescimento da economia), mais do que justifica merecer a crítica unânime de todos os partidos, a começar pelo seu próprio. Mas, reconheço que seria esperar demais, dado que este PS não faz qualquer autocrítica dado nem sequer se ‘recorda’ de que teve de assinar um acordo com a troika em 2011.

Notícias, seja pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), seja pela entrada em funções do novo CEO (Luís Rodrigues, a quem sinceramente desejo a maior sorte do mundo porque saber me garantem que sobeja) e, agora também pela notícia de uma petição em que 25 subscritores exigem que a TAP seja pública, exclusivamente por razões ideológicas.

Sinceramente, surpreende-me que haja pessoas (particularmente quando vêm da esquerda) que ainda não aprenderam que os nossos impostos devem ser orientados para melhorar as causas sociais, como a saúde e a educação ou a justiça, todas elas atualmente pelas ruas da amargura, e jamais para sustentar empresas que, geridas publicamente, têm constituído um ‘poço sem fundo’ a consumir os nossos recursos financeiros.

A memória destes ideólogos deve ser curta, nem se lembrando que há escasso tempo o erário púbico socorreu a TAP com 3,2 MM euros ou então acham, por qualquer milagre, que, a partir de agora é que vai ser, seguramente com base no tal Plano de Reestruturação que ninguém conhece e foi entregue em Bruxelas… 

Infelizmente, estou convencido exatamente do contrário e acredito que os lucros de 2022 (65,6 M euros) foram a miríade que iluminando estes 25 criaram a ilusão de que o futuro será risonho. Se perdessem um bocadinho de tempo que fosse a analisar os números perceberiam que apesar do significativo acréscimo das receitas (a ultrapassarem os níveis de 2019), houve igualmente um aumento dos custos de fuel em que as operações de hedging pouco compensaram, sendo os lucros apenas possíveis pelos brutais cortes salariais dos últimos anos. Tal como muito bem disse Luís Rodrigues, a reestruturação carece de ser feita e, não significando ser imprescindível que seja feita pela redução de pessoal, é indiscutível que a TAP precisa de escala para sobreviver.

Curiosamente, entre estes defensores da TAP a pertencer ao Estado há quem admita a privatização parcial da empresa, continuando o Estado a ser maioritário. Questiono-me a pensar como se pode ser tão idealista (ou irrealista?). Alguém imagina uma qualquer empresa internacional de aviação a tomar parte no capital social da TAP sem ser maioritária ou mesmo única detentora do capital, a sujeitar-se a partilhar a gestão ou a aturar gente insana como bastamente se tem visto nestes últimos meses onde a TAP foi coutada política de uns quantos? 

 

P.S. 1 – Fernando Medina (mais uma vez a braços com explicações que tem de dar sobre casos que provêm dos seus tempos de presidente da Câmara de Lisboa) veio reproduzir as boas notícias do FMI sobre o crescimento previsto de 2,6% do PIB em 2023. Sobre a redução da dívida pública, face ao PIB, ainda teve tempo para se vangloriar, comparativamente com outros países na cauda da Europa, no entanto sem falar na urgência de baixar o seu valor nominal, porque é este que vence juros que paulatinamente continuam a subir e a consumir recursos indispensáveis para outros objetivos, esses sim, essenciais.

 

P.S 2. – Laginha de Sousa, Presidente da CMVM, veio alertar para o problema demográfico de Portugal e o estado periclitante das reformas lá para os anos de 2050, referindo o número de 56,7% que traduz o rácio de dependência de pessoas idosas que então se estima na Europa, estando Portugal entre os piores. Ou seja, «este rácio significa que, para uma pessoa acima dos 65 anos de idade, existirão menos do que duas pessoas em idade ativa (dos 20 aos 64)». Pergunta ingénua ao Governo (e oposição): que estamos a fazer para ultrapassar esta realidade que nos vai estoirar em cima?