Haja esperança em terra que parece queimada

Esta história de ascensão social e de mérito é a história de muitos portugueses anónimos, que ‘esgravatam’ por encontrar um lugar no mundo, que corresponda mais ao seu mérito e ao seu talento do que ao seu ponto social de partida. 

Há alguns dias, estive na inauguração do novo ‘tech hub’ de uma multinacional, em Portugal. Depois de ter conversado com os responsáveis máximos da empresa, contando o percurso que Oeiras fez nas últimas décadas, passando de subúrbio deprimido de Lisboa, para se tornar numa nova centralidade na região, e incontornável no país, fui chamado à parte por um funcionário da empresa, português, que tinha crescido a pouca distância das instalações da empresa onde agora trabalha.

O funcionário, quando se apresentou, disse-me que crescera naquele bairro (curiosamente, a sua casa via-se da janela), uma área urbana de génese ilegal, estudou em escolas públicas, licenciou-se em engenharia informática e, quando acabou o curso, acabou por ir trabalhar para uma grande tecnológica, nos EUA. Regressou e hoje está numa tecnológica, paredes meias com o lugar onde cresceu. 

Esta história de ascensão social e de mérito é a história de muitos portugueses anónimos, que ‘esgravatam’ por encontrar um lugar no mundo, que corresponda mais ao seu mérito e ao seu talento do que ao seu ponto social de partida. Mas estas não são apenas histórias de cidadãos, são também histórias de empresas ou de territórios. 
A percentagem de tecnológicas de sucesso portuguesas é impressionante, sem que o “cidadão médio” o saiba, até porque, demasiadas vezes, essas histórias não são divulgadas tão amplamente quanto as notícias que nos empurram para uma depressão coletiva. Há um Portugal de sucesso que não passa porque o que vende não é o sucesso, o que vende são sobretudo as malfeitorias e a desgraça.

O Concelho de Oeiras está a universalizar o acesso ao ensino superior, atribuindo bolsas de estudos a todos os munícipes que, terminando o 12º ano e não tendo capacidade económica para suportar os estudos, os queiram continuar. Isto é uma grande notícia em qualquer parte do mundo. Em situação normal, deveria ‘fazer escola’, replicando o exemplo onde possível, pelas objetivas mais valias em matéria de igualdade de oportunidades. Nunca foi objeto de uma reportagem em horário nobre, como acontece quando há um qualquer problema num lar da terceira idade (sem desvalorizar o problema, apenas julgando o critério).

Apesar dos problemas, indecisões e casos com que nos confrontamos, há razões para ter esperança, ainda que, demasiadas vezes, a luz ao fundo do túnel se assemelhe a um comboio de alta velocidade, se apenas olharmos as dificuldades.

Não quero, com este artigo, parecer um sonhador distante da realidade, até porque tudo isto é real. O exemplo dos ‘unicórnios’ portugueses ou dos muitos jovens que saem das dificuldades com recurso ao seu talento, criatividade e capacidade de realização é factual, não é idealismo. 

Falta-nos, claro está, um sistema político e partidário, bem como um ambiente mediático e social, que estejam à altura das circunstâncias. O sistema político e partidário, porque são precisas elites políticas competentes que não nos embaracem com a sua incompetência técnica e política. O ambiente mediático e social, porque este não decorre apenas das elites políticas. Deve haver, por parte da sociedade civil, o sentido de responsabilidade de saber que caixas de Pandora queremos abrir.

O Portugal que funciona prova bem que outro país é possível. Longe da espuma dos dias, dos casos e dos governantes que teimam em não responder, há gente preocupada em andar com a vida. 
Que tal olharmos mais para esses e menos para os que nos atrasam? Talvez seja esse o primeiro passo para expulsar a ‘má moeda’, que teima não desaparecer.