O livro que os políticos nunca leram

Sabemos como em Portugal qualquer ministro, autarca ou dirigente da Função Pública adora agradar ao seu ‘príncipe’. É vê-los a bajularem-no, a acotovelarem-se quando ele os visita. Mais ainda, quando há uma câmara de televisão por perto.

Maquiavel dizia que os governos mentem – muito –, mas que cabe às oposições mentirem ainda mais, se querem chegar ao poder. Até porque, considerava, que os bons se arruínam no meio de tantos maus. E que há um método infalível para que o ‘príncipe’ (primeiro-ministro) reconheça um mau ministro: «Quando pensa mais em si do que em ti, quando busca o que lhe é útil a ele». Por isso, se o ‘príncipe’ quer manter o bom ministro, deve partilhar com ele as responsabilidades para que este não deseje mais honras e riquezas. Se assim não for, remata Maquiavel: «O fim será sempre danoso, para um ou para outro». Diria que, mais ainda, para nós.

O filósofo italiano também deixou um aviso aos ‘príncipes’ imprudentes: que tivessem cuidado com os ‘aduladores’. Más escolhas, das quais as cortes (os governos) estão cheias, aqueles que com medo de ofenderem não lhes dizem as verdades e assim não perdem as reverências. E sabemos como em Portugal qualquer ministro, autarca ou dirigente da Função Pública adora agradar ao seu ‘príncipe’. É vê-los a bajularem-no, a acotovelarem-se quando ele os visita. Mais ainda, quando há uma câmara de televisão por perto.

Os políticos têm de ser estudados como são e não como desejávamos que fossem, até porque quando há um problema, ele deve ser colocado onde está e não onde nos dá mais jeito. Mas, se é em Maquiavel que percebemos quem são, não é com ele que percebemos quem deveriam ser – é nos filósofos de há dois mil anos e num simples manual que os apresenta a uma adolesceste em O Mundo de Sofia, de Jostein Gaarder.

Em Platão, percebemos a futilidade das selfies; em Édipo, as razões para matar o pai com cicuta; em Diógenes, como é temida mas efémera a fama dos populistas; em Epicuro, como marxistas iludem que o menos é mais; em Freud, o divã que destrói os deuses da banca; em Pitágoras, somam-se os números amigáveis da economia liberal e nos Peripatéticos da social democracia, que é andando (pelo país) que se encontra o pensamento.

Se Marcelo ‘Platão’, a quem Júdice chama «o génio mais inútil do país», banalizou o poder dos seus diálogos, que tinham audiências estrondosas, e Costa ‘Sócrates’, que prometia falar verdade, vê os seus discípulos encherem-lhe a taça com cicuta porque lhe invejam o poder. E se ‘Freud’ Mortágua desnuda os deuses trazendo-os para a vida terrena dos mundanos, o ‘Diógenes’ Ventura, qual oráculo, reúne grãos de verdade para questionar cinicamente os políticos do seu tempo, prometendo-lhes a punição, o que faz o ‘Peripatético’ Montenegro, o Aristóteles, o discípulo que Platão espera por elevar aos céus?

Se leu Filosofia, algumas coisas Luís Montenegro já terá percebido: que o mestre é especulativo e tem o ego magoado – por isso, há muito caminho para andar e muito país para pensar; que se o tal país estiver melhor não poderá ser porque as pessoas ficaram pior, como lhe ficou cravado no pensamento passado; que não deve prometer o que não poderá cumprir, pois quem engana sempre, acabará a encontrar alguém por quem se deixará enganar.

Em O Mundo de Sofia, o mágico tira um imponente coelho branco de uma cartola preta para nos mostrar como é importante procurarmos as nossas respostas sem que nos deixemos iludir; que não devemos tomar o mundo como evidente, que nos devemos surpreender e tomar-lhe o destino com verdade. E se a maioria não gostar de nós, tudo bem – a maioria nem gosta delas mesmo.