Nem bons ventos nem bons casamentos

No relatório global acerca da desigualdade de género, do Fórum Económico Mundial, Portugal surge na 29ª posição entre as 146 economias estudadas.

por Alexandre Faria
Escritor, advogado e presidente do Estoril Praia

Numa altura em que os novos manuais escolares russos definem a Ucrânia como o primeiro agressor na guerra em curso, quando as novas produções de livros e de filmes norte-americanos redefinem personagens por razões de género e raciais, ou assistimos às mais diversas vontades de reescrever a história, o mundo inteiro parece estar perdido à procura da melhor fórmula de corrigir uma evidente crise de valores sociais, culturais e humanistas, e de se equilibrar enquanto sociedade.

O cenário português adivinha-se particularmente complexo. No relatório global acerca da desigualdade de género, do Fórum Económico Mundial, Portugal surge na 29.ª posição entre as 146 economias estudadas, tendo descido sete posições no balanço de quatro áreas, a participação económica e oportunidades, o nível de escolaridade, a saúde e fecundidade, e o empoderamento político. Com menos mulheres eleitas para o Parlamento, para além do decréscimo da participação no mercado de trabalho, da acentuada desigualdade salarial e da percentagem de apenas 8% nos lugares cimeiros das empresas, esta negativa classificação portuguesa ainda piora quando se estima uma prevalência na violência de género ao longo da vida para 19% das mulheres.

Para além disso, a coordenadora do recém-criado Observatório do Racismo e Xenofobia não hesita em reconhecer a existência de um racismo estrutural no nosso país, dado o seu passado colonial e a utilização durante séculos do comércio de escravos para enriquecer, indo ainda mais longe ao desmentir a ideia de um território tolerante, amigo, plural ou multicultural. O elevado número de queixas sobre discriminação, racismo ou discursos de ódio, que aumentaram consideravelmente no ano passado, parece dar-lhe razão, desmascarando uma sociedade pouca solidária e inclusiva em termos gerais.

Se juntarmos a estes dados o facto de apenas 29% da população mundial viver em democracia, de acordo com o Índice da Democracia publicado pelo The Economist, onde Portugal surge no 28.º lugar do ranking face às suas debilidades decorrentes de uma baixa participação política e reduzida cultura política, devemos estar preocupados perante o reduzido índice de satisfação com a democracia e crescente desilusão nas instituições políticas.

Não é tempo para egos exacerbados ou para permitir veleidades a oportunistas, como poderá suceder em Espanha, precipitando-se para cumprir o velho provérbio dos ventos desagradáveis e das uniões de conveniência nada saudáveis. Este desenraizamento geracional com os regime democráticos, aliado à diminuição da confiança nos governos, constitui terreno fértil para os extremismos e para os discursos populistas, à espreita de repetir fases anteriores do século passado com as quais partilha demasiadas semelhanças. Em momentos de desafios constantes face aos fluxos migratórios e novas realidades culturais, toda a prevenção é necessária, sob pena dos pensamentos radicais se aproveitarem e contribuírem para colapsar a necessária estabilidade institucional. Mais do que atentos aos sinais e aos estudos, o equilíbrio de poderes constitucionais necessita de compreender as horas que enfrentamos.